É interessante perceber, dar ouvidos, a outros tipos de sociedade. O Xerente Romário – não me falou seu nome indígena -, um jovem índio que estava no encontro de formação da Rede Eclesial Panamazônica (REPAM), em Miracema, me dizia:
“A gente não tem espírito de acumulação. O Tocantins dava peixe prá gente. Não ia pescar, ia buscar os peixes. Agora está diferente. Nosso território não garante nossa alimentação. Temos que comprar em supermercado”.
Numa longa conversa fomos conferindo as diferenças civilizacionais entre nós brancos e os Xerente.
A sociedade deles não tem Estado. Portanto, não tem os poderes judiciário, legislativo e executivo.
Não tem propriedade privada. A terra, a água e os bens da natureza são de todos. Como não há propriedade privada, não há classes sociais, patrões e empregados, proprietários dos meios de produção e trabalhadores, muito menos desempregados.
A sociedade deles não tem bandidos. Portanto, não tem polícia. Portanto, não tem população carcerária e presídios.
Como não tem Estado, não tem arrecadação de impostos.
Eles não têm cidades. Moram em pequenas aldeias espalhadas pelos territórios, integradas à natureza. Ainda mais: “é uma estratégia para defender nosso território”.
Poderíamos ir longe nessa comparação. Marx simplesmente chamava essas sociedades de pré-capitalistas. Os capitalistas as chamam de atrasadas e entraves para o desenvolvimento.
Na verdade, elas continuam aí bem em baixo de nosso nariz e rejeitam nosso modo “branco” de viver. Estudos recentes indicam que esses “atrasados e pré-capitalistas” nos garantiram em seus territórios o pouco que nos resta de florestas, portanto água, portanto regulação do clima, portanto de biodiversidade.
Não acho que um dia a humanidade toda viverá novamente como os Xerente. Há o mundo das tecnologias, da ciência e dos poderes. Como dizia Hanna Arendt em sua obra A Condição Humana, “a humanidade não ficará confinada na Terra”. Não vai demorar muito para começarmos a colonização de outros planetas e luas do sistema solar.
Mas, em tempos de Michel Temer, com sua PEC 241, é fantástico ver outras sociedades, em tudo diferentes de nós e muito mais humanas que a nossa.
Roberto Malvezzi (Gogó)