“Vivemos em uma comunidade raçuda, unida, acolhedora e festiva, que corre atrás das tantas oportunidades, sem esperar soluções de outrem.” É assim que jovens da comunidade Uruçu, em Mairi (BA), se apresentam no vídeo intitulado “Somos poucos, mas fazemos um belo trabalho”, disponível no Youtube. Em cerca de quatro minutos, a juventude apresenta suas contribuições na organização da comunidade, suas formas próprias de enxergar o mundo e aponta os segredos para enfrentar os problemas sociais, econômicos e ambientais que tanto preocupa as sociedades.
Os/as jovens destacam a Festa do Licuri, o fogueirão junino, campeonatos, festas do padroeiro, queima de Judas e valorizam “os saberes e sabores do milho e licuri”. Tanta diversidade é fruto de uma comunidade constituída por 180 famílias camponesas, com fortes laços de solidariedade e espiritualidade. A religiosidade local tem intensa influência multicultural e pluriétnica, e a comunidade é organizada a partir das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e do associativismo.
O mini-documentário foi produzido a partir de uma oficina de educomunicação, realizada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), há exatamente um ano. Nos relatos, os/as jovens apontam que as famílias oferecem oportunidades e os envolvem nas atividades da associação e da comunidade, passando responsabilidades, a exemplo da preservação do licuri. Estes/as jovens desde muito cedo despertam o compromisso com a vida: “Somos responsáveis pela preservação e capazes de criar grandes oportunidades de emprego. Estamos numa pequena comunidade, mas temos uma grande estrutura e determinação para a luta. A base de todo sucesso é o trabalho em equipe. Quando os pequenos de organizam, são capazes de mudar o mundo”, diz uma das jovens que aparece no vídeo.
Trabalho coletivo é uma coisa que a comunidade do Uruçu entende muito bem. Sua associação comunitária, criada em 1986, foi uma das primeiras da região e sempre esteve à frente das atividades socioeconômicas, culturais e ambientais. A economia local por muitos anos girou em torno da criação bovina e da agricultura de subsistência. Após o rio Jacuípe passar por períodos de estiagem, diminuir a biodiversidade e, consequentemente, provocar alterações nos ciclos pluviais, a comunidade do Uruçu vem passando por uma mudança estratégica – desde 2012 -, focada na compreensão da convivência com o Semiárido. Produzindo e estocando bens em tempos chuvosos (principalmente a água), a comunidade passa por uma transição, incluindo a produção de frutas, beneficiando e agregando valor como forma de incremento à produção local e ao extrativismo, através do trabalho comunitário.
Após um ano desse momento com os/as jovens do Uruçu, retomamos o diálogo com eles/as. Em tempos de pandemia e distanciamento social, o contato foi à distância, mas nem por isso menos válido. As conversas nos dão pistas para a análise dos sonhos e as dinâmicas da juventude, a capacidade da comunidade em atender as suas necessidades e a influência desses jovens no dia a dia da comunidade, até mesmo daqueles que estão longe.
Conseguimos dialogar com quase todos/as que participaram da oficina de comunicação. Metade deles/as ainda vive na comunidade Uruçu. Desses, dois concluíram o ensino médio e os demais continuam estudando. “Muitas coisas mudaram em um ano”, afirma Fernanda Santana, que em breve também pretende ir embora. De acordo com a jovem, boa parte tiveram que sair da comunidade porque ainda não há estrutura para eles continuarem estudando e obter renda.
Clenilde Silva faz parte desse grupo que deixou Uruçu. Ela está morando em São Paulo (SP) há quase um ano. À procura de emprego, a jovem afirma que “a comunidade tem sofrido com a saída da juventude e esse ano vai ser mais difícil ainda, pois com essa pandemia, tudo ficou mais difícil, a festa do licuri, a queima do Judas e os jogos…”. No entanto, para Clenilde, o povo de Uruçu é “raçudo” e está “sempre correndo atrás, as pessoas de lá continuam com mesmo propósito da preservação do licuri e assim seguindo a vida”.
Mais perto de casa, morando em Feira de Santana (BA), Edilon Pereira, que trabalha em uma empresa de call center e quer cursar uma faculdade, pretende, em um futuro próximo, voltar para Uruçu. “A comunidade continua buscando coisas novas, melhorias para o povo, com a união que é o DNA daquele povo, apesar que, muito dos jovens precisaram sair pra buscar um futuro melhor pra si e pra sua família. Mas tenho certeza que todos os jovens que migraram pensam em voltar o mais rápido possível”, ressalta.
Esse sentimento de pertencimento ficou claro não só na fala de Edilon, mas também de outros jovens que conversamos. A busca pelo crescimento pessoal e profissional, o desejo do retorno ao local de origem, a valorização das pessoas e da comunidade em que nasceram e se criaram são elementos comuns na visão dos/as jovens. Eles/as estão longe das famílias, da roça, da cultura porque acreditam que seja necessário no momento, mas, mesmo distante, estão ligados a tudo isso. Em tempos de distanciamento social, fica até mais fácil entender a questão. Não é por estar longe que não fazem parte, que não estão unidos, e não ajudam e influenciam no desenvolvimento da comunidade.
Os relatos dos/as jovens do Uruçu nos ajudam a tentar compreender as juventudes camponesas. O desmonte das políticas públicas, inciado há quatro anos e intensificado com o Governo Bolsonaro, já é sentido na ponta. É como se os/as jovens gritassem em uníssono “Nos faltam oportunidades!”. Faltam, e muitas. Mas, apesar disso a juventude camponesa mantém a sua identidade e territorialidade. Quando há uma comunidade com histórico organizativo forte e que apoia a juventude, as novas gerações fortalecem laços de solidariedade. Desta experiência fica ainda um recado para as organizações. Investir na juventude é correr um grande risco de descontinuidade (por exemplo, a migração) e de interrupções, entretanto, é fundamental para o fortalecimento do campesinato.
Texto: Cláudio Dourado com colaboração de Juliana Magalhães/ CPT Bahia Fotos: Arquivo CPT