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CPT BAHIA

Pacto das Catacumbas: viver pobre a serviço das causas dos pobres

“Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra,
porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes,
e as revelaste aos pequeninos”. Mt 11, 25

“Com los pobres de la tierra quiero yo mi suerte hechar”

Fazer memória do chamado “pacto das Catacumbas”[1], para várias pessoas da minha geração, além da memória de um momento empolgante da igreja católica, significa fazer ressoar na realidade de hoje, posturas e atitude concretas sintonizadas com o evangelho e a prática de Jesus. Cinquenta anos atrás, este pacto provocou na história pessoal dos meus 19 anos e na história de muitos jovens, surpresa e entusiasmo. Este “pacto” não ficou ausente, pelo contrário, se aninhou entre as motivações mais profundas de muitos de nós e desembocou em muitos, inclusive em mim, na decisão de olhar, desde a Itália onde vivíamos, para o Brasil. O Brasil e a América Latina dos pobres e dos sonhos de dom Helder Câmara e de uma maneira nova de viver o evangelho, em fraternidades franciscanas. No desdobramento, da minha formação, amadureci, 8 anos depois do pacto das catacumbas, a decisão, de assumir o Brasil, como campo de vida e missão. O miolo motivador, em todos esses anos, foi sempre o mesmo: a coerência, de viver o evangelho, como batizados/as religiosos, religiosas, padres, leigos/as ou bispos, precisa incluir sempre “ser pobre e estar com os pobres”. Daqui não tem retorno e nem possibilidade de escapar.

Para os leitores tento ilustrar o pacto das Catacumbas pegando carona numa personalidade cristã que, mesmo não tendo participado diretamente deste pacto, a gente admirou e tornou-se para várias gerações, uma referência: Arturo Paoli, recentemente falecido com a veneranda idade de 103 anos. Me ajudara nesta breve ilustração um texto de uma historiadora italiana que nos forneceu reflexões e detalhes [2]

Arturo viveu as intuições e as motivações que esse seleto grupo de profetas/pastores assumiram no pacto das catacumbas; foram posturas e atitudes diferentes e questionadoras frente à instituição e aos comportamentos clericais comuns. Contracorrente, estas atitudes estão retornando a tona hoje e se concretizando por meio da personalidade de papa Francisco. Arturo Paoli, diante do “planeta dos pobres”, desde jovem, mas com maior vigor a partir de sua vivência latino-americana, foi um dos que mais radicalmente apontaram a necessidade de entrar neste “planeta” e se embeber dele num caminho sem retorno, como foi o caminho de Francisco de Assis ou de Vicente de Paula, só para citar duas personalidades indiscutíveis. Os pobres são o rosto de Cristo. Por isso a opção pelos pobres é radical, tendo presente também que são os pobres os que tornam clara, sem ambiguidades, a mensagem da justiça e da paz, valores imprescindíveis do Evangelho.

A polícia argentina, como também as polícias ligadas às várias ditaduras latino-americanas dos anos 70, incluindo a brasileira, buscaram Arturo e tantos outros e outras, como um agitador político, mas na realidade eles foram movidos pela solidariedade e pelo chamado “zelo apostólico” que os levaram a expressar avaliações muito severas e a fazer opções de campo inevitáveis, muito distantes das frequentes e tradicionais “prudências eclesiásticas”.

A assembleia dos bispos em Medellín (1968) proclamou, em alto e bom som, “a opção preferencial pelos pobres” e convidou também bispos e a igreja em geral a viver pobremente, com indicações que eram um eco claro do Pacto das Catacumbas.

Nós, que fazemos memória deste pacto de 50 anos atrás, não conseguimos esquecer a angústia e o momento delicado pelo qual passamos no final dos anos 80 e em seguida… quando fomos investidos por uma sensação de isolamento, quando não de condenação da teologia da libertação que estava dando seus primeiros passos em direção à espiritualidade do pacto das catacumbas. Lembro, ainda hoje, um sorriso, amargo e discreto, de um bispo, vivendo pobremente, ameaçado pela solidariedade que prestava aos posseiros de sua diocese. Eu assistia, ao lado dele, o Jornal Nacional da globo. Após a notícia da publicação do documento papal censurando a teologia da libertação, na conclusão do Jornal, o âncora de sempre dessa emissora, concluía, com voz grave e pausada, enfatizando: “O papa deixou bem claro, neste documento, que Jesus salva, Marx, não. Boa noite!”.

Não se pode negar, na nossa visão, que houve um desacerto entre a visão e a metodologia, que se solidificaram, ao redor de papa João Paulo II e Bento XVI em vista da continuidade e da manutenção. Ainda hoje, no meio do episcopado, há dificuldade em reconhecer que o Concilio Vaticano II, o mesmo que “originou “o “pacto das Catacumbas”, com suas propostas concretas e históricas, fruto do Espírito e encarnadas, estava apontando outros passos de uma nova floração para a velha árvore eclesial… e não somente para uma reciclagem…

Numa correspondência de 1984 a uma amiga de São Leopoldo (RS), Arturo Paolo lembrava uma conversa tida com o bispo de Caxias do Sul (RS), dom Moretto, após o conhecido documento de Ratzinger que censurava a Teologia da Libertação. Arturo comentava que o decreto de advertência do Santo Ofício, “poderia ajudar a controlar nossa linguagem que, às vezes, com boas intenções, pode ressoar mal… eu também confesso- dizia ele – posso ter dado motivo de crer que meu linguajar era mais político que religioso. Aí – continua sempre Arturo, o bispo me interrompeu: “Nada disso! Discordo de você porque a razão pela qual nos lhe aceitamos e aprovamos, é exatamente esta: sentimos que você está na linha da teologia da libertação, mas você não se desliga da linguagem da fé. Confesso – acrescentava Arturo, na citada correspondência à historiadora que nos refere este fato – que esta declaração não buscada mas espontânea, me deixou alegre”.

Parafraseando o escrúpulo de Arturo e o encorajamento do bispo dom Moretto, quem sabe, poderíamos dizer que no dia em que bispos, pastores e padres, religiosos e religiosas, animadoras e animadores das comunidades de nosso Brasil de hoje, declararem algo análogo, dirigindo-se a todos e todas que lutam e sofrem sinceramente por um mundo mais justo, participativo e humanizado, por causa da fé e da prática evangélica, até entregando suas vidas, nós da CPT e das outras pastorais, ficaremos mais alegres! E o evangelho de Jesus, sem nenhum triunfalismo, será realmente uma boa notícia de Deus para quem precisa dela. Como brotou espontâneo e nos encheu de ânimo ouvir isso dos pobres, no recente Congresso Nacional da CPT em Porto Velho-RO, no julho passado.

De uma coisa eu tenho certeza: entre os germes abençoados que fizeram brotar a CPT e outras pastorais dirigidas aos pobres, com certeza, está o “pacto das catacumbas”!
*Coordenador da CPT na Bahia.

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[1] Com este nome é conhecida uma articulação de bispos que veio crescendo durante a celebração do Concílio Ecumênico Vaticano II, evento que reuniu em Roma os bispos católicos do mundo inteiro. Antes do encerramento deste evento, que durou 4 anos (1962-1965) em quatro sessões, uma por ano, um grupo de bispos fizeram este “pacto” celebrado num dos lugares mais significativos onde se reuniam as primeiras comunidades cristãs, ao redor de seus mártires, sepultados nestes cemitérios comuns subterrâneos. A articulação surgiu espontânea, entre os bispos que assinaram este pacto e outros que se agregaram em seguida; o que os unia foi a vontade firme de viverem, por coerência com o Evangelho, mais pobremente e a serviço das grandes causas dos pobres.
[2]Bruna Bocchini Camaiani, Arturo Paoli, i poveri e l´América Latina – www.fondazionebmlucca.it/fondopaoli/…/attivita.ph..

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