Todos e todas podem falar? Se tomarmos como princípio o direito à liberdade de expressão, diremos que sim. No entanto, Marcia Tiburi no seu livro “Feminismo em Comum”, chama a atenção para o lugar da produção dos discursos, assim como, os mecanismos para a sua veiculação, como um monopólio das elites econômicas, que vivem em sistemas de privilégios, forjados no capitalismo, que é estruturalmente racista e patriarcal.
Facilmente concordaremos com Tiburi, se observarmos e refletirmos sobre vivências simples reproduzidas no dia a dia, basta perguntar a uma mulher, quantas vezes ela já foi interrompida enquanto falava? Ou, quantas vezes suas ideias sequer foram ouvidas quando expressadas por ela mesma, mas, quando repetidas de forma idêntica por um homem, foram tomadas como “boas ideias”? Perguntemos ainda, em relação aos homens, qual a proporção de leituras e citações de mulheres e de suas elaborações? Poderíamos descrever inúmeros exemplos que caracterizam processos de negação, silenciamento e ocultação das mulheres.
Para além das lutas feministas, o estigma de uma sociedade patriarcal persiste. Suas feridas fétidas, historicamente, permeiam a realidade e estão cristalizadas no imaginário social coletivo, estabelecendo a dominação como um poder masculino e relegando as mulheres ao lugar de subordinação, atribuindo-lhes a condição de “seres inferiores” aos homens.
Esta ideia anacrônica vem desde a Grécia, antigamente reverenciada como centro da produção do conhecimento, este, que só poderia ser produzido por homens, pois, as mulheres eram consideradas “seres destituídos da capacidade de pensar”.
Não se trata de um padrão natural, e sim, de uma construção histórica, cuja manutenção se dá, por meio de mecanismos eficazes de controle ideológico e do corpo, construídos e administrados por aqueles que se encontram no topo dos sistemas de privilégios.
Neste sentido, o próprio nome mulher, deriva de “mollis” que em latim significa “mole”, assim como o termo feminino, derivado igualmente do latim “fides minus” significa “com menos fé”. Mas quem criou estes termos para nos designar? Os mesmos que “criaram” a Ciência: homens brancos, ocidentais, das classes economicamente dominantes. A estes, ao longo da história oficial, única e exclusivamente, se atribuiu, o “espaço da voz” e da produção do “saber”, diga-se, de um único saber. Desse modo, ao longo da história, importantes atores sociais, estigmatizados por critérios de raça/etnia, gênero, sexualidade, idade e classe social, foram relegados a um lugar social de subordinação, numa tentativa de manutenção das estruturas de privilégios, tecidos em relações sociais de dominação e de exploração.
Para nós mulheres sempre custou muito caro a luta pelo nosso lugar na humanidade. Além da realidade de histórica desigualdade de direitos e diversas formas de violências contra nós e tudo o que remete ao feminino, a força do poder simbólico da dominação masculina, oprime, mata ou aprisiona nossos corpos, vozes, histórias, sentidos e saberes que só nós somos capazes de gerar, a partir de nossas vivências e olhares sobre a realidade.
A auto expressão autônoma de categorias contra hegemônicas, desafia tanto o patriarcado, quanto estruturas do capitalismo, que precisa colonizar, homogeneizar, dominar e explorar para se manter, sendo assim, o “espaço de voz” das mulheres, se constitui como um espaço capaz de desconstruir estruturas do poder simbólico e material da dominação masculina e do Capitalismo, para o qual, o patriarcado é fundamental.
É neste sentido que criamos a Coluna “Vozes das Mulheres”, que terá publicações quinzenais, dando voz ao pensamento das mulheres sobre diferentes temas e como afirma Judith Betler, dar visibilidade “as caras ações de rupturas das estruturas cotidianas” tão necessárias a produção de novas práticas culturais libertadoras.
Leiam, escrevam, contribuam!!
Maria Aparecida de Jesus Silva – Mulher negra. Agente da Comissão Pastoral da Terra. Bacharel em teologia, pedagoga, especialista em Desenvolvimento e Relações sociais no Campo.