A ação humana através de projetos de produção de energia, irrigação, transposição e mineração determinou a transformação do São Francisco em um rio artificializado. Na passagem dos 515 anos de “achamento” do Velho Chico pelos portugueses, a força dos ribeirinhos que lutam pela revitalização é o que há para ser celebrado.
Intocado até os anos 1940, o São Francisco em pouco mais de 70 anos foi transformado em um rio condenado. Só a geração de energia através das hidroelétricas compromete 70% da vazão. A cultura da seca que incute no imaginário popular que é preciso intervir no ritmo da natureza e eliminar os períodos de estiagem se associa a projetos como o da transposição que está em andamento, agravou a degradação do rio e mesmo após 10 anos do início das obras, não há certeza que um dia chegará a funcionar, afinal vai levar que água, se neste período o rio só ficou mais seco.
Para agravar ainda mais o quadro, há a fruticultura irrigada que visando o comércio internacional, retira a água do leito do rio para reduzir o tempo de cultivo e agilizar a comercialização. A mineração também é mais um dos usuário das águas do São Francisco. Para a atividade funcionar a água é um bem essencial, mas após o uso, as empresas abandonam verdadeiras feridas no solo e rios poluídos. Ainda colaboram para o quadro de agravamento, os inúmeros problemas de saneamento ao longo dos mais de 3 mil quilômetros do rio.
Os grandes projetos foram tão agressivos com o São Francisco que não levaram em cota nem a continuidade dos empreendimentos. Hoje, já há empresas preocupadas com a manutenção das atividades porque estão às margens de um rio cada vez mais assoreado, com a navegabilidade comprometida, vegetação ciliar devastada, água poluída e escassa. Na foz, a água doce, que no Brasil colônia reabastecia os navegantes vindos da Europa em direção a Salvador e Rio de Janeiro, está cada dia mais salgada pois o rio já não tem mais força para vencer o mar. É um absurdo o Velho Chico continuar a ser visto como fonte de recurso para o capital. É uma lógica suicida. Isso era para ter cessado, mas não há força social e política para confrontar.
Para a Comissão Pastoral da Terra e a Articulação São Francisco Vivo a Bacia Hidrográfica do São Francisco não é só um corpo d’água. É todo um complexo de vida no meio do qual está o ser humano e sua história. O ribeirinho é um amigo do rio, um consorciado da sua preservação. São milhões de pessoas que dependem da água, fauna e flora para viver e por isso sabem cuidar. O Velho Chico é como um pai, uma mãe para eles.
Uma possível revitalização só se faz em diálogo permanente com estas comunidades. O capitalista da irrigação, dos grandes projetos e empreendimentos não faz parte disso. Ele está ali só para gerar uma mercadoria de troca e fonte de enriquecimento, dissociada da vida local de pescadores, vazanteiros, quilombolas, catingueiros, geraizeiros de fundo de fecho de pasto etc. São comunidades tradicionais que tem esta relação umbilical com o rio São Francisco e é que também defendem dele. Esse é o embate permanente que vivemos.