Cerca de 80 pessoas se reuniram para celebrar o trabalho de preservação de importantes afluentes do Rio Pardo.
No último dia 30 de novembro, as comunidades de Cachoeira e Taquaruçu, no município de Ribeirão do Largo, foram palco da 2ª Missão das Águas, uma iniciativa que envolve comunidades, paróquias e a Articulação Rio pardo Vivo e Corrente, com o objetivo de sensibilizar a população para a preservação e a defesa das nascentes e corpos hídricos que abastecem a região.
A atividade se iniciou pela manhã às margens da cachoeira que inspirou o nome da comunidade, onde as pessoas fizeram reflexões sobre o contexto de crescente degradação ambiental e a necessidade da organização popular para garantir a defesa dos recursos hídricos. Com o lema “Terra e água: dons da vida no campo e na cidade”, o espaço foi marcado pelas falas sobre a união de forças para proteger fontes essenciais contra as práticas predatórias do modelo de desenvolvimento vigente, como o desmatamento, o uso inadequado do solo e a contaminação por agrotóxicos.
A programação incluiu uma caminhada com momentos de partilha de experiências de luta e resistência na bacia do Rio Pardo. Representações do sul e sudoeste da Bahia reforçaram o papel das comunidades no diálogo com a sociedade sobre a defesa da bacia e a importância da unificação das lutas por um novo projeto de desenvolvimento que tenha a água como um bem comum e o povo no centro do debate.
“Essa missão partiu do trabalho coletivo do cercamento de nascentes na região. Inicialmente o projeto seria para fazer uma unidade demonstrativa, cercar uma nascente e fazer processos de educação sobre o bom uso da água, o não uso de agrotóxicos, entre outras questões”, afirma Bruna Mendonça, uma das organizadoras da atividade. Segundo a liderança comunitária, se trata de uma atividade que celebra a coletividade e conscientiza a população sobre o papel de cada um na preservação dos corpos hídricos.
A 2º Missão das Águas reforçou o compromisso coletivo pela proteção dos rios e nascentes e fortaleceu laços de solidariedade entre comunidades de diferentes regiões do Rio Pardo. O encerramento contou com uma missa na comunidade Taquaruçu, onde foi lida a Carta que apresenta denúncias e reivindicações das comunidades da região.
Leia a carta na íntegra:
“No dia 30 de novembro de 2024, vindos de comunidades rurais e urbanas da região de Ribeirão do Largo, Encruzilhada e Macarani, celebramos a 2ª Missão das Águas. Cerca de 200 pessoas, entre trabalhadoras e trabalhadores do campo e da cidade, agricultores familiares e estudantes enunciaram o tema: “Terra e água: Dons da Vida No Campo e Na Cidade” e caminharam juntos em oração, com cantos de luta e de resistência, unindo forças, trocando experiências de vida e de luta em defesa dos povos que habitam o território da Bacia do Rio Pardo.
A região onde está localizada a comunidade de Cachoeira, no município de Ribeirão do Largo, já foi uma região de grandes e profundos rios, onde as cachoeiras contavam com quedas d’água enormes, que de longe se escutavam. Com a devastação imposta por aqueles que priorizam o lucro acima de tudo, esses níveis de água diminuíram, rios que antes não se poderia atravessar, hoje se atravessa com a água dando nos tornozelos.
Mesmo diante de tanta destruição, ainda é possível contar com muitas bacias de água, sendo elas veias de vida que abastecem o Rio Pardo. As nascentes localizadas nas proximidades das comunidades de Cachoeira I e II, Rio do Meio, Rio Bonito, Taquaruçu, Vila Isabel dentre outras regiões, são responsáveis pelo abastecimentos e cultivo de alimentos de milhares de pessoas e famílias que vivem e sobrevivem da agricultura familiar, além de toda a população de Macarani que é abastecida pelas águas dessa região. Ou seja, essas águas garantem a produção e a reprodução da vida humana no campo e na cidade.
Em nome do lucro, setores do agronegócio vem se apropriando e destruindo nossa Casa Comum através do uso de agrotóxicos, adubos químicos, do desmatamento, queimadas, monocultivos de eucalipto e café e irrigação em pastagens com drones. A população da Bacia do Rio Pardo também vem sofrendo constantemente com a pressão de mineradoras para a realização de pesquisa mineral e para o uso do território para empreendimentos. Existe a ameaça de um projeto de mineroduto que sairá de Minas Gerais em direção ao Porto Sul em Ilhéus, cortando a nossa bacia, mas sem a apresentação da viabilidade do empreendimento, seus impactos ambientais, sociais e econômicos para o povo.
Além da ganância dos empresários, o Rio Pardo e seus afluentes é ameaçado pela má gestão dos municípios sobre as águas. A maioria não possui um sistema de saneamento que trate o esgoto depositado em rios e córregos. Chama atenção também a facilidade das autorizações concedidas para desmatamento e uso de venenos proibidos em várias regiões do mundo, o que além de causar a poluição do rio e de seus afluentes, coloca em risco a saúde de toda a população.
Diante de uma crise ambiental sendo vivida no mundo, cujos efeitos temos vivenciado no nosso país, como nas enchentes que assolaram o estado do Rio Grande do Sul e a seca no Amazonas, é inaceitável que essa lógica de desenvolvimento continue a comprometer a vida e o direito de permanência nos territórios do nosso povo.
É preciso construir um projeto soberano e popular para a gestão de nossas águas, de forma que este bem tão precioso possa beneficiar o conjunto da população e não para satisfazer somente uma parte desta, como os criadores de gado ou os produtores de café. Se hoje uma parte da população de Cachoeira tem uma água em sua torneira, foi graças a ação coletiva da comunidade, buscando preservar as nascentes que banham as proximidades.
Diante de tantas ameaças e desafios para o povo, conclamamos: como as comunidades, movimentos sociais, igrejas, jovens, mulheres que se preocupam com a vida, podem se organizar para defender nossas águas e terras frente à irracionalidade do lucro acima de tudo deste sistema capitalista?
Diante deste contexto, a Articulação Rio Pardo Vivo e Corrente (Bahia/Minas Gerais), soma-se a esta 2ª Missão das Águas das comunidades de Ribeirão do Largo, Macarani e Encruzilhada em 2024 e conclama para a continuidade deste mutirão do povo e que as bênçãos desta Missão possam ser o início de um novo ciclo de solidariedade entre as comunidades e grupos que aqui estão presentes, de forma a abrir o diálogo e a reivindicação junto aos gestores públicos para implantar políticas públicas que garantam a proteção de nossas nascentes, de nossas águas e por um outro modelo de produção de alimentos que seja capaz de minimizar e reverter à acelerada mudança climática em curso.
A esperança que ecoa nesta II Missão das águas aponta para a necessidade de uma verdadeira aliança dos povos, organizações, associações, estudantes, pesquisadores, entidades ambientalistas, religiosas e movimentos sociais comprometidos com um outro modelo de sociedade que respeite os bens da natureza e os povos do campo e da cidade. Em Tempos Sombrios, Tecemos Esperança!
Por um Rio Pardo Vivo e Corrente!
Ribeirão do Largo, 30 de novembro de 2024.”