Por Ruben Siqueira*, em A Tarde
A energia eólica vem se impondo sob a reputação quase unânime de ser renovável e limpa. Ventos inesgotáveis e sem emissão de CO2 bastariam como argumentos. Ignoram-se os impactos socioambientais, da produção dos equipamentos à instalação dos parques eólicos, sobretudo do modo como fazem aqui. Reforça um modelo desenvolvimentista – reduzido a crescimento econômico – impositivo, desregulamentado, bancado pelo Estado, voltado à exportação, com graves impactos e ilusão, omissão ou conivência da sociedade. Só não é descaradamente autoritário, como o dos militares, há 50 anos.
Precisamos de energia. Mas quase ninguém se pergunta se precisamos mesmo de toda esta energia, para que, para quem, quem lucra de fato, quem paga os custos. Se não é para produzir bens de consumo excessivos e obsolescentes, ao revés da crise ecológica. Se não compromete o futuro. E se ao final das contas todas vale a pena.
Como sempre, são os mais pobres a “pagar o pato”. No caso, as comunidades camponesas onde estão sendo instalados os gigantescos parques eólicos. Volta a grilagem de terra, surgem de todo lado “donos” das áreas escolhidas. Os contratos de arrendamento são sigilosos, abusivos, gritantemente favoráveis às empresas, os camponeses mal sabem o que assinaram. Preveem multas de até R$ 20 milhões e prazos de até 50 anos, com renovação automática. São pagos entre R$ 5 mil e 7,5 mil/torre/ano, o valor da energia gerada em poucas horas. Muitas destas comunidades são “fundos de pasto”, forma tradicional de uso comum das caatingas, protegida por lei estadual. As torres espantam não só aves, mas também bodes e abelhas, prejudicando suas atividades produtivas das mais rentáveis e adaptadas. Os sertanejos, obstáculos a contornar, não são nem “sócios” menores do lucrativo empreendimento em suas terras. Nem garantia de ter em casa uma energia a ser exportada.
A depredação das Caatingas e dos Cerrados não é pequena. Ainda que parte se regenere, as muitas estradas de acesso retalharam roças e matas e interromperam veredas e riachos. Uma torre demanda até 60 toneladas de ferragens, 450 m3 de concreto, 40 viagens de caminhões e betoneiras e 150 mil litros de água (20 carros-pipa) – custo ambiental menosprezado. Ignora-se a alteração da paisagem, parte da encantadora e turística Chapada Diamantina. Para favorecer eólicas e mineradoras o Parque Nacional Boqueirão da Onça, no norte do estado, que visava preservar a cada vez mais ameaçada Caatinga, virou mosaico de retalhos. O Parque Estadual do Morro do Chapéu foi alterado por pressão das eólicas.
A Renova Energia recebe do Estado sem produzir, por força de contrato, R$ 15 milhões por mês, desde que inaugurou seu parque na região de Caetité, em julho de 2012, porque ainda não há linhas de transmissão.
É assim que progride o Brasil. Não cola mais o discurso de “emprego e renda”. Mais um potencial desperdiçado e uma oportunidade perdida para “um Brasil de todos”, real e sustentável, hoje e amanhã. Não precisava ser assim!
*Ruben Siqueira é Sociólogo, da Comissão Pastoral da Terra / Bahia.