CPT Centro Norte – Diocese de Bonfim
Diversas comunidades, sendo a maioria delas de fundo de pasto, da microrregião de Mirangaba e Pindobaçu realizaram no dia 15 de novembro de 2023, mais uma celebração em ação de graças pelo território de Fundo de Pasto do Cambuí.
Desde o início da pandemia da COVID 19, em 2020, a missa do Cambuí não acontecia, portanto este momento de retomada foi muito aguardado pelos/as participantes e pela equipe organizadora que, através de mutirões e contando com doações, conseguiu melhorar a infra-infraestrutura e realizar o plantio de mudas nativas no campo.
A missa foi presidida pelo padre Carlos Ferreira dos Santos, administrador da paróquia de São João Batista de Mirangaba, que após a tradicional procissão em volta da lagoa, a abençoou. Em sua homilia, o sacerdote ressaltou a importância da tradição oral para a preservação da história do fundo de pasto Cambuí, assim como foi para a escrita da Bíblia. Frisou ainda que não devemos esquecer-nos de quem estende as mãos para nos ajudar e que todo mundo que nasce faz parte do projeto de Deus para que todos/as tenham vida em abundância. Afirmou também a principal missão de Jesus: salvar a nossa vida.
Neste sentido, Antonieta Maria de Jesus, moradora da comunidade de Paranazinho, Mirangaba e integrante da COMTRAFP (Central das Comunidades de Fundo de Pasto de Paranazinho, Riacho, Umbiguda, Mangabeira e Grupo de Vaqueiros de Mirangaba), juntamente com os vaqueiros fizeram a memória de Advanilton Santos de Oliveira (Nilton), vaqueiro da comunidade de Riacho que faleceu recentemente, deixando um legado importante na defesa da existência das comunidades de Fundo e Fecho de Pasto e dos territórios que garantem o sustento de inúmeras famílias. Lembrou-se também os nomes de outras pessoas das comunidades e apoiadores de suas lutas que já não estão mais fisicamente entre nós, porém, jamais serão esquecidas, a exemplo de seu João do Jatobá, Deno, seu Zezinho, seu Vadinho, dona Marivone, pe. Luis Tonetto, pe. Paulo, etc.
Participantes da celebração contaram que o território de Fundo de Pasto do Cambuí foi assim denominado porque tinha muito cambuí em volta da lagoa e a primeira missa dos vaqueiros foi presidida pelo padre Paulo Ehle, que, na década de 1970, iniciou um processo de animação das comunidades de Fundo de Pasto do território da Diocese de Bonfim, no enfrentamento aos processos de grilagens de seus territórios. A missa aconteceu como forma de abençoar e fortalecer a resistência na defesa do campo que na época estava sendo cercado por um fazendeiro da região e passou a ser realizada todos os anos na mesma data.
Para Marcelo Cantor de Deus, morador da comunidade de Umbiguda e membro da COMTRAFP, a luta não parou e as ameaças persistem até hoje:
“A importância do nosso Fundo de Pasto vai além da defesa do meio ambiente, da defesa das águas, do território. É um bem comum que a gente defende pro bem estar de todas as comunidades que todas fazem o uso dessa área para o criatório de gado, para a coleta de frutos e a maioria das famílias tira uma renda desse local, a importância disso para as comunidades, o que nos mantém como Comunidade Tradicional de Fundo de Pasto são essas áreas preservadas. A gente vê nesse tempo de estiagem, cada vez mais quente e a gente sabe que onde tem áreas preservadas são justamente as áreas onde tem comunidades tradicionais e a gente depende delas preservadas para tirar o nosso sustento. Mas não significa que a luta acabou, a gente sabe que já surgiu placas em redor do território pra outros interesses e nós que somos donos, precisamos defender a nossa posse”.
Antone Gabriel, de 12 anos, morador da comunidade de Riacho, falou porque usa chapéu de couro e participa da missa no campo, referindo-se ao território como um ente próximo:
“Ele é nosso amigo, nosso irmão e nosso ajudante, porque ele ajuda nós também”.
Os territórios de fundo de pasto, atualmente, vivem sob as ameaças de grilagens estimuladas pela presença de empresas (eólicas e mineradoras) que desejam ampliar os seus negócios. A missa do Cambuí fortalece a fé e a luta das comunidades como expressa o morador Izael José de Deus:
“É o momento mais importante do Fundo de Pasto nosso, de nossa luta que a gente tanto defende pra que não chegue empresa pra tomar de conta desse direito nosso, adquirido de nossos antepassados. Esse Fundo de Pasto nosso, pra nós é tudo, nosso jeito de viver no território e permanecer pra sempre aqui e quem tiver aqui, tem que continuar nessa luta de defender o nosso território”.
Outros momentos significativos foram de expressão da cultura popular e de cuidado com a Casa Comum, quando vaqueiros e repentistas puxaram seus aboios e realizavam o plantio de mudas, enquanto ocorria também o milagre da partilha da farofa.