Dia 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis e do Rio São Francisco. O santo trouxe para o mundo a percepção da ecologia, de que a casa comum que habitamos é também de outros viventes. De que ecologia é também justiça. O Rio imita o Santo: nasce no rico Sudeste do país e corre para o empobrecido Nordeste, levando vida em suas águas. O Rio é caminho transbordante de paz e bem, a imitar o Santo. É esperança permanentemente em movimento de prosperidade: revitalizar a natureza, integrar o povo e alimentar a existência. O Rio São Francisco é a base de uma teia de relações que garante a vida de muita gente – mais de 18 milhões em sua bacia: povo barranqueiro, beiradeiro, geraizeiro, caatingueiro… É também a salvaguarda de uma infinidade de seres, dependentes de suas águas vivas e generosas. Nutrição essencial de vivos – gente, bicho, peixe, planta… Eixo de uma multisecular história de lutas que acumula experiências ordinárias e extraordinárias de resistência, protagonizadas pelo povo do rio, constituído também de indígenas, quilombolas, brancos migrantes. Comunidades que defendem as condições fundamentais – e sagradas – de sua permanência no mundo: o seu Velho Chico. Rio Vivo é Povo Vivo. Rio Morto é Povo Morto.
Os projetos de captura da natureza ao longo da Bacia, voltados exclusivamente para o lucro incessante, estão corroendo, quando não, destruindo a relação Rio – Povo. Ao longo dos anos, essas investidas vêm acumulando chagas incuráveis e abrindo novas feridas, num processo contínuo de degradação ecológica deste corpo vivo que é a Bacia. O crime da Vale em Brumadinho, que matou o afluente Paraopeba, a Transposição, os agronegócios, à frente o da irrigação, o setor energético, o industrial-minerário etc., querem a todo custo ter total controle das águas e das vidas do nosso sagrado Velho Chico.
Nestes tempos dominados pela necropolítica, surgem novas ameaças que demandam urgente atenção e ação dos povos e defensores do Rio. Se deixarmos que aconteçam, não só comprometerão o nosso sonho de um Rio vivo para o bem de todos, como extinguirão as comunidades diretamente atingidas. Denunciamos três dessas novas ameaças:
1) A Barragem de Formoso, projeto da empresa Quebec/Tracbel Suez, apoiado pelos governos estadual e federal, a se implantar a 12 km a montante de Pirapora-MG, inundaria 32 mil hectares, em seis municípios, afetando centenas de famílias ribeirinhas, pescadoras, vazanteiras. Qual seu real objetivo, se na região já têm a Usina de Três Marias e produção de grande quantidade de energia solar em imensas áreas? Por que esta aceleração das licenças ambientais do empreendimento danoso?
2) A Usina Nuclear a ser implantada em Itacuruba- PE, às margens da Barragem de Itaparica, é um monstro que volta a assombrar o povo da região, que já muito sofreu com o deslocamento compulsório imposto pela barragem. Além da contaminação radiativa e aquecimento das águas do Rio usadas para resfriar os caldeiras, o risco dos desastres nucleares, de consequências incalculáveis.
3) A Instrução Normativa no 67, de 3 de agosto de 2020, da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União e da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados / Ministério da Economia, mais que regularizar, visa entregar os terrenos marginais de rios e lagos federais a empreendimentos privados. É o caso do São Francisco, cujas margens e ilhas são habitadas e cultivadas e protegidas por milhares de famílias. Seria um desastre!
O Velho Chico e seu Povo resistem, mas não aguentam mais! Já estão para além do limite do suportável as agressões – o que é experiência das comunidades ribeirinhas e consenso entre pesquisadores e ambientalistas. Agressões que precisam ser combatidas ainda mais fortemente pelo povo, organizações e entidades civis e poderes públicos sérios e fiéis às suas razões de ser. O Rio clama e nós somos a sua voz, que grita aos quatro cantos contra os que querem matá-lo e aos que temos que salvá-lo. Também para nos salvar!
São Francisco Vivo – Terra e Água, Rio e Povo!
Articulação Popular São Francisco Vivo.
Bacia do Rio São Francisco, 04 de outubro de 2020.