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CPT BAHIA

As fronteiras econômicas no Vale do Paraguaçu: Três raios podem cair no mesmo local?

Os interesses econômicos e as características distintas de biomas determinam o modo de produção e consequentemente a forma de ocupação.  Na região de Ruy Barbosa – Bahia, o “Vale do Paraguaçu” com exuberantes áreas de “Florestas Estacionais” é prova disso. Ao longo dos anos o capital agrário tem demonstrado muito interesse, no entanto, a resistência camponesa sempre se destacou.

A extração da “madeira de lei” foi o primeiro interesse do latifúndio. Essa atividade conciliava-se com as ações dos posseiros, que eram utilizados como desbravadores. O acordo entre camponês e latifundiário estava, segundo Wanderley, legitimado em princípios de lealdade (1996); essa lealdade sobreviveu até a propriedade da terra se tornar interessante para a economia capitalista e o posseiro deixar de ser útil ao latifundiário.

À medida que o gado se torna atividade principal os conflitos por terras vão se estabelecendo. Os camponeses são pressionados e ameaçados em suas posses. O gado é usado como escudo, destruindo as plantações e roubando o alimento das suas famílias.

Casa de posseiro destruída em conflito com fazendeiros
Casa de posseiro destruída em conflito com fazendeiros

 

Como a situação da propriedade da terra era caótica, do ponto de vista do ordenamento jurídico oficial, ocupar foi à forma encontrada para manter a reprodução do campesinato. Com isso, as desapropriações tiveram muito êxito, apesar de ficarem emaranhadas nas farpas do direito. Os camponeses sempre foram excluídos da participação política pelos canais oficiais do Estado. Foram mantidos num lugar secundário e subalterno, historicamente um setor bloqueado e impossibilitado de desenvolver suas potencialidades enquanto forma social específica de produção. Fragilizados, segundo Wanderley, os camponeses continuam a contar, na maioria dos casos, com suas próprias forças (1996); buscando formas alternativas, adequando à realidade, com seus problemas e contradições.

mutirão
Mutirão de recuperação das casas destruídas pelos fazendeiros nos conflitos.

Hoje no Vale do Paraguaçu acelera-se um novo tipo de latifúndio, mais amplo, que concentra e domina não só a terra, mas a água, as tecnologias de produção e as políticas públicas, vendendo a ideia de um modelo único possível. A sucessão colonial continua explícita. Exemplificando, a chegada da monocultura irrigada no município de Itaetê marca o final dos avanços da territorialidade, construídos através da luta pela reforma agraria e inicia um novo ciclo onde os camponeses são resignados, mesmo assim agradecidos pelas oportunidades sazonais no agronegócio. Carecem de água potável onde o investimento hídrico esbanja vigor, até que a natureza reaja, mais uma vez.

Esse modelo nega o reconhecimento dos grupos, povos e comunidades que, ainda hoje, continuam a existir. Estão sempre ameaçados por uma especulação permanente. Afinal o capitalismo propôs ser justo ou seguro?

Apesar disso a esperança está, ainda, nos camponeses com sua forma social de organização econômica. Pois, segundo Martins, tem demonstrado mais inovação, criatividade e empreendedorismo no modo de buscar soluções e de superar adversidades, com mais capacidade de ajustamento dinâmico a crises e rupturas (2014). Sempre responderam com suas práticas normativas autônomas e autênticas. Resistiram e lutaram, às vezes até a morte, a fim de manter o “vinculo com a terra”. Negar essas rebeldias é negar as raízes do povo brasileiro.

 

 Por Claudio Dourado, Agente de CPT – Núcleo Ruy Barbosa, em  24/08/2016.

 

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