Cerca de 2 mil pessoas participaram da 6ª Romaria do Cerrado que aconteceu na última quarta-feira, dia 11, Dia Nacional do Cerrado, no município de Coribe (BA). Os romeiros e as romeiras saíram da Praça da Juventude em caminhada pelas ruas da cidade até o Riacho Alegre, e, simbolicamente, deram um “gole d’água” com a água que trouxeram de suas comunidades.
O Bispo da Diocese de Bom Jesus da Lapa, D. João Cardoso, encerrou a 6ª Semana e Romaria do Cerrado, que teve inicio na sexta-feira, dia 6, com uma missa na Paróquia São João Batista. Segundo ele, a fé de cada pessoa deve se comprometer com questões decisivas que dizem respeito à vida e à morte. “Uma causa justa que é cuidar da criação, da defesa do Cerrado, da casa comum que Deus deixou sob nossa responsabilidade”, afirmou.
Para Julita Abreu, agente da Comissão Pastoral da Terra Regional Bahia, no Cerrado tem se produzido dinheiro e não alimento. “A riqueza está sendo produzida, mas para uma quantidade muito pequena de pessoas, com isso cresce a violência fomentada pela desigualdade social. O agronegócio produz grãos para produzir dinheiro”, disse.
A seguir, a carta da 6ª Semana e Romaria do Cerrado:
“Cerrado em Pé: na profundeza das águas um grito pela vida”
As Semanas e Romarias do Cerrado, na região Oeste da Bahia, já se tornaram um evento marcante, em que as comunidades, pastorais, entidades populares, organizações, sindicatos, paróquias e movimentos sociais pautam os clamores do Cerrado e de seus povos. Em 2019 foi à vez de Coribe sediar sua 6ª edição, que contou com a realização de seminário formativo com professores; celebração de envio da Cruz Geraiseira; panfletagem na feira do município; visitas missionárias às comunidades rurais; trabalho informativo nas escolas; missa motivacional sobre a questão; noite cultural e exposição do documentário “Nas Corredeiras do Movimento”.
Durante os dias 07 e 08 de setembro foram visitadas 24 comunidades rurais de Coribe que participaram de 17 reuniões, este trabalho abrangeu aproximadamente 1.500 famílias. Ao longo dessas atividades identificou-se o quanto é importante a Agricultura Camponesa para este município. Em todas as comunidades visitadas foi possível se deparar com hortas, plantio de roçados e criação de animais. O zelo com o campo mostra que Coribe é um grande produtor de alimentos e que há uma relação direta com os Gerais, denominação local para o bioma Cerrado, presente nos modos de vida e na ancestralidade comunitária, seja como oferta de frutos e ervas medicinais, seja como fonte de elementos culturais que só se encontram aqui. Não à toa, esta relação faz com que o Pequi seja um fruto simbólico de Coribe.
Chamou-nos a atenção à questão da água que, assim como em outros municípios, está em condições extremas de escassez, foi identificado um cenário de redução das águas e onde não há mais água, administrada de forma paliativa com o uso de carros pipas. Durante as reuniões, por meio de mapas, foi possível relacionar a atual situação de baixa vazão e o assoreamento do rio Formoso e seus afluentes com o desmatamento de suas cabeceiras, realizado pelo agronegócio e agricultores sem consciência. Cabe ressaltar, que o abastecimento hídrico da sede do município e de algumas comunidades rurais vem deste importante rio. É possível afirmar que, com o resultado deste trabalho, 41 veredas, córregos e rios secaram ou diminuíram seus volumes, exemplo disso são os rios: Alegre, Tolda e Tatu; os riachos: São José, de Fora, Infurnado, Malhada da Onça, Seco, Joaquim Bernardes, Deus me Livre, Jacu, dos Porcos, Camarada; e as veredas do Curralinho e do Bonito. No trabalho realizado nas escolas junto a crianças, adolescentes e jovens, a sensação é de perda e de saudade, pois segundo estes, o relato de seus avós e pais aponta para “riachos que morreram e que por isso, ali não se pode mais banhar”.
Esse modelo de desenvolvimento alicerçado no agronegócio traz para Coribe uma série de desmatamentos e outorgas hídricas de grandes volumes, como exemplos podem-se citar: as Fazendas Nova Esperança e Boqueirão, que via Portaria INEMA nº 18.571, de junho de 2019, receberam autorização para desmatamento de 1.115 hectares, equivalentes a 1.115 campos de futebol, onde se encontram as cabeceiras do rio Alegre; e a Fazenda Triunfo, que por meio da Portaria INEMA nº 12.925, de novembro de 2016, recebeu autorização de outorga para a captação superficial de 11.000 m³/dia, durante 17 horas/dia, água equivalente a 687 cisternas de captação de água de chuva, de 16.000 litros. Tais números traz a seguinte indagação: tudo que é legal é correto? Outro impacto perceptível durante as missões foi o uso indiscriminado de agrotóxicos e a sua relação com casos de Câncer, identificados em mais de cinco comunidades. Esses severos impactos coloca a população camponesa de Coribe em uma condição de migração, seja pela perda do estímulo de se manter na terra, seja pela dificuldade de garantir trabalho para os jovens, e consequentemente à sucessão rural.
No momento em que a Amazônia arde em chamas, fazendo com que seus povos e toda a biodiversidade sofram com os impactos do desmatamento e das queimadas, a população mundial volta seus olhares para o Brasil. Vêm à tona os preceitos expressos pelo Papa Francisco e sua Encíclica Laudato Sí, onde está explícita sua análise, baseada na ecologia profunda, de que todos os seres vivos habitam uma “Casa Comum”. Diante dos ataques conservadores de políticos como o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e seu ministro do meio ambiente Ricardo Salles (NOVO), desprezando os severos impactos vividos na Amazônia, numa perspectiva negacionista das mudanças climáticas. Conceitos como o de Rios Voadores, da relação reguladora do ambiente com o clima, e eventos como o Sínodo da Amazônia ganham novo sentido e passam a ser mais do que fundamentais na conjuntura atual.
Com esta 6ª Semana e Romaria do Cerrado e com uma conjuntura de adversidades dos tempos atuais, surge o questionamento: O que podemos fazer? Mas, diante de um conjunto de incertezas e inseguranças, o trabalho realizado nas escolas com crianças, adolescentes e jovens e o diálogo com os educadores (as) nos fazem pensar que ainda há esperanças. Há um provérbio de autoria dos povos indígenas americanos, que diz: “Nós não herdamos a terra de nossos antecessores, nós a pegamos emprestada de nossas crianças”. Este foi o sentimento que esteve presente durante os dias de trabalho: somos corresponsáveis pelo cuidado e à defesa do Cerrado e de tudo que esse importante bioma representa para nós e as futuras gerações. Importantes ações, iniciativas e campanhas estão sendo realizadas, a exemplo da entrega na tarde de 11 de setembro, na Câmara Federal da PEC-504/2010, que solicita o reconhecimento dos biomas Cerrado e Caatinga como Patrimônio Nacional, e está acompanhada de uma Petição Pública com mais de meio milhão de assinaturas, e que ainda pode ser assinada1. Por tudo isso, acreditamos que devemos continuar a gritar “SEM CERRADO: SEM ÁGUA, SEM VIDA” e que “Ninguém morrerá de sede nas margens de nossos rios”.
Coribe-BA, 11 de setembro de 2019, Dia Nacional do Cerrado.
Foto da capa: Amanda Alves