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CPT BAHIA

Plenarinhos marcam segundo dia da 41ª Romaria em Bom Jesus da Lapa

Na manhã deste sábado (07), romeiros e romeiras se reuniram logo cedo na Esplanada para o Ofício de Nossa Senhora, de lá seguiram para os plenarinhos, momento de formação social e política, além da partilha das experiências de luta e vivências de fé.

Nos plenarinhos também houve um momento de denúncia do desaparecimento de Eduardo Pereira dos Santos, uma das lideranças do Quilombo Rio das Rãs e integrante do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Bom Jesus da Lapa. A seguir acompanhe os registros desses encontros:

©Thomas Bauer

Fé e Política: participação e compromisso em defesa da vida!

Este plenarinho teve início com a homenagem ao Frei Henri, que em vida, sempre esteve ao lado da classe trabalhadora, fosse para celebrar ou na luta em defesa e garantia da vida. Em seguida, o Frei Hermano, o facilitador da oficina, falou sobre a importância da presença do povo na romaria. “Estamos aqui por acreditar que é possível fazer algo diferente”, completou.

O Frei ainda fez a memória de Sebastião, o primeiro trabalhador assassinado na luta pela terra na região de Bom Jesus da Lapa, que teve sua vida interrompida na volta de uma feira livre, e não satisfeitos, os assassinos ainda espalharam toda a sua feira, deixando a família esperando pela comida, que nunca chegou.

“Esse é o preço pago por famílias que entraram na luta ao invés de ficar na janela esperando a procissão passar”, disse o Frei e continuou, “é preciso fazer política, e quando defendemos e construímos nossos direitos, nós também estamos fazendo política. Usar da força para se defender é um direito do povo, e essa é uma força que vem de Deus”.

Durante o plenarinho, a romeira Rosana, residente em Caetité, deu seu testemunho da participação da romaria três anos antes onde se falava em golpe, e ela saiu da romaria sem entender. Mas que hoje, ao compreender o que foi o golpe, ela entende também, que se o povo se unir na luta, a esperança ainda vai existir. “As pedras pequenas são as que derrubam porque as grandes a gente enxerga”, ressaltou.

©Thomas Bauer

Crianças: Somos sal da terra e luz do mundo

Com orações e cantorias, as crianças aprenderam brincando a importância de se preservar e cuidar da água para a nossa sobrevivência, e em ser sal da terra e luz na vida do próximo, fazendo a diferença no mundo.

Jailane Santos Alcantara, 14 anos, do Acampamento Guanabara, em Camacan, do sul da Bahia, ao contar a sua história, inspirou a todos/as com sua determinação, quando mais jovem ainda enfrentou a ignorância de um juiz para defender sua terra e seu povo, ao afirmar que a lei que estava sendo aplicada na comunidade, não era mais importante que a lei de Deus.

Um dos catequistas apresentou a passagem bíblica que explica a criação do planeta antes da criação humana, e através de dinâmicas, as crianças puderam perceber a importância da água e a necessidade de preserva-la. “Para que a gente existisse, Deus precisou criar a água primeiro, então sem a água a gente não sobrevive”, concluiu.

©Thomas Bauer

Juventudes: na luta com os povos em defesa da vida

Cerca de 400 jovens de diferentes Dioceses do estado da Bahia, participaram do plenarinho que dedicou a homenagem a Eric Gamaliel, da Pastoral da Juventude de Baianópolis, que está em sua décima terceira Romaria. Em sua fala, ele destacou que o Plenarinho da Juventude contribui enquanto espaço de resistência e esperança.

Entre os temas trabalhados nos grupos de debates estavam a Campanha Nacional de enfrentamento aos ciclos de violência contra a mulher, o extermínio da juventude, e o protagonismo da juventude. Os presentes também ressaltaram o compromisso com a defesa da vida. Para isso, propuseram o uso da comunicação, formação, articulação e dos espaços de denúncias como audiências públicas para tratar sobre a violência.

Segundo Judenilton Oliveira Santos Souza, do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – IRPAA de Juazeiro, nessa conjuntura política é necessário garantir os direitos e lutar contra os retrocessos, retomar as pastorais sociais e os espaços de formação, tendo como centralidade a defesa da democracia e o direito da vida. “A juventude precisa ver enquanto classe trabalhadora, pois é a classe que nos une enquanto projeto popular para o Brasil”, disse.

©Thomas Bauer

Terra e território conquistado: plantando justiça, colhendo a paz

O atual contexto sociopolítico do país frente às agressões e ameaças que os povos e comunidades tradicionais tem sofrido, assim como o desrespeito aos direitos humanos, sociais e naturais, foram apresentados pelos representantes dessas comunidades.

Tiago Rodrigues, facilitador do plenarinho, ressaltou que nesse momento de retrocesso é importante pensar que esse é um espaço para reafirmar as conquistas e a resistência. “De fato a resistência é a palavra-chave, esse é o ponto da romaria. Em 41 anos as pessoas continuam vindo para reafirmar o direito à terra, o direito a água. Não é terra só, é território, é muito mais do que aquilo que se pode visualizar na materialidade, é algo que está para além disso, que está na ancestralidade, na memória, que vem da história, a palavra de fato é resistência para esse plenarinho”.

O homenageado deste ano foi o João Conceição dos Santos, conhecido como Joãozinho do Mangal, liderança quilombola e ativista social que morreu aos 37 anos em um acidente de carro, na BA 161, na cidade de Serra do Ramalho, no ano passado. Segundo informações oficiais, o acidente ocorreu ao colidir com um animal.

Entre os diversos relatos, seu Jaime Cupertino, da comunidade quilombola Vazante, em Seabra, afirmou que o povo negro tem uma jornada longa, e é preciso buscar força e coragem. “Se nós, homens e mulheres, ‘tiver’ medo de morrer não vamos sobreviver, precisamos ter coragem para viver”, se referindo aos conflitos por água vividos na comunidade com as ameaças do agronegócio.

Foto: Claudio Dourado/ CPT Bahia.

São Francisco e demais bacias hidrográficas: “Ninguém morrerá de sede nas margens de nossos rios”

Mais uma vez, as comunidades ribeirinhas trazem para a Romaria a preocupação e a necessidade da luta coletiva em defesa da água. Os depoimentos apresentados no Plenarinho, mostra que a situação dos rios em todas as regiões são semelhantes e estão sendo explorados por um modelo de produção que só destrói e não preserva, e de um Estado a serviço das corporações.

Iremar Barbosa, morador de Correntina, lembrou que os povos da região sempre ocuparam esses territórios e conviveram harmonicamente com o meio ambiente, mas com a chegada do agronegócio e sua forma de produção, tudo mudou. “A exemplo, da aplicação do gesso e calcário no solo que petrifica 40 centímetros da superfície. Essa pratica impede a infiltração das águas diminuindo a vazão dos rios e a evaporação, que levados pelas correntes de vento vão intensificar as chuvas no sul e sudeste, enquanto passamos pelas piores secas. Esse é o progresso que queremos para o Oeste?”, questiona Barbosa.

O plenarinho teve como inspiradora, a professora Gloria de Canabrava, que foi essencial em defesa da terra do seu povo. A comunidade de Canabrava, com 123 famílias, em reação às ordens de despejo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, ficou vários dias em vigília, vendo a possibilidade de suas casas serem destruídas a mando do Estado. E como forma de resistência e para contribuir na luta, Glória deslocou seus alunos para a ponte da cidade como local estratégico e ali mesmo ministrou as aulas.

Via Sacra

Sr. Jaime Cupertino. Foto: Thomas Bauer/ CPT Bahia

À tarde, os romeiros e romeiras seguiram pela caminhada sagrada, que teve incício na Esplanada e é composta por três momentos: o primeiro, é a encenação da condenação de Jesus. Dom. Luís, Bispo da Barra, fez referência do condenado camponês com os pais de família, homens e mulheres que querem viver com dignidade, e os soldados são os pistoleiros, políticos e juízes atuais. A segunda estação, foi a morte de Jesus, representada pelos números de pessoas assassinadas no campo, 70 em 2017, e o extermínio de jovens negros na Bahia e no Brasil. O sr. Jaime Cupertino, da comunidade Quilombola Vazante, em Seabra, concluiu esse momento com um lindo depoimento/; “somos rejeitados porque trabalhamos no coletivo”.

A terceira e última parada foi lembrada pela ressurreição de Jesus e sinais de vida para o povo. Foi ressaltado o valor da vida, que muitas vezes são coisificadas, herança maldita de um racismo que transformou pessoas em mercadorias. “Essa caminhada que fizemos simboliza a nossa vida, que é uma longa caminhada. Momentos alegres, tristes, de sorrisos e lágrimas, de sofrimento e dor, é a via sacra da vida”, concluiu Dom Luis.

Equipe de Comunicação da CPT Bahia

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