Intercâmbio marca a celebração da Aliança da Fraternidade com a Diocese de Bom Jesus da Lapa este ano, mas a parceria entre o grupo da Paróquia Anjo da Guarda e a CPT completou 22 anos em 2018.
“Você não está só” (Du bist nicht allein) foi a mensagem de comemoração do Jubileu de 800 anos da Diocese de Graz, na Áustria, realizada em junho deste ano, e também foi o símbolo escolhido para celebrar o intercâmbio à Diocese de Bom Jesus da Lapa. O grupo composto por 20 pessoas das Paróquias Anjo da Guarda e Cristo Rei, permaneceu na região entre os dias 03 a 07 de agosto, e visitaram duas comunidades tradicionais que são acompanhadas pelo trabalho da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Bahia.
Em junho deste ano, a experiência da Fraternidade entre o grupo da Paróquia Anjo da Guarda e a CPT de Bom Jesus da Lapa completou 22 anos. E uma das ações da Fraternidade é o intercâmbio de pessoas que oportuniza o aprendizado mútuo a partir da vivencia concreta com as realidades, como assim nos relatou Ausgut Glanzer, líder do grupo: “Quando a gente ouve ou ler sobre uma determinada realidade aquilo entra na nossa cabeça, mas quando a gente vive diretamente a experiência com o povo, aquilo entra em nossos corações”.
A partir desta experiência a Diocese de Graz propôs a Diocese de Bom Jesus da Lapa a ampliação deste laço e foi pactuado o inicio da Fraternidade entre as duas dioceses com duração de cinco anos, que irá envolver outras pastorais e setores da igreja com o princípio fundamental do intercâmbio de conhecimentos, de experiências e de construção de expectativas conjuntas.
A celebração da Aliança desta Fraternidade se deu em dois momentos, no mês de junho em Graz, que contou com a presença de Dom João Cardoso, bispo de Bom Jesus da Lapa, e de Abeltânia Santos, agente da CPT Bahia da região; e no mês de agosto em Bom Jesus da Lapa por ocasião das Festividades do Bom Jesus.
Grilagem do território de Capão do Modesto e ameaças retratam a realidade das comunidades tradicionais de fechos de pasto em Correntina
O primeiro dia de visita aconteceu na Comunidade de Fecho de Pasto do Capão do Modesto, no sábado, dia 04, que recebeu o grupo em clima de festa e com diversas representações das comunidades vizinhas que passam pela mesma situação de conflito. Na ocasião, os visitantes tiveram a oportunidade de conhecer como vivem as comunidades tradicionais Geraiseiras que vivem secularmente em seus territórios e estão ameaçadas em seu modo de vida pela presença das grandes fazendas do agronegócio da região.
Os/as moradores/as da localidade organizaram uma programação a partir da acolhida por parte de uma comissão nas margens do rio das Éguas, que delimita o inicio do território do Fecho e é sinônimo de um rio que ainda vive, mas que causa aflição sobre o futuro dele. A segunda parada foi no leito seco da nascente do riacho do Capão do Modesto, neste espaço a população relatou que o monocultivo do eucalipto na década de 1980 foi a causa para a nascente secar. Depois disso, todos/as seguiram em procissão conduzido pelo estandarte do Santo Antônio, santo de devoção da comunidade, com cantos e ladainhas entoadas por um grupo de rezadeiras.
Já no salão da residência do senhor Antônio dos Santos, aproximadamente 100 pessoas, partilharam a realidade dos conflitos pela grilagem de território, os modos de vida e a convivência com o cerrado, o sentimento de angustia, medo e a indignação diante da situação de ameaças sofridas pelas famílias. No depoimento de Dona Geni dos Santos, de 66 anos, reflete isso: “De uns certos anos pra cá, nós estamos privados dentro desta bolinha aqui ó, nós não temos o direito de ir lá catar um coquim, nós não temos o direito de tirar um pra trançar um chapéu, nós não temos o direito de catar o buriti e nem o pequi aí nestes gerais. Estamos aqui privados botando as mãos e entregando ao nosso senhor Jesus Cristo, que ele sabe o que faz por nós. Essa luta nós continuamos até chegar a vitória e eu espero que os filhos de Deus que está aqui presente, dê força pra nós”, desabafou.
No Quilombo Lagoa das Piranhas os agrotóxicos envenenam a única lagoa que é fonte de sustentação das famílias
Já no domingo, dia 05, a visita foi no Quilombo Lagoa das Piranhas, que acolheu o grupo na escola quilombola Josina Maria da Conceição, que leva o nome de uma ex-escrava, matriarca do quilombo, e que a partir da luta da população conseguiu substituir o antigo nome do coronel Francisco Flores. “Essa mudança tem um valor simbólico muito grande, substituir o nome da escola que levava o nome dos nossos algozes pela nossa matriarca que verdadeiramente nos representa é fundamental para a nossa autonomia e fortalecimento da nossa identidade quilombola” relatou Miguel Antônio de Souza.
Os/as moradores/as relataram a história da comunidade, desde os antepassados e a situação do conflito pela perda do território que está em fase de regularização há anos, sem encaminhamentos concretos por parte do Estado. Partilharam a dificuldade da lagoa das Piranhas, lagoa do rio São Francisco, que sofre com o dreno carregado de agrotóxicos expelidos pelo projeto Formoso de Bom Jesus da Lapa. Tal situação tem levado a mortandade de peixes, única fonte de sustentação do quilombo.
Já as mulheres partilharam a iniciativa de produção de hortas orgânicas através de sistemas de mandalas e a dificuldade de vender produtos naturais na feira livre na cidade. Também foi relatada a experiência que a comunidade tem feito a partir da educação contextualizada na escola quilombola que tem constituído espaço para reflexões acerca da ancestralidade, cultura, entre outros aspectos da identidade quilombola. A troca de símbolos ao final do encontro foi um momento singular na consolidação de laços de solidariedade e de esperança que ultrapassa fronteiras geográficas e culturais. A comunidade presenteou o grupo com sementes de feijão produzidos por eles carregando a mensagem: “É preciso acreditar e plantar com a certeza de que mesmo a longo prazo, a semente germinará”.
Texto: Abeltânia Santos e Julita Abreu/ Agentes da CPT Bahia – Equipe Centro Oeste