O Diário Oficial da União publicou, nesta quarta-feira, 18, a Portaria 623, que declara como terras da comunidade remanescente do Quilombo Rio dos Macacos, em Simões Filho (Grande Salvador), uma área de 301 hectares, dos quais somente 104 hectares foram destinados para titulação de posse.
Embora considerem a declaração uma grande vitória, moradores da comunidade pleiteiam a integração do rio ao território demarcado, a construção de duas vias alternativas para não terem que passar pela Vila Naval, no subúrbio, além da anulação do processo de despejo impetrado pela Marinha do Brasil.
Por nota, a Marinha, via Comando do 2º Distrito Naval, informou que a área destinada à comunidade será de 104 dos 301 hectares demarcados. Os outros 196 hectares permanecerão sob administração da Marinha, por serem de “interesse estratégico à defesa nacional”.
Quanto ao pleito dos quilombolas, que querem a construção de um novo acesso, a Marinha informou que será necessária a implantação de uma nova via de ligação à área destinada à comunidade, já que houve a delimitação definitiva.
A respeito de alegadas abordagens violentas aos moradores por parte dos militares, a Marinha diz repudiar e investigar tais atos por meio de inquéritos policiais militares. Ainda, reitera atuar com o Governo Federal para encontrar uma solução célere, pacífica e socialmente justa para a questão.
Regularização
O artigo 2º da portaria determina o “prosseguimento dos autos administrativos para fins de regularização fundiária de duas glebas descontínuas que totalizam 104,8787 ha (cento e quatro hectares, oitenta e sete ares e oitenta e sete centiares)”.
As terras são descontínuas porque o quilombo foi dividido em dois territórios, com base no Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), elaborado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgãos federais, Fundação Palmares e governo do estado.
Com a demarcação das terras, uma parte das 67 famílias que residem no local está em uma área de 86 hectares ao norte da barragem da Base Naval de Aratu e outra está assentada em seis hectares ao sul da vila. Um terreno com 12 hectares de extensão cedido pelo governo do estado, ao lado do terreno da Marinha, completa o território.
Por meio de nota, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) informou que a publicação no Diário Oficial é parte do cumprimento de mais uma das etapas para a regularização fundiária do território.
Sem informar prazo, o instituto alega que a área de 104 hectares será destinada à futura emissão de título coletivo em nome da comunidade.
Vitória
Foi com surpresa que a pescadora Rosimeire Silva, 37, recebeu a notícia sobre o sucesso da demarcação, antes mesmo de saber sobre a publicação no Diário Oficial. Agora, com a posse das terras, a quilombola vislumbra um futuro melhor para as 67 famílias da comunidade afrodescendente.
“Se a área oficial for desse tamanho mesmo, é uma grande vitória para a gente”, emocionou-se, incrédula, ao ser informada por telefone, por volta das 8h30. “Principalmente para os mais velhos, dentre os quais muitos morreram na luta pela terra”, acrescentou.
Desde 1970, quando a Marinha construiu a barragem para manutenção da Base Naval de Aratu, conta Rosimeire, a comunidade parou no tempo. A maior parte das casas é de barro com telhas de amianto, não há água encanada, energia elétrica ou esgotamento sanitário.
Semialfabetizada (apenas escreve o próprio nome), a mulher espera que o destino dela não se repita com os semelhantes, tanto no acesso à educação quanto à saúde. “A gente vive até hoje como escravo, sem direito de ir e vir. Toda vez que saímos, temos conflitos para entrar”, desabafou.
A liberdade dos quilombolas depende da construção de vias independentes da Vila Naval, para que possam ter acesso ao mundo exterior. “Foi uma promessa feita pelo governo federal, em 2013. Já estamos quase no fim de 2015 e ainda esperamos”, concluiu.
Conflitos com a Marinha tiveram início em 1970
Segundo o Incra, os conflitos começaram em 1970. A Marinha adquiriu terras com a desapropriação das fazendas Aratu e Meireles e com a doação da fazenda Macacos, pela prefeitura de Salvador, e deu início à construção de uma Base Naval no local.
Vivem no local 67 famílias descendentes de escravos, que permaneceram lá após a desativação de fazendas produtoras de cana-de-açúcar, há mais de 100 anos.
Em 2009, a Advocacia Geral da União (AGU) pediu a desocupação do local para atender às necessidades futuras da Marinha e, em 2012, a Defensoria Pública da União na Bahia (DPU-BA) pediu suspensão do processo.
No mesmo ano, os quilombolas, em parceria com organizações de defesa dos direitos humanos, produziram relatório com violações provocadas pela Marinha e enviaram à ONU.
No documento, eles afirmam que 50 famílias foram expulsas para construção da Vila Naval; práticas religiosas de matriz africana foram proibidas; e a mobilidade foi prejudicada. A Marinha nega as acusações.
Por Franco Adailton
Matéria do A Tarde, publicada em 18/11/2015