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CPT BAHIA

Congresso Internacional discute direitos dos povos tradicionais

O agente da CPT – equipe Sul Sudoeste, João Batista Pereira participou do  III Congresso Internacional de Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais. As principais reflexões feitas no evento estão neste texto a seguir. Confira o que os acadêmicos e as comunidades tradicionais pensam sobre preservação de direitos.

III CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS

congressoFoi realizado na Faculdade de Direito, da UFBA, de 24 a 26 de novembro do ano o III Congresso Internacional de Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais, que discutiu o tema “Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais, diálogos de saberes e emancipação”. Sob a coordenação científica dos professores Júlio Cesar de Sá da Rocha (Direito UFBA) e Ordep José Trindade Serra (FFCH UFBA), o evento reuniu estudantes, professores/as e pesquisadores/as de todo Brasil e de países como a Colômbia e Bolívia, além de representações do Povos do Terreiro e Indígenas. A metodologia desse Congresso foi de mesas redondas na parte da manhã e as tardes apresentação de trabalhos acadêmicos, ambos oportunizavam aos participantes aprofundar fundamentos teóricos na defesa dos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais.

A primeira mesa na manhã do dia 25 tratou o “Modelo de Desenvolvimento, Obras de Grande Impacto e Territórios Tradicionais” com a Drª. Andrea Zhouri da UFMG e o Dr. Eratóstenes Almeida da UFBA (Tosa Lima).  A realidade descrita por Zhouri foi enfocada nos anos 1960 a 2000 no Norte do estado de Minas Gerais, ela relaciona a “época da fartura” à criação do boi em grande escala nesta região, em detrimento desse processo, as Comunidades Tradicionais perdem seus domínios territoriais, haja vista que, a expansão do capital no campo controlou os meios de produção (agropecuária, eucalipto e mineração) o que ocasionou inúmeros conflitos e a degradação do Rio São Francisco. Este processo, segundo a Professora era descrito por Guimarães Rosa como “Fazendões de Fazendas” ou “territórios de non nada”. Em termos de resistência ela exemplifica o Movimento dos Encurralados da década de 70 e Articulação Rosalino no Norte de Minas.

Já Tosa Lima enfocou o debate nos impactos dos agrotóxicos, ele descreveu os impactos desses venenos sobre o meio ambiente e nas pessoas, escamoteado de “economia verde” o Estado e as multinacionais encobrem os efeitos negativos destes produtos e escondem seus robustos ganhos econômicos. A falta de fiscalização, o uso desordenado foi denunciado pelo professor. Segundo ele o uso intenso desses produtos obscurece, inclusive a regulamentação legal dos mesmos (Lei 7.802/89).

A segunda mesa ainda na parte da manhã do dia 25 abordou contexto dos “Povos tradicionais, conflitos socioambientais na América Latina”. Nesta mesa, o professor Julio Gaitán Bohórquez da Universidade de Rosário na Colômbia, apresetou uma realidade muito parecida com a nossa. Ele fala da negação abusiva de direitos dos povos na América, chegando a ser uma apropriação abusiva ao direito contemporâneo e a ordem internacional. Na Colômbia, segundo o professor 64% das terras cultiváveis estão nas mãos de menos de 1% dos proprietários, esta realidade, ocasiona uso intensivo de agrotóxicos, envenenamento de rios, inclusive por mercúrio vindo de mineradoras. Julio reclama da super exploração dos recursos naturais que são finitos, denuncia a venda de terras no Equador inclusive com os índios dentro (1.970) e, ora veja que naquele país e na Colômbia, é preceito constitucional a consulta previa as populações em caso de empreendimentos em seus territórios. A cerca do “Acordo de Paz” ele sente feliz a firma que precisamos parar com a guerra fria e de “nos matar”, os números apontados por ele mostra que de 2010 a 2015, 25 pessoas estão desaparecidas, ao mesmo tempo e o professor reclama que não há nenhum sinal do governo mudar seu modelo econômico.

As mesas do dia 26 (sábado) discorrem sobre “Territórios Tradicionais e Vedação do Retrocesso Social e Ambiental” e “Povos Tradicionais, Segurança Pública e Violação dos Direitos Humanos”. Nestas mesas, além de acadêmicos/as, estavam presentes representantes dos povos tradicionais e o destaque vai para duas mulheres Nádia – Tupinambá de Olivença sul da Bahia e Ioná Pereira representante dos Povos de Terreiro de Juazeiro. Ficou claro o sentimento de irresignação a despeito da violência, do racismo, do preconceito e injustiças que estes Povos Tradicionais vêm sofrendo. A fala de Nádia foi centrada no direito ao reconhecimento e ao território indígena. De acordo com ela, os territórios foram e estão sendo expropriados pela ganância do capital e conta com a omissão e conivência do Estado.

Segundo ela o povo Tupinambá de 2009 para cá realizou mais de 30 retomadas e afirma que “a territorialidade é pertencimento que nos liga a nossos antepassados que lutaram e morreram por nosso território”, ironicamente Nádia propõe que, ao invés de PEC “da morte” como a 241, devíamos propor PEC a “favor da vida”. A representação dos Povos do Terreiro, não diferente das injustiças que os povos indígenas sofrem, relembra o processo de migração forçada dos povos da África e afirma que “nos trouxeram para cá e arrancaram nossa alma”. Em si tratando da religiosidade Iona Pereira é convicta de que são um povo complexo e, nesse caso, contesta que “precisam ser vistos para além da religiosidade”, ela quer dizer que vestir, falar e pertencer é sempre um ato político. Em relação a sua participação e dos demais povos no Congresso, Iona reivindica que “ao invés da academia dizer sobre nós, somos nós que temos de dizer o que a academia deve dizer de nós”. No tocante a segurança pública e, logo depois da fala dos povos do terreiro, Evandro Piza professor de criminologia da UNB e um dos debatedores da mesa, traz reflexões que reafirma a importância da academia e não exclui a legitimidade da reivindicação de Iona Pereira. Neste caso Piza sugere um aprofundamento acerca do conceito de segurança pública e do público alvo, a questão do professor é a seguinte: A Segurança Pública serve para defender a propriedade de qual classe? Enfatiza que o Estado defende a propriedade de classe determinada, qual seja, a elite. E mais, o Estado vive a contradição do preceito constitucional do “direito para todos, ao mesmo tempo que retira o direito de todos”, neste caso, o pacto fundador da justiça brasileira, segundo ele “é o pacto da branquitude”, que de um lado culpa alguns e deixa outros impunimente. A população cabe construir mecanismos de controle da atividade policial e considerar de forma ampla o racismo institucional constituído.

As oficinas de apresentação dos trabalhos acadêmicos foram espaços de aprofundamento das mesas. Todas tratavam de temas relevantes e do direito dos Povos e Comunidades Tradicionais, aspectos mais locais foram abordados como a luta quilombola, dos Fundos e Fecho de Pasto, dos indígenas, dos Atingidos por Barragens entre outros. Serviram para aprofundar as formas de opressão que estes povos sofrem no tocante a perda de seus territórios. Estas ameaças ficam expressas nos projetos de mineração, de monocultivos de eucalipto, soja e gado, nos parques eólicos, nos projetos de barragem, obras de infraestrutura e na complacência do Estado.

Que Xangó “nosso Promotor Público” nas palavras de Olímpio Serra (Terreiro da Casa Branca) nos guie e nos fortaleça para seguirmos a resistência, em rebeldia e na reafirmação viva dos Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais.

Salvador, 26 de novembro de 2016.

João Batista Pereira

 estudante de Direito da Turma Eugenio Lira – PRONERA/UNEB e agente da CPT – equipe Sul Sudoeste.

 

 

 

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