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CPT BAHIA

Seminário Estadual do CEBI reúne lideranças do estado da Bahia.

Lideranças de diversas regiões da Bahia se reuniram no Seminário Estadual do Centro de Estudos Bíblicos – CEBI, na última sexta-feira (20), em Feira de Santana (BA). O encontro teve como temas de discussão a Fé e política e a dívida externa brasileira, e seguiu até o domingo (22).

A seguir, acompanhe a reflexão sobre os temas feita por um dos participantes do evento, Tiago Aragão, da Comissão Pastoral da Terra – CPT Bahia, núcleo de Ruy Barbosa.

A crise das instituições, política e religiosa

Estamos vivendo uma grande e importante crise de culturas e de civilizações, fato histórico que exige radical mudança de paradigmas analíticos, antropológicos e religiosos. A política vista e compreendida como espaço de tomada de decisões, pessoal e coletivo tem como base a racionalidade, particularmente a cartesiana e a científica. Não se admitiu nos últimos dois séculos e meio a compaixão e as expressões estéticas ou musicais, como também constitutivas do “éthos” livre e solidário que produz uma sociedade fraterna. Afirmou-se o “Lógos” negando-se o corpo. Propôs-se a política do Estado e negou-se a política do sujeito concreto. Criou e aprofundou-se a dicotomia antropológica e o fosso entre as classes e os países no mundo e no submundo. Em certos países a ideologia dominante negou a pessoa em favor da mercadoria.

A palavra política perdeu a beleza e ficou nua (assim como o rei e os políticos). Chegamos ao desencanto e à vergonha. Negando-se o corpo e o sujeito político, negou-se a pessoa em nome do liberalismo econômico. Liberdade política tornou-se privilégio de poucos e negação de muitos.

A Bíblia é o registro da história política do Povo de Deus. No Antigo Testamento, os profetas já denunciavam as questões políticas que afetavam e oprimiam o Povo de Deus; Isaías (10,1-2) já dizia: “… ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres”.

Moisés é chamado a questionar o poder do Governo do Faraó e libertar o povo oprimido da escravidão do Egito e (como um deputado constituinte) eleito por Deus foi o redator da Lei dos dez mandamentos para a humanidade. No Novo Testamento, o próprio Filho de Deus vem testemunhar, com a própria vida, que é preciso lutar pelas questões sociais que afetam a vida do povo. Combateu as injustiças, defendeu os mais pobres, bateu com chicote nos corruptos e perdoou à prostituta. “Riqueza e penúria são apenas as duas faces de uma mesma moeda; os grilhões da necessidade não precisam ser de ferro, podem ser feitos de seda.” (Hannah Arendt. Da revolução. São Paulo: Ática/UnB, 1988, p. 111.)

A política capitalista foi questionada pelo modelo socialista, do Leste Europeu, Cuba e de alguns países africanos e por culturas milenares, africanas e asiáticas, particularmente de corte islâmico e budista. Entretanto, a crise do modelo socialista gerou novo impasse. A hora é de transfiguração pela mesma política. O novo nome da política deve ser liberdade e libertação. Assim o proclamou solenemente a Teologia na América Latina.

A libertação assume caráter essencial da própria pessoa humana e esta mesma libertação constitui-se como ato soberano do sujeito popular. É verdade que esta liberdade cristalizada no neoliberalismo escravizou centenas de culturas e classes subalternas diante da hegemonia global do Mercado Total, este sim, livre e absoluto. Verificamos também que mulheres, crianças e negros ainda não sabem no cotidiano da vida o que este vocábulo significa em termos de dignidade e respeito de sua cidadania. Torna-se, portanto, lapidar, a fala do Papa João XXIII, que afirmava que as bases inseparáveis de uma nova civilização, são quatro: justiça, liberdade, paz e solidariedade. As quatro somadas e não isoladas, poderão garantir uma verdadeira democracia.

Necessitamos de outra base para a política, e cremos ser fundada numa ética dos pobres e na rejeição do fatalismo e da discriminação. A vida continua sendo nosso grande paradigma, e podemos nos lembrar do grande Hipócrates: “Que o teu alimento seja o teu remédio, e, que o teu remédio seja o teu alimento”. Mas, lembram-nos as boas nutricionistas que há uma segunda chave para defender e servir à vida: “A qualidade é dada pela variedade”. Assim não é demais relembrar que a questão da variedade (não dispersão, nem confusão, nem centralismo) é essencial para a saúde de nossa prática da liberdade.

Nossos alimentos estarão de fato nos fortalecendo em nosso serviço? Assumimos os quatro pilares da vida democrática (liberdade, solidariedade, paz e justiça social) em nossos projetos e práticas cotidianas? Somos prisioneiros das estruturas? Caminhamos para o centralismo, em nome da liberdade? Esta era importante pergunta do Professor Souza Martins ao Frei Betto sobre a criatividade e a imaginação.

Somos desafiados por nossa própria prática a nos repensar, a viver sempre em movimento, e a melhor compreender nosso papel na humanização do humano situado neste contexto desumano. Qualquer recente visita a um hospital público, ou mesmo a uma escola, nos deixa imediatamente impactados. Dramaticamente impactados.

Vários movimentos e instituições no Brasil assumem o abraço fecundo da fé e da política. A palavra sobre a fé política, neste século XXI, não virá de soberanos e superiores argumentos de autoridade, mas da profunda experiência do próprio serviço em favor da vida. Deste diálogo fecundo entre a fé e a política.

Esta difícil aventura da busca da justiça e da verdade indicará alguns princípios concretos para a ação de nossos irmãos e sujeitos de transformação. Podemos recriar, enfim, gente nova, um Brasil fundado e vivido na ética e na verdade, e cada dia gerarmos vida nova, plena de direitos, e germinalmente cidadã, como nos dizia os antigos.

O movimento social dos cristãos comprometidos nas CEBs e nas pastorais sociais, felizmente, bebe de outras fontes. Ele se alimenta da força do pequeno que acredita “que o mundo será melhor quando o menor que padece acreditar no menor” e das pessoas de boa vontade dispostas a salvar a vida de quem a tem por um fio. Somos daqueles que acreditam que os pobres nos julgarão.

“A existência de milhões de empobrecidos é a negação radical da ordem democrática. A situação em que vivem os pobres é critério para medir a bondade, a justiça e a moralidade, enfim, a efetivação da ordem democrática. Os pobres são os juízes da vida democrática de um país” (CNBB, Exigências Éticas da Ordem Democrática, Paulinas, São Paulo, nº 72).

Assim, a cada dia novos desafios estão nos sendo lançados. Recentemente com o crescimento da miséria e o aumento de Igrejas pentecostais da vertente da prosperidade individual houve uma revalorização de questões esquecidas e hipervalorizarão de certos temas. Precisamos com urgência conversar e trabalhar a questão do corpo e das práticas e discursos destas Igrejas e, confrontar com nossas próprias respostas.

A palavra de esperança culmina em festa e na ceia do Cristo, onde o próprio povo oferece como alimento sua vida e seus sonhos, e nesta sua louvação afirma a própria vida e sua luta de resistência. E descobre o sentido da vida na ressurreição de Jesus de Nazaré.

Cremos na festa da vida e do viver, fazendo com mãos, mentes e corações que o humano mergulhe na alegria infinita. Verdadeira explosão de potencialidades. Este mergulho na festa dos pobres é vivido nas Igrejas inseridas nas classes populares, ao defenderem a vida e experimentarem os segredos e mistérios desta fé mística. E é vivido também por todo aquele que sabe partilhar e amar. Pois quem ama, conhece o sabor da festa e da alegria.

Creio que nenhum companheiro ou companheira pode abdicar desta necessidade imperiosa de celebrar com os pobres suas festas e suas alegrias, do jeito do povo e com suas melodias. Entrando pela porta da cozinha, brindando aos companheiros e até para os santos! Crendo em horizontes escatológicos. “A dinâmica da existência histórica é de essência escatológica. Mas, se é assim, é porque pertence à essência do ser humano determinar-se teleologicamente” (Jean Ladriere, Vie sociale et destinée, J. Duculot, Gembloux, 1973, p. 135).

À guisa de conclusão, diremos que sem esta viva e necessária compaixão, inspirada na comunhão, os pobres retornariam à submissão. Mas a compaixão, sem esta pratica libertadora, tornaria o militante cristão uma pessoa estéril e burocratizada, como algumas associações e grupos já cooptados, e, completamente dependentes do poder ou do dinheiro de projetos estatais ou de agências do exterior.

Na defesa da vida dos pobres, busca superar rivalidades secundárias diante de outros atores históricos, forjando redes e, vibrando interiormente com a causa dos pequenos, especialmente das mulheres, dos negros, dos índios e das crianças. Redes de movimentos sociais articuladas organicamente. Assim cumpriremos a profecia de MEDELLÍN: “A justiça e, por conseguinte, a paz conquista-se por uma ação dinâmica de conscientização e organização dos setores populares, capaz de urgir os poderes públicos, muitas vezes impotentes em seus projetos sociais, sem o apoio popular” (CELAM, Conclusões de Medellín: A Igreja na atual transformação da América Latina à luz do Concílio, capítulo 2, n. 18, Vozes, Petrópolis, 1985, p. 62).

E ficaremos surpresos diante do ser humano: “Que quimera, portanto, é o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que sujeito de contradição, que prodígio! Juiz diante de todas as coisas, imbecil verme da terra; depositário do verdadeiro, cloaca de incertezas e de erros; glória e refugo do universo” (Blaise Pascal, Pensées, GF-Flamarion, Paris, 1976, p. 173).

Se o mistério do humano, sempre presente em nossa reflexão, exige uma atitude de escuta e de silêncio contemplativo, esta atitude deverá também nos permitir viver a dinâmica entre clareza e penumbra. Assim canta o poeta catalão: “O amor é como um mar alvoroçado de ventos e ondas, sem porto nem margem. Morre o amigo no mar; e no perigo morrem também seus tormentos e nasce sua realização” (Raimundo Lulio, Livro do Amigo e do Amado, Loyola, São Paulo, 1989, p. 103).

A modéstia será nossa mais importante qualidade. Necessitamos, no Brasil de agora, como nunca, de abundante vida, de contagiante beleza e emocionante compaixão. Esta sede de infinito vivida pelas pessoas que têm fé no humano é nosso tesouro.

Dívida externa brasileira

A Dívida Externa Brasileira, atualmente, é a segunda maior entre os países subdesenvolvidos. Ela divide-se em dívida pública e dívida privada. No final do ano de 2012, a dívida externa brasileira alcançou o valor de 312,8 bilhões de dólares, um crescimento de 6,24% em relação ao ano anterior.

A sua origem vem da Independência do Brasil, mas foi durante a ditadura, entre as décadas de 1960 e 1980, que a dívida deu o seu maior salto. Antes do Golpe de 1964, a dívida externa no Brasil era de 12 bilhões de dólares e, ao final da ditadura, ela já atingia a casa dos 100 bilhões. A dívida se estabilizou somente depois dos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva.

Durante o ano de 2008, muito se falou sobre o fim da dívida externa. Entretanto, ela continua existindo. O que houve, na verdade, foi uma má interpretação da seguinte frase: “o Brasil deixou de ser um país devedor para ser tornar um país credor”. Isso quer dizer apenas que as reservas internacionais, pela primeira vez, tornaram-se maiores que a dívida externa brasileira.

O Brasil saltou da sexta para a terceira posição na lista dos países com o maior volume de dívida externa, apontou relatório divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O país ficou atrás apenas da Espanha, segundo mais endividado, e dos Estados Unidos, que lidera o ranking. De acordo com os dados do FMI, a dívida externa brasileira total atingiu 750 bilhões de dólares (o equivalente a 1,8 trilhão de reais), ou 33,4% do Produto Interno Bruto (1,01% do PIB global).

Nossa dívida externa começou logo após o processo de independência (1822). Para reconhecer a Independência do Brasil, Portugal exigiu o pagamento de 3 milhões de libras esterlinas. Como o Brasil não possuía tantos recursos, fez um empréstimo à Inglaterra e efetuou o pagamento em 1824. Tinha início nossa dívida externa. A dívida externa brasileira é de US$ 315,267 bilhões (pública e privada) – dados relativos a agosto de 2017 (fonte: Banco Central do Brasil).

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