Por Raquel Salama, assessora de comunicação da SFVivo
Documento audiovisual revela os impactos socioambientais da mineração de Urânio em Caetité, no sudoeste baiano, Médio São Francisco.
O documento A Vida no Entorno da Mina de Urânio, uma produção audiovisual da Comissão Pastoral da Terra (CPT), será exibido nos dias 08 e 09 de abril em eventos do Programa ”Nunca Mais” – Brasilien Tage.
Organizado pela Fundação Heinrich Böll em parceria com a Médicos International, o programa tem como objetivo refletir e mobilizar a comunidade internacional pela não renovação do acordo de cooperação técnica entre Brasil e Alemanha, que vem viabilizando a execução do Programa Nuclear Brasileiro.
No seminário Transações radiantes: A aventura nuclear entre Brasil e Alemanha, que acontece na próxima terça-feira (8), em Berlin, a partir das 19h30, uma mesa redonda vai reunir Chico Whitaker, Marjane Lisboa, Jürgen Trittin, ex-ministro do meio ambiente da Alemanha, e David Bartelt, assessor da Fundação Heinrich Böll no escritório do Rio de Janeiro. O outro evento será no dia 9 de abril, em Frankfurt e contará, também, com a presença do arquiteto e ativista social brasileiro, o Chico Whitaker.
Em visita à INB, agentes pastorais da Terra registram o pote com urânio
De acordo representantes das comunidades, não se sabe se a água está contaminada e em que nível de contaminação se encontra, como relevam no filme as famílias do entorno. “Eles vêm aqui, coletam a água, mas não deram ainda retorno algum”, disse o agricultor entrevistado.
Educomunicação socioambiental –Em formato digital, o filme A Vida no Entorno da Mina de Urânio, foi produzido pelo cineasta popular Thomas Bauer, agente da CPT na Bahia. Ele vem contribuindo com a produção audiovisual das redes de educomunicação, a exemplo da Rede de Comunicação da Comissão Pastoral da Terra, bem como da Rede de Educomunicação da Articulação Popular São Francisco Vivo, da qual a entidade faz parte. Um de seus filmes, sobre energia eólica, está na Programação do Salas Verdes, um circuito de exibição de filmes ambientais do Ministério do Meio Ambiente no Brasil.
Agentes CPT do Regional Bahia, em equipes cada vez mais reduzidas, estão a todo tempo recebendo e encaminhando novas denúncias ao judiciário baiano, via ministério público estadual e federal, com pouco retorno, revelando o descaso do Poder Judiciário no Brasil e na Bahia. Diante da situação das comunidades do entorno das minas de urânio, especialmente as comunidades tradicionais, que sofrem impactos diretos, a Articulação Antinuclear Brasileira, da qual a Articulação São Francisco Vivo faz parte, defende a não renovação do Acordo de Cooperação Técnica entre Brasil e Alemanha, prestes a acontecer em novembro deste ano de 2014, se nada for feito.
Entenda o caso – O Programa Nuclear Brasileiro tem sua origem nos anos 60. “O primeiro acordo de cooperação entre Alemanha e Brasil foi firmado no ano 1976 durante o governo Geisel, no regime da ditadura”, informou o agente Thomas Bauer. Desde a instalação da INB em Caetité, a qualidade de vida dessas famílias caiu drasticamente. Se antes elas tinham terra e água de qualidade para o trabalho, emprego e renda, hoje vivem doentes e inseguras quanto à qualidade dos alimentos que produzem para o autoconsumo e a comercialização do excedente em feiras locais. Basta ver o filme e ouvir o depoimento do agricultor entrevistado por Bauer.
No filme, a moradora da comunidade de Riacho da Vaca, Elenilde, revela como era a vida antes da INB. “A gente sobrevivia aqui do que a gente plantava. A gente ia pra feira comprar muito pouco para nossa sobrevivência. A gente plantava arroz, feijão, criava animais, tipo porco, galinha, gado, essas coisas”, lembra.
Bastidores da Produção – O agente Thomas Bauer, que também integra o Secretariado da Comissão Pastoral da Terra – Regional Bahia, como assessor, informou que o filme A Vida no Entorno da Mina de Urânio é apenas uma pequena contribuição no trabalho de formação e mobilização social pela não renovação do contrato de acordo de cooperação técnica entre Brasil e Alemanha. Simpatizante, até certos limites, da arte audiovisual digital, Thomas encontrou no registro fílmico uma forma de levar a público o depoimento de pessoas que moram no entorno da INB. “Como o documento audiovisual foi feito sem um projeto e sem um roteiro, o vídeo é meio improvisado, considero apenas um registro audiovisual para dar voz à população local”, disse.
Incoerência entre Políticas Públicas – A situação das comunidades rurais de Caetité revela um governo dúbio, com políticas públicas conflitantes e desiguais. De um lado, podemos ver famílias agricultoras que tentam, junto a organizações sociais como a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) e a Cáritas, desenvolver projetos-piloto para a construção de políticas e programas de desenvolvimento sustentável e solidário, a exemplo dos programas de convivência com o semiárido da ASA e dos projetos de segurança e soberania alimentar da Cáritas junto a alguns ministérios e secretarias. Do outro lado, no entorno da mina de urânio, vemos famílias sofrendo com a contaminação, com sua economia local destruída, sua segurança alimentar comprometida. “Hoje a gente cria muito pouco, e plantar mesmo a gente não planta mais nada porque as terras da gente ressecaram muito”, completa Elenilde.
Mineração – Em artigo escrito para a Revista Alumeia, a assessora da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Tatiana Gomes, afirma que as comunidades tradicionais têm o direito de serem consultadas sobre a exploração do minério sob suas terras, mas esse direito não é respeitado com o novo marco regulatório da mineração (PL 5807/2007 e PL372011). Os projetos de lei, encaminhados pelo Congresso Nacional em regime de urgência, dedicam poucas linhas a questões cruciais na viabilidade da extração mineral, a exemplo da preservação ambiental e a expansão da atividade sobre os territórios das comunidades tradicionais. Para tanto, um dos sete desafios mínimos construídos pela sociedade civil organizada para o novo marco regulatório é garantir o direito de consulta, consentimento e veto das comunidades locais afetadas pelas atividades mineradoras.
Injustiça Social e Ambiental – O agente da Comissão Pastoral da Terra e coordenador do projeto São Francisco Vivo, Ruben Siqueira, lembra que instalação da unidade da INB em Caetité, assim como de demais empresas mineradoras no Brasil, tem a ver com a estagnação do processo de demarcação e titulação das terras e territórios das comunidades tradicionais. ”Uma das comunidades impactadas pela mineração de urânio em Caetité é remanescente de quilombo, mas até hoje não houve a demarcação e titulação do território e essa não é uma simples coincidência”, disse.
Diante de tanta injustiça socioambiental, achamos justo e necessário que o Governo Federal interrompa o atual Programa Nacional de Energia Nuclear, que já se mostrou tão nocivo para Caetité e toda a nação brasileira, assim como no Japão e no mundo. “Queremos a não renovação do acordo de cooperação técnica entre Brasil e Alemanha e queremos contribuir na construção de um projeto popular de geração e gestão energética”, disse a jornalista Zoraide Vilas Boas em encontro da Articulação Antinuclear.