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CPT BAHIA

Encontro de Mulheres em Movimento: A Energia da Chapada

O vento da Chapada sopra feminino

Rose Caroline

O vento da Chapada Diamantina soprou forte nos dias 7 e 8 de março. Mas não era só o vento. Eram vozes – mais de 60 delas – soprando histórias, dores, cantos e promessas. A brisa cortante das serras encontrou os corpos reunidos no Encontro de Mulheres em Movimento: A Energia da Chapada, em Piatã e na Comunidade Quilombola da Bocaina. Ali, onde os pés firmam a terra, as mulheres fincaram também suas palavras.

Falaram do tempo. Do tempo que corre na água dos rios desviados, no vento que sopra para mover pás metálicas e encher bolsos que não são os delas. Da terra que se abre para a mineração e se fecha para quem sempre viveu dela. Mas também do tempo das avós, das benzedeiras, das mulheres que aprendiam a ler os sinais do mundo antes mesmo de decifrar letras no papel. A energia que importa não passa por subestações, não entra em leilão, não se converte em números. Ela pulsa nos corpos, nas mãos, nos olhos que se encontram e sabem.

O primeiro acontecimento do dia não foi barulhento. Antes mesmo do fogo aceso no fogão de lenha, antes da água quente para o café, foi o abraço pela manhã. Após o desejo de feliz dia da mulher, as responsáveis pela alimentação, se abraçaram e disseram, entre lágrimas: “Seremos felizes de novo. Nossa comunidade vai ser feliz de novo.”

As palavras flutuaram no ar quente da manhã, pousando no coração de cada uma. Não eram promessas, eram certezas. Como tudo o que resiste.

Entre versos e resistências

Na ciranda, não houve silêncio. Houve palavra como corpo como território, canto como bandeira. Porque a luta também se faz em roda, em partilha, em dança. A gravação do clipe “Salve a Chapada Diamantina”, um projeto idealizado pela artista e compositora Nevolandia com a colaboração de John Belik, Morris, Kayla Barreto e Milena Brandão. Foi mais do que arte. Foi registro de uma guerra antiga e nova, de um enfrentamento que se reinventa em cada geração.

Equipe de produção do clipe “Salve a Chapada Diamantina”

Na Chapada, as comunidades tradicionais vêm sendo encurraladas por projetos de energia “limpa” que, para elas, chegam como mais um ciclo de espoliação. Usinas eólicas e solares avançam sobre territórios ocupados por séculos, ignorando os saberes que mantêm a paisagem viva. A terra é tomada sem consulta, o vento sequestrado sem aviso. O progresso chega com promessas que não se cumprem. A energia gerada não ilumina suas casas, os empregos prometidos não passam de miragem.

As mulheres da Chapada sabem que a energia mais potente não vem dos fios. Vem das mãos que cultivam, dos pés que marcham, dos ventres que gestam o futuro.

“Quando uma ciranda começa, ninguém segura o movimento”

O encontro foi organizado pelo Observatório dos Conflitos Socioambientais da Chapada Diamantina, com o apoio do Fundo Casa Socioambiental, da Comissão Pastoral da Terra e da Universidade do Estado da Bahia. Mas não se trata de um evento isolado. É mais um capítulo de uma luta que atravessa os séculos – a resistência das mulheres negras, indígenas, quilombolas, camponesas, que sustentam o mundo enquanto o mundo insiste em invisibilizá-las.

A energia feminina não se mede em megawatts, mas na força ancestral que atravessa corpos, terra e tempo.  Nos dois dias de encontro, os corpos se moveram em ciranda. Na Chapada, quando uma ciranda começa, ninguém segura o movimento. E o vento que sopra leva longe o que aqui foi semeado. Porque aqui, cada mulher é vento, água, fogo, terra. Cada mulher é reexistência.

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