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CPT BAHIA

Debates políticos e eleições 2014

Em 94, nos sentíamos protagonistas.

Frei Luciano Bernardi ofmconv
CPT e SINFRAJUPE

Quando digo “nos sentíamos” entendo dizer os jovens e adultos entre os 20-50 anos de então, que tinham respirado os ares pestilenciais da ditadura civil e militar e o refluxo conservador e clerical de certos ambientes eclesiásticos que viravam as costas ao ar fresco, entrado na igreja pela janela escancarada por papa João XXIII, com o Concílio. Esta nossa geração ainda teve a sorte de experimentar, no Brasil, o frescor vivo do sopro do Espirito através dos pobres que se reconheciam na Bíblia, como protagonistas, do ecumenismo aberto não só ás diferentes igrejas mas igualmente a todas as raças línguas e tribos e nações e de uma nova espiritualidade evangélica encarnada na realidade e martirial…

Nós, que nos sentíamos protagonistas, repito, éramos pequenas minorias de leigos e leigas, religiosos e religiosas, padres, bispos e pastores das comunidades e das pastorais que lhes dava sustentabilidade. Eram pastorais variadas, hoje com menor sustentabilidade do que nesse período, quando são chamadas de “sociais”, como se fosse possível ter uma pastoral que não seja social.

Sentíamos que, entre os apelos que nos vinham da realidade contextualizada pela fé e o discernimento dela, através de algumas ciências humanas, não podíamos faltar na tarefa de dar o nosso aporte na construção de um novo Brasil. Lembro bem que acompanhamos, na televisão, as perguntas e os questionamentos no debate citado pelo autor deste texto que segue: eram nossas perguntas e nossos questionamentos pela boca de companheiros e amigos iguais a nós nos anseios e nas preocupações.

Porque hoje não é mais assim? Além das complexidades que, como é normal, vieram se acumulando, crescendo, temos algumas respostas mais especificas que não nos cabe, neste espaço detalhar.

O que mais sinto falta é a possibilidade de dialogarmos, calorosamente, mas sem arrogância e preconceitos, com as novas gerações e com aquelas que mais se aproximaram dos lugares de decisão. Muitas vezes elas dão a impressão, como vítimas do atual sistema massificador, individualista e auto referencial, que não tem nenhum interesse, e até se aborrecem, em saber o que estava por dentro de nós e de muitos outros setores da sociedade, nesse nosso trecho de história. Jovens e menos jovens, de fato, podemos ceder à tendência a tratar – equivocados, manipulados ou ingênuos – uma experiência histórica relativa, mas rica e original, como fosse um bilhete de loteria após a extração.

Com certeza, hoje, meu interesse para este debate organizado pela CNBB do qual fala o professor Sanson, ou por quem quer que seja, não me atrai além da curiosidade formal de ver até onde vai este fenômeno decadente da “velha política” de todos eles. Sinto-me hoje com mais entusiasmo e me vejo novamente protagonista, ao ouvir inúmeras pequenas experiências , qualitativamente transformadoras e cheias de doação “martirial” profunda. Como as que ouvi durante uma oficina da Assembleia das religiosas e religiosos, inseridas e inseridos nos meios populares da CRB Bahia e Sergipe, sábado e domingo passado, 13 e 14 de setembro 14. Nelas o evangelho revoluciona e transforma eficazmente a humanização de relações, passando por cima da permanente “iniquidade organizada, corporativa e articulada mundialmente” das máquinas econômicas, partidárias e midiáticas. Pequenas ou grandes, todas vem da mesma matriz. Com a colaboração e a omissão dos autoritarismos clericais preocupadas mais com seus absurdos formalismos “litúrgicos”, sem merecer este adjetivo respeitoso e cheio de valores, que com sua distancia dos dramas das maiorias pobres. Salvo honrosas exceções que tendem a aumentar.
Ainda estamos nas mãos deles, apesar do sopro novo de papa Francisco que deve fazer as contas com décadas de consolidação politicamente economicista, ideologicamente vazia de utopias, evangelicamente medíocre quando não funcional e hipócrita. Destas décadas tóxicas, pagamos todos um preço na caminhada que ainda se expressa, com uma respiração ofegante e vagarosa.

Cremos que já estamos plantando, e deveremos cuidar disso nas próximas décadas, as valiosas sementes da reação. Javé e Jesus não são só grandes causas pelas quais vale até dar a vida mas suas causas se identificam também com jeitos humanos e amorosos. Suscitam esperança quando, onde e com quem, menos a gente espera. É isso que nos permite de superar as depressões e amarguras destes tempos arrogantes e obtusos. Neste final de ano, creio seja esta a melhor política, pois esta palavra merece sempre ser utilizada e respeitada e reconstruída cotidianamente. Como sua irmã gêmea, que se chama fé.

Leia alguns trechos dos Comentários de Cesar Sanson, professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN, ex-coordenador nacional da Comissão Pastoral Operária e colaborador do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, que nos provocou a reflexão acima
NOTÍCIAS – Instituto Humanistas – IHU
Terça, 16 de setembro de 2014
A CNBB e o debate de 1994 entre os presidenciáveis. Algumas notas

“Vinte anos separam o primeiro debate organizado pela CNBB entre os presidenciáveis, 1994, e esse agora, de 2014. Em 1994, o protagonismo era dos leigos, assim como dos movimentos sociais no interior da Igreja. O debate de 1994 foi organizado pelas pastorais e movimentos sociais. A CNBB promoveu o debate, propiciando que outros atores sociais se manifestassem. Há duas décadas, o debate foi transmitido por uma TV não confessional, no caso, a Band. Em 1994, o debate abriu um espaço para a sociedade civil organizada e as suas demandas”.

(…….)

Em 1994, ano de eleições presidenciais, após o desastre do governo Collor e na transição do governo Itamar, o país vivia uma inquietante ebulição social. Particularmente, o movimento social, recém-saído do movimento pelo impeachment, sentia-se fortalecido em suas expectativas. Neste contexto, a Igreja do Brasil, numa atitude inovadora e ousada, propôs a 2ª Semana Social Brasileira – SSB. Essa Semana intitulada ‘Brasil. Alternativas e protagonistas’, acabou sendo conhecida muito mais a partir do seu tema ‘O Brasil que temos e o Brasil que queremos’. A 2ª SSB foi uma aposta corajosa para se pensar novos caminhos para o país e teve desdobramentos posteriores importantes, como o surgimento do Movimento da Consulta Popular e o Grito dos Excluídos.

A Semana foi pensada, gestada e articulada pelo Setor Pastoral Social da CNBB, antiga Linha 6, cujo bispo responsável era D.Demetrio Valentini, bispo de Jales, SP, a partir de um grupo de lideranças das pastorais sociais coordenada à época pelo jesuítaInácio Neutzling, hoje diretor do Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Naquele momento, a leitura que se fazia da conjuntura do país era a de que a eleição de Collor de Mello em 1989 significou um retrocesso na trajetória do movimento social brasileiro que vinha se fortalecendo desde os anos 1970, especialmente depois do AI 5, juntamente com o novo sindicalismo, o surgimento do PT, dos movimentos sociais, da Comissão Pastoral da Terra – CPT,Comissão Pastoral Operária – CPO, do CIMI, o Movimento de Direitos Humanos, a Comissão Justiça e Paz, entre outros.

(…..)

Um detalhe de bastidor do debate, pouco conhecido e revelador da força da Igreja e da liderança moral de dom Luciano foi o de que prestes a se iniciar o debate, antes da entrada no ‘palco’, com uma plateia com mais de 400 pessoas, entre os quais jornalistas de todo o País, D. Luciano, muito inspirado, fez uma breve e densa saudação a todos os nove candidatos, salientando a importância do debate para a sociedade brasileira. Enquanto várias candidatos assentiam com a cabeça,Leonel de Moura Brizola, pediu a palavra e dizendo: “Somente a CNBB com a sua respeitabilidade e com sua liderança moral D. Luciano, é capaz de reunir todos esses candidatos de partidos tão diferentes num mesmo debate”.

O ineditismo maior do debate estava por vir. Foi o fato de que as perguntas aos candidatos não seriam feitas por jornalistas e sim por lideranças do movimento social que participavam da 2ª Semana Social. Essa ‘brecha’, foi resultado de intensa e tensa negociação entre a coordenação do evento e a Bandeirantes. A emissora através do seu jornalista,Chico Pinheiro, escolhido pela coordenação da 2ª Semana Social Brasileira, hoje na Globo, perguntava: “O que é que esse povo vai perguntar?”. “Meu Deus o que é que vai vir?”. “A gente não tem controle!”. “Isso não é profissional”. Venceu, porém, através da resoluta posição da coordenação da SSB a proposta das perguntas elaboradas pelo movimento social. As perguntas foram elaboradas a partir de uma rica metodologia pelos mais de 400 participantes da SSB distribuídos em grupos temáticos, durante um dos dias do evento. Cinquenta perguntas foram colocadas em várias urnas distribuídas pelas regiões do País e eram sorteadas publicamente. E todos os participantes estavam presentes no debate. Ou seja, o debate não foi feito num estúdio, mas num lugar público sob o olhar atento de todos os participantes do evento.

O debate se realizou num clima de muita tensão. O jornalista da Band estava tenso, preocupado com a reação do público presente no auditório. Mais. À sua frente, sentado na primeira fileira estava o presidente da Rede Bandeirantes que viera de São Paulo para assistir ao debate. Mas o público se mostrou à altura do evento e tudo transcorreu sem nenhum percalço.
Também é preciso recordar que nem todos os que atuavam na CNBB naquele momento estavam de acordo com esta iniciativa. A resistência teve várias motivos. Um dos mais fortes era o medo de que a Igreja fosse “aparelhada” pelos movimentos sociais e/ou por um partido.

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