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CPT BAHIA

Escolha a máscara certa para viver e deixar o outro viver

Nesse momento de incertezas sociais, políticas e econômicas as máscaras são excelente meio de proteção contra uma doença que assola o mundo, a Covid-19. No entanto, outras máscaras, aquelas utilizadas para defender ideias, encobrem a verdadeira face de muitos homens e mulheres que fingem que estão de férias, fingem que se preocupam com os seus e vão passear no interior, visitar familiares, fazer festas e comemorações, levando consigo o risco de morte para si e para as pessoas que encontram em seu caminho.

Não é momento de comemoração. Em tempo de pandemia viral, os riscos e ameaças à saúde humana são muitos. Somos alvos do coronavírus no dia a dia, desde uma ida ao trabalho, ao supermercado até uma simples visita em casa de alguém.

Uma das preocupações nesse momento é com os camponeses e camponesas que moram em comunidades rurais, em diversos casos localizadas há 60, 70 quilômetros de distância da cidade mais próxima, mas que não tem nenhuma estrutura para atender possíveis infectados. Vários municípios não dispõem de leitos, de UTI’s, de ambulância, muito menos de respiradores. Não há transporte regular a não ser um ou outro que tem um carro, assim mesmo precário. Em vários territórios a comunicação foi interrompida visto que o único meio são as emissoras de rádio e nesse momento não estão em funcionamento normal, uma vez que os programas foram reduzidos e, em sua maioria, somente reproduzem música, porque os funcionários se revezam em quarentena. Além disso, não há sinal das redes de celular, nem a antena rural funciona.

As notícias nos dão conta de que um morreu porque veio de outro estado vender seus produtos, uma idosa ficou internada porque recebeu a filha que veio de um grande centro urbano, já um outro chegou de longe, trouxe uns trocados e convidou os amigos para um churrasco e matar a saudade. E assim de visita em visita, de venda em venda, os casos confirmados de coronavírus aumentam no interior do país. O vírus chega de ônibus clandestino, de carro próprio, de caminhão, através de parentes e vendedores ambulantes. Mesmo diante das medidas políticas, decretos municipais, barreiras sanitárias, as pessoas sempre dão um jeito de burlar, justificam o injustificável.

Claro que há o direito do ir e vir, da Liberdade de Locomoção no Brasil, inciso XV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, em que diz: “É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. A ideia aqui não é discutir a lei, mas apontar que independentemente da lei, não é possível mascarar uma realidade fingindo que está tudo bem porque não está. Alguns seres humanos não aceitam sua incapacidade de compreensão. Muitos idosos moram sozinhos em comunidades, os filhos e netos vão para os grandes centros trabalhar e agora que se veem com um tempo livre por conta da pandemia resolvem visitar o parente com a desculpa de que vai cuidar ou vai ajudar.

Por outro lado, há pessoas sendo hostilizadas por retornarem aos seus municípios de origem. Com aumento do desemprego, agravado pelo coronavírus, muita gente migra das grandes cidades por necessidade. Segundo a PNAD Contínua – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, a Bahia ocupa a terceira maior taxa de desemprego no primeiro trimestre de 2020, quase 40%, mais do que a média nacional que é de 12,2%. Não podemos confundir aqueles que vêm esbanjar, festejar e comemorar com as pessoas que buscam abrigo em casa de parentes nos interiores afora por falta de trabalho e renda. O caminho não é guerrear nem contra um nem contra outro, mas orientar, buscar meios para que quem chegar às suas cidades ficar em seus lares com o isolamento social. Nessas horas o bom senso é o melhor remédio.

É perfeitamente possível entender que todos estamos com medo do coronavírus, mas existem outras formas de preveni-lo sem ser viajando para o interior e levando o vírus para as famílias, para os idosos. Se seu idoso já estava há tanto tempo sem você, por que justo agora você vai até ele? Você quer ser um solucionador de problemas ou um causador? Se você viajar vai potencializar a disseminação da COVID-19. Precisamos estabelecer um ambiente onde vamos resolver as coisas juntos, cada um fazendo a sua parte.

Ultrapassar esses limites é ignorar todo o sofrimento da maioria, toda a injustiça. Desconsiderar o posicionamento da Organização Mundial da Saúde – OMS, o que diz a ciência, dizer que é uma “gripezinha” é usar máscaras com valores falsos criados para dar a impressão de que somos aquilo que não somos, valores esses criados por grupos manipuladores contratados para fazer a cabeça e moldar a população. Lembremos que hoje, 29 de maio, mais de 27 mil pessoas morreram no Brasil, já ultrapassamos a Espanha em números de mortes e somos o quinto país do mundo em óbitos por conta da Covid-19, temos mais de 450 mil casos confirmados. A Bahia bate recordes de mortes com 39 óbitos em 24 horas, segundo boletim da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) de 28 de maio.

Embora as máscaras muitas vezes sejam necessárias para a proteção emocional, é preciso enxergar a realidade, ter um olhar realmente empático e saber que não é hora de ir visitar ninguém, não é hora de passear, não estamos em período de férias. Não é necessário desespero nem violência, mas a maior manifestação de humanidade é a solidariedade. Por mais que amamos nossos amigos e parentes, e principalmente porque os amamos, devemos usar a máscara certa e não nos esconder atrás da máscara da morte.

Diante disso, se você está preocupado/a não leve a morte para seus entes queridos. Não vá para as comunidades com a intenção de descansar, não estamos de férias. Somente viaje para cuidar de alguém se realmente for extremamente necessário, ainda assim tome todos os cuidados possíveis. Quanto mais consciência do que permeia ao nosso redor menos máscaras usaremos em nossas vidas. A escolha é de cada um e cada uma. A reflexão é a de que o mundo necessita de absolutas mudanças, é preciso ter o pé no chão, analisar que essas mudanças começam por si próprios, assim, a essência vai aparecer e esse período difícil vai passar com menos danos. Escolha a sua máscara, escolha a máscara certa, consciente. O protagonismo será seu.

Sandra Leny Angelo – Agente da Comissão Pastoral da Terra Regional Bahia

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