BRASÍLIA – Mulheres do campo, cidade e floresta do Brasil e militantes da América Latina e de outros países que estão participando Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) reservaram a abertura da Assembleia Mulheres e Águas, realizada na noite da última terça-feira (20) no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade, para se somarem às vozes que ecoaram em dezenas de cidades do país durante os atos realizados para marcar os sete dias da execução da ex-vereadora Marielle Franco (PSOL), no Rio de Janeiro.
Símbolo contemporâneo de esperança para mulheres que lutam por seus direitos, principalmente as moradoras de favelas e as mulheres negras, Marielle teve sua foto estampada em um estandarte erguido ao lado das imagens de outras referências da luta da feminista, como Berta Cáceres, Roseli Nunes, Nilce de Souza, Margarida Alves e Francisca Iones – todas assassinadas por denunciarem violações contra suas vidas e de suas comunidades. As mulheres se colocaram em círculo, entoaram músicas significativas para suas trajetórias e realizaram um jogral.
Após a homenagem, a assembleia foi aberta como um espaço para as mulheres refletirem sobre os impactos da violação do direito à água sobre suas vidas e trocarem experiências sobre estratégias de resistência. Representantes de comunidades localizadas no Cerrado aproveitaram o espaço para denunciar as violências que têm sofrido.
Vera Lúcia, do Norte de Minas Gerais, relatou casos graves de adoecimento em sua região devido à má qualidade da água. “Quando falamos de morte por causa da água, pensamos em localidades distantes e em conflitos com armas de fogo, por exemplo. Mas na minha comunidade, as pessoas estão realmente morrendo, só que de outra forma. Uma jovem senhora teve que tirar o rim. Nossa água não é boa o suficiente para o consumo. Quem tem dinheiro para comprar água limpa compra. Quem não tem, interna-se sete ou oito vezes por ano no hospital por problemas de contaminação. Isso sem falar em verminose, hepatite e problemas de pele por causa da má qualidade da água”. Ela denuncia ainda a negligência por parte dos médicos. “O combate a violência tem que ser pensado para além das agressões nos lares, as agressões do machismo, até mesmo a falta de solidariedade das mulheres uma com as outras”, reforça.
De Correntina, oeste da Bahia, Isidora dos Santos Gonçalves iniciou sua fala se apresentando e exigindo ser chamada pelo nome e sobrenome. Para ela, isso é importante porque se as pessoas não a conhecerem pelo nome completo, “o racismo vai chamar do que quiser”. Isidora aproveitou o momento para declamar um poema que escreveu há cerca de 10 anos, cujo título é “Suplicas da natureza”:
“Não estou suportando tanta dor, tanta aflição
Estão acabando com minhas nascentes e queimando meu coração
Acorde, eu não vivo só para mim
Vivo para esse povo que não me quer mais por aqui
Sou o futuro do mundo e nenhum tipo de agressão
Tenho que ser cuidada para a preservação dessa nação
Use-me, mas não abuse de mim.”
O conflito de Correntina, que no fim do ano passado se tornou internacionalmente conhecido, foi lembrado pela desigualdade do acesso à água. Com tecnologias de irrigação instaladas com incentivo das autoridades, empresas do agronegócio consomem, em um dia, a mesma quantidade de água que a comunidade toda consome em um mês. O conflito eclodiu após as moradoras e os moradores se virem com problemas de abastecimento, tendo seus modos de vida profundamente impactados, o que antes da chegada da empresa, não acontecia.
No fim da assembleia, Mazé, da Marcha das Margaridas, leu o veredicto do Tribunal Popular das Mulheres, realizado no fim de semana, quando o FAMA aconteceu no campus da Universidade Federal de Brasília (UnB). Na ocasião, foram denunciados casos graves de violações a mulheres de todo o Brasil no acesso à água. Integrantes da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, as quebradeiras de coco babaçu do Maranhão e do Piauí foram lembradas pelas violações que sofrem por parte de fazendeiros que as impedem de acessar os açudes, fundamentais para as plantações e o abastecimento de suas casas, e os babaçuais, de onde retiram o coco, cujo extrativismo é o seu modo tradicional de vida.
É importante dizer que ao impedirem esse acesso, os proprietários de terra estão desrespeitando leis, municipal e estadual, que garantem às quebradeiras o direito de entrarem nas fazendas para irem aos babaçuais.
Pelo veredicto do tribunal, a iniciativa privada e o Estado foram condenados por violarem e negarem direitos básicos às populações e comunidades tradicionais, e as penas incluíam reparações históricas.
Por Juliana Camara e Rosilene Miliotti