Thomas Bauer (CPT-BA/H-3000) e Paulo Oliveira (Meus Sertões)
Francisco de Assis Ribeiro, o Chico Peba, foi morar na fazenda Muquém, na época pertencente ao município de Xique-xique (BA), com quatro anos de idade. Foi lá que o pai dele nasceu e se criou. Quando se mudou, em 1966, não havia estradas e o transporte principal era feito em lombo de burro.
Nascido em Abobreira, minúscula localidade do município vizinho, Sento Sé, Chico foi parar na beira do rio Verde depois do pai e suas quatro irmãs herdarem uma propriedade. Anos depois, naquela região isolada, a meninada corria espantada com a novidade quando avistava um carro.
Depois de se casar, Peba mudou para um “desertão”, no povoado Poço Grande, onde só existiam as casas dos futuros sogros e cunhado. Lá, construiu uma casa na beira da estrada de chão que leva a BR-052, conhecida como Estrada do Feijão[1]. Neste trecho, ela liga o povoado de Rio Verde até a comunidade Maravilha, adentrando o município de Sento Sé.
A mudança ocorreu para que os seis filhos de Peba tivessem mais facilidade de acesso à escola. Toda esta região, antes pertencente ao distrito Tiririca do Luisinho, no município de Xique-Xique, hoje faz parte do território de Itaguaçu da Bahia, desmembrado e emancipado em 1989.
Ainda hoje Chico mora na beira da estrada vicinal de terra, onde continua a criar gado à solta e vaquejar. Ele recorda que, aos poucos, foi chegando gente, cercando as propriedades. Surgiram os casos de grilagem feitos por empresas, fazendeiros e políticos, que ameaçaram, feriram e expulsaram as famílias camponesas.
O processo, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra – Bahia (CPT-BA) ocorreu entre os anos 1970 e 1980 e impactou 23 comunidades de fecho e fundo de pasto, ribeirinhas, quilombolas e de agricultores familiares. Dezoito delas diretamente. Sendo assim, perderam terras, ficaram impossibilitadas de desenvolver a agricultura, criação de animais, além de impedidas de manter o modo de vida.
Criada em 1987, a Companhia de Desenvolvimento do Rio Verde (Codeverde) adquiriu as terras griladas com objetivo de vender parte delas para a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), empresa pública de direito privado, vinculada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.
A grilagem envolve 104.029 hectares, referentes às fazendas Boa Vista 1 e 2, Santa Isabel, Porteiras e Sucesso 2, em Itaguaçu da Bahia e Xique-xique. Antes de concretizar a venda das terras para a Codevasf e implantar o Projeto de Irrigação do Baixio de Irecê, a Codeverde, que atualmente está em liquidação extrajudicial[2], obrigou as famílias que possuíam pequenas áreas de terra para cultivo de alimentos e criação de animais a pagar arrendamento e as impediram de soltar animais na grande área de caatinga que tomaram.
As comunidades também foram obrigadas a pagar à empresa uma cabeça de cabra a cada cinco animais criados e uma de bovino a cada oito, alegando ser dona da área que os animais eram criados soltos nos pastos.
Os filhos de Chico arrumaram emprego e formaram famílias. Ele manteve sua atividade e não arredou o pé. Hoje, organiza, com seu amigo Paulo, as pegas de novilhas.
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Legenda da foto destaque: Chico se mantém em Itaguaçu, apesar da ação de grileiros e de projetos ameaçadores. Foto: Thomas Bauer
Leia mais:
[1] A rodovia faz a ligação entre Feira de Santana e Xique-xique. Ela tem 463 quilômetros.
[2] A liquidação extrajudicial é o processo administrativo, geralmente conduzido pelo Banco Central, que se destina a interromper o funcionamento de uma instituição e promover sua retirada, de forma organizada, do Sistema Financeiro Nacional. É adotada quando ocorrer situação de insolvência irrecuperável ou quando forem cometidas graves infrações às normas que regulam sua atividade, entre outras hipóteses legais.