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CPT BAHIA

Trabalhadores relatam conflitos com mineradoras e eólicas em lançamento do Caderno de Conflitos no Campo em Jacobina

Foto: Daniel Reis
Foto: Daniel Reis

No dia 18 de setembro do ano em curso, no auditório da UNEB em Jacobina (BA) foi realizado o lançamento do Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2014. Participaram do evento trabalhadores(as) de comunidades em conflitos com empresas de energia eólica e mineradoras, representantes de comunidades de fundo e fecho de pasto da região, o promotor de justiça de Jacobina, professores(as) e estudantes da UNEB Campus IV, além de  membros da Comissão Pastoral da Terra Centro Norte-Diocese de Bonfim e da CPT Regional Bahia, e moradores da cidade.

  Na oportunidade a CPT destacou que foram registrados 1.286 conflitos no Campo, no Brasil em 2014, envolvendo 817.102 pessoas. Esses são classificados como conflitos por terra, pela água, em tempos de seca, assassinatos, ameaças e outros, considerando que o número de ameaças aumentou em relação ao ano de 2013.

Na Bahia, foram registrados 59 conflitos relacionados à questão de terra, 17 ocupações/retomadas, acampamentos, 26 conflitos por água, 1 relacionado à superexploração do trabalho, totalizando 103 conflitos. Dentre as agressões, foram registradas 4 prisões, 8 ameaças de morte, 3 tentativas de assassinato e 3 assassinatos, incluindo um da região de Monte Santo, onde nos últimos anos 8 trabalhadores foram brutalmente assassinados e todos esses crimes permanecem impunes até os dias atuais. Para Thomas Bauer, membro da CPT regional Bahia, o aumento dos conflitos no campo é fruto da impunidade e tem relação direta com o latifúndio, “se o latifúndio progride, fome e desgraça haverá”, afirmou-se na poesia recitada durante a mística de abertura do evento.

Durante os depoimentos Rubens Farias, da comunidade Borda da Mata-Campo Formoso, falou das perseguições e ameaças que vem sofrendo por conta da defesa de 75 nascentes localizadas na Serra da região. Segundo Rubens, as nascentes estão ameaçadas de secar tanto pela presença de mineradoras e empresas de energia eólica, quanto por desmatamentos de pessoas “grileiros e grilinhos” nas áreas, o mesmo falou ainda da importância dos fundos e fechos de pasto para a sobrevivência das famílias.

Também foram ouvidos os depoimentos de Rita de Cassia, representante das comunidades impactadas pela Yamana Gold, em Jacobina, a mesma ressaltou os impactos causados pela empresa mineradora para as comunidades do seu entorno sem que soluções sejam tomadas para resolver os problemas que são denunciados. A mesma relatou o caso de remoção das famílias de Canavieiras devido à   barragem de rejeitos da empresa construída a menos de um quilômetro da comunidade. Destacou ainda o desrespeito com que a Yamana trata os moradores das comunidades com constante violação dos direitos.  “A comunidade de Tapicuru não pode nem ir até a barragem deles, para limpar precisam pedir a empresa porque a barragem é da comunidade, mas fica numa área que a empresa diz que é dela”.

Dona Valdete, da comunidade de Piaus, município de Andorinha, falou da importância do Açude Andorinha II, também conhecido como Açude da Itê, principal reservatório de água da região utilizado por muitas comunidades, agricultores e pescadores do município. Embora em Audiência Pública realizada no dia nove de junho/2015, na Câmara de Vereadores do Município de Andorinha, a Agência Nacional das Águas (ANA) tenha recomendado que a FERBASA suspenda a retirada de água do açude, a ANA se omite em suspender a outorga concedida à empresa, enquanto isso, os que dependem dessa água principalmente para a pesca e para a dessedentação animal  veem os níveis do reservatório diminuir a cada dia.

Outro depoimento foi do Sr. Lorival, membro da comunidade de Jatobá que  denunciou a grilagem de terras dos fundos de pasto da região de Mirangaba e de Pindobaçu, afirmando que esse processo se intensificou com a chegada da energia eólica à região. “A empresa me procurou prometendo muito dinheiro, eu disse a eles que dinheiro não era tudo. É certo uma pessoa comprar uma tarefa de terras e cercar mil? É assim que está acontecendo lá. As empresas estão destruindo tudo, desmatando meio mundo de terra e as famílias que sempre depende do fundo de pasto pra soltar seu gadinho, pra criar seus bichinhos, estão tudo sem alternativa porque a empresa já cercou quase tudo” afirmou o Sr. Lorival.

Pablo Almeida, promotor de justiça de Jacobina parabenizou a CPT pelo registro dos conflitos e por todo o trabalho realizado no apoio às comunidades, destacando que a forma como as empresas se relacionam com as populações do lugar, depende do grau de organização das comunidades onde estão instaladas. O promotor falou ainda sobre os conflitos socioambientais gerados pelas empresas que, embora tenham que cumprir normas e condicionantes que visam mitigar ou compensar os impactos decorrentes de suas respectivas atividades, muitas vezes agem em desacordo, a exemplo da empresa eólica Casa dos Ventos, que foi multada por causar desmatamento irregular de uma grande área na região.

Gabriela Santos, professora da UNEB, Campus IV de Jacobina, falou da perseguição aos camponeses na Ditadura Civil-Militar no Brasil, fazendo o recorte do ano de 1964. Para ela, a realidade dos conflitos no Campo no Brasil é uma realidade silenciada ao longo da história onde as maiores vítimas são os indígenas, os camponeses e as populações negras. A professora apresentou dados do Relatório da Comissão da Verdade sobre os casos de violências contra camponeses e o genocídio contra povos indígenas no Brasil, sobretudo na Amazônia e no Pará onde se encontram os maiores focos de conflitos por terra até os dias de hoje.

A questão de terra é um ponto central para a instalação do Regime Militar no Brasil e aponta-se que um dos motivos foi a proposta do governo de João Goulart de se realizar uma Reforma Agrária no país. Gabriela destacou ainda a importância das Ligas Camponesas surgidas na década de 1950, na região de Sapé-Paraíba, que protestavam contra a situação de miséria no campo e começavam a se organizar por várias partes do país. “A história acontece em ciclos e além do aumento dos conflitos, percebemos que pouco mudou desde a invasão dos europeus ao Brasil, é a mesma burguesia que comanda o país e muitos dos protestos que vemos nas ruas, alguns pedindo a volta do Regime Militar são comandadas por esse grupo” afirmou a professora.

Para encerrar o Lançamento do Caderno, tanto a CPT quanto professores da UNEB frisaram a importância do engajamento dos estudantes nos processos de luta das comunidades, vindo a contribuir com os embates teóricos e ideológicos que acontecem na academia, como também com serviços das diversas áreas do conhecimento que podem ser utilizados para facilitar os processos de regularização dos territórios das comunidades, a proteção do meio ambiente e a garantia dos direitos dos camponeses e camponesas.

 

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