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CPT BAHIA

Impactos nos recursos hídricos do alto Rio de Contas pela mineradora Brazil Iron em Piatã – BA

Em abril deste ano, as atividades da mineradora Brazil Iron foram interditadas pelo INEMA, inclusive, pela supressão e soterramento de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente – APP do Riacho do Lameiro, conhecido localmente também como Córrego do Riachão, bem como pelo avanço da mineração além dos limites permitidos pela autorização de pesquisa adquiridos junto ao Instituto.

O Riacho do Lameiro é afluente do Córrego do Mocó, e este, afluente do Rio de Contas. A área suprimida e soterrada no Lameiro chega a 3 hectares e interfere diretamente no leito deste curso d’água. Em 2019 essa área não havia sido suprimida. Já em 2022, aparece com essa supressão em avanço, inclusive em estrada aberta pela Brazil Iron em cima de sua drenagem (Figura 1), soterrando-a e interferindo em seu curso natural com corte através da estrada.

Figura 1 – Interferências da Brazil Iron no Riacho do Lameiro (Riachão), dificultando o seu curso natural de drenagem

Outro afluente do Rio de Contas que também está sendo impactado pela Brazil Iron há mais de 3 anos e que nunca teve a atenção do INEMA, mesmo diante de várias denúncias e relato dos moradores em vários eventos públicos, é o Rio do Bebedouro. Este capta água de diversas nascentes efêmeras, com infiltração até o lençol freático, aflorando mais abaixo, quando a drenagem passa a ser perene, conhecido popularmente pela comunidade quilombola da Bocaina de “nascente do Bebedouro” (Figura 5). O córrego recebe este nome porque, em épocas de seca, é desse córrego que boa parte dessa comunidade era abastecida. Mas, em 2019, já se observava desmatamento de sua principal nascente, localizada bem acima do afloramento perene. De suas 8 nascentes, 5 tiveram interferência devido à construção de estradas não pavimentadas pela Brazil Iron próximo e em cima destas nascentes, 2 estão preservadas a sudeste do Morro do Garimpinho (fora da área da mineradora), e a principal nascente, está com vegetação suprimida e soterrada com o rejeito da mineração da Brazil Iron (Figura 4), chegando a 22 hectares de área.

Quando chove, todo o rejeito do minério desce pelo leito do Bebedouro, assoreando poços e pequenos barramentos que serviam à comunidade da Bocaina (Figura 6). O Rio do Bebedouro não é mais indicado para consumo, e residências que dependiam dessa água fizeram encanamento para buscarem água em outro local mais distante, em rede que abastece boa parte das residências da Bocaina mas, em períodos de seca, dificilmente a água chega nas residências que eram abastecidas pelo Rio do Bebedouro, devido à sua distância.

Uma família quilombola que pegou empréstimo em um banco para execução de um projeto de psicultura, teve problemas para pagar ao banco porque, após o empréstimo, a lama chegou na lagoa que estava incluída no projeto para a criação de peixes e área de lazer (Figura 7). Não tendo como executar o projeto devido à lama de rejeitos de minério de ferro na lagoa, tiveram que vender animais de corte e leiteiro para pagar ao banco, e abandonaram a agricultura familiar de subsistência da área porque não tinham mais como usar a água do Bebedouro na roça.

Hoje a Brazil Iron informa à comunidade que vai retirar o rejeito do leito do Córrego do Bebedouro, e que fizeram um barramento para que a água da chuva não leve o rejeito novamente para o Bebedouro, o que é outra preocupação, pois não se sabe se a engenharia utilizada no barramento do rejeito é segura, não há plano de evacuação caso essa barragem rompa, o que levaria, de uma só vez, todo o rejeito abaixo, interferindo comunidades ajusantes e o próprio Rio de Contas em seu leito, impedindo o uso da água para consumo por várias comunidades que só dependem dessas águas para a sua subsistência (vide Figura 8).

Figura 2 – Comparativo – 2019 e 2022 (Fonte: Google Earth 2019 e Planet Explorer 2022)
Figura 3 – Pontos relacionados às imagens abaixo
Figura 4 – P1 = Rejeito de minério em cima da nascente do Bebedouro
Figura 5 – P2 = Afloramento perene no Bebedouro (conhecido pelos comunitários como “nascente do Bebedouro”)
Figura 6 – P3 = Pequeno barramento onde era captada água para agricultura familiar de subsistência assoreado totalmente pelo rejeito
Figura 7 – P4 = Local abandonado de antigo projeto de psicultura de família quilombola devido ao rejeito que assoreou e contaminou a lagoa
Figura 8 – Mapa ilustrativo dos afluentes do Rio de Contas localizados nas comunidades da Bocaina e do Mocó, e na área de mineração e de descarte de rejeitos da mineradora Brazil Iron

A degradação de recursos hídricos no Rio do Bebedouro tem uma escala maior que a do Lameiro (Riachão), tanto no aspecto ambiental quanto no social e econômico, devido ao tempo maior de atividade em sua área de preservação permanente – APP e ao despejo de rejeitos de minério de ferro na principal nascente do Bebedouro, sem atuação das autoridades públicas, além do trânsito de veículos leves e pesados em estradas não pavimentadas abertas pela mineradora Brazil Iron em cima de outros demais cursos d’água e nascentes do Bebedouro. Isso ocasionou e ainda ocasiona abandono de roças e de projetos de subsistência, e problemas para o abastecimento humano de residências próximas.

Com a informação dos funcionários da mineradora Brazil Iron sobre o atual barramento de rejeitos de minério de ferro para que os mesmos não sejam carreados para o Bebedouro, a comunidade quilombola da Bocaina e as comunidades ajusante desconhecem a engenharia utilizada e qualquer ação preventiva a possíveis riscos com o barramento, bem como desconhecem qualquer plano de evacuação, se é que há. Qualquer acidente no barramento poderá ser uma tragédia direta na região ajusante, caso não seja feito com a maior segurança, evitando tragédias como as que ocorreram em Mariana (2015) e a de Brumadinho (2019), ambos em Minas Gerais, que gerou mortes e degradação ambiental sem planos e condições de recuperação, afetando toda a população ribeirinha dos cursos alto, médio e baixo, até a sua desembocadura interferindo, inclusive, na vida marinha e na economia regional até os dias de hoje (Figura 9).

Figura 9 – Rio Doce antes e depois da tragédia de Mariana (Fonte:  Jornal Estado de Minas)

 A prática da ilegalidade “a céu aberto” nas nascentes e demais áreas de preservação permanente – APP do Rio do Bebedouro pela mineradora Brazil Iron foi iniciada recentemente no Lameiro (Riachão), ocasionando providências legais atuais pelo INEMA. Não entende-se qual o motivo pelo qual o INEMA também não inseriu o caso do Bebedouro como justificativa para interdição das atividades da mineradora Brazil Iron, visto o grau de degradação ser bem maior que no Lameiro, não diferenciando a importância ambiental de ambos.

O soterramento, a supressão da vegetação nativa nas nascentes do Bebedouro, e o descarte de minério de ferro soterrando sua principal nascente, ambas realizadas pela mineradora Brazil Iron, e a omissão dos órgãos ambientais e de defesa dos direitos de comunidades quilombolas e tradicionais pelos crimes cometidos contra o seu meio natural, do qual a comunidade quilombola da Bocaina depende para sua subsistência e manutenção de sua cultura e ancestralidade, configura-se Racismo Ambiental.

“Hoje, a nascente do Bebedouro pede socorro urgentemente. Quem vos pede é a nascente que límpidas águas sempre jorrou. Por mais valia que tenha o minério, diga-me, filho, seja sincero: Estima em quanto o meu valor?”

Por: Observatório dos Conflitos Socioambientais da Chapada Diamantina – OCA

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