Missa, cantos, poesias, músicas, cordéis e depoimentos ecoaram na voz de centenas de pessoas em solidariedade e defesa da região de Angico dos Dias, no município de Campo Alegre de Lourdes, Bahia, que vem sendo impactada pela mineração e tentativas de grilagem. Esse momento foi realizado pelo Fórum de Entidades Populares do município, na manhã do último domingo (03), na praça principal da comunidade de Angico dos Dias, que fica a cerca de 72 km da sede do município. O evento contou com a participação de cerca de 500 pessoas oriundas de diversas regiões do município, como Baixões, Malhada, Peixe, Baixão de São José, Lagoa de Pedra, Barra, Lagoa da Onça, Baixão Seco, São Gonçalo, Jiquitaia, Voltas, Sede.
“Estamos aqui hoje para defender o direito de permanecer na terra. Solidários com aqueles que sofrem com a mineradora, com detonações, com os impactos. Hoje estamos aqui para dizer não a grilagem de terra, a queimada das Caatingas, a mineradora. Hoje, nós somos povos de Deus”, professou o Padre Bernardo Hanke, que celebrou a missa, momento inicial do ato. Ao longo da missa, o padre também apontava a necessidade de preservar e colocar em prática os ensinamentos divinos sobre a relação humana com a natureza e com o próximo: “não podemos concordar com essas queimadas. Não temos direito de queimar tudo. Temos que preservar. Por isso, estamos aqui para refletir o nosso compromisso”, disse o religioso relacionando também com as últimas queimadas que aconteceram na região e que há a suspeita de terem sido criminosas.
Após a missa, as pessoas ocuparam a região central da comunidade para expressarem suas indignações, apoiar a luta das famílias, apresentar expressões culturais como continuidade do ato, que foi encerrado no início da tarde com uma caminhada ao redor da praça. Ao fundo dessa manifestação subia a poeira constante da empresa que extrai o minério, onde também é possível avistar a serra de rejeitos e toda a extensão superficial da área em constante atividade. A instalação da mineradora fica bem próxima das casas das famílias e logo acima da lagoa da comunidade, cuja água ficou imprópria pra uso depois do início da mineração.
“Vamos ajudar o Angico dos Dias a enfrentar essa cruz tão pesada”, pede uma comunitária da região do Barreiro do Espinheiro, durante as apresentações. Nesse momento houve grande comoção com a situação da comunidade, onde as representações das comunidades expressaram denúncias de que haviam ameaças, tentativas de grilagem, casas e cisternas rachadas, pessoas com problemas de saúde, relatos de que familiares dos funcionários da empresa estavam sendo proibidos de participarem da manifestação, inclusive da missa, além de depoimentos de que animais foram roubados, intimidações, criação de uma rede social para difamar a associação de Fundo de pasto e as lideranças locais, dentre outras denúncias que tem deixado a população apreensiva.
“No começo até parece que é coisa muito boa, promessa de emprego e renda, porém tudo é engano, fazendo o povo de bobo. Hoje, em dia, só se sabe quais são as consequências(…), só trazem medo e doença, problemas pra toda gente(…). Se a mineradora chegar não entregue o que é seu, não adianta rezar depois que a cobra comeu(…). Quem avisa amigo é, depois diz que não sabia que a tal mineradora grandes problemas trazia. Se quiser saber melhor vá em Angico dos Dias”, disse o senhor Bruno Januário Batista, 87 anos, da comunidade de Baixão dos Bois, de Campo Alegre de Lourdes, que esteve no ato para apoiar a luta da comunidade. Esse cordel ele recitou para expressar a sua indignação com tudo que a região vem enfrentando.
A luta da comunidades, que tem mais de 200 anos de existência, é desde 2005, quando começou a atividade mineral e as tentativas de grilagem. Há relatos de muitos moradores terem abandonado a comunidade por conta das consequências da existência da mineradora, como problemas de saúde decorrente da poeira, contaminação da lagoa comunitária, além dos conflitos.
“Hoje é Angico dos Dias que está vivendo essa situação, amanhã pode ser nós. A gente tem que está de mãos dadas”, declarou a presidente da associação de Fundo de Pasto de Lagoa do Sal e integrante da Rede mulher, Joana de Jesus, que participou do evento com toda sua família.
Na avaliação dela, o ato demonstrou a solidariedade local junto a região de Angico dos Dias: “mostra que a gente está junto e juntos somos fortes, isso nos dá mais força pra gente lutar diante das dificuldades que a gente enfrenta na caminhada”, afirmou Joana. “As pessoas entenderem que o que está acontecendo aqui pode acontecer a qualquer hora em outra comunidade também. Por isso, o pessoal estava disposto a mostrar solidariedade a Angico dos Dias e dispostos a lutar pelo direitos”, avaliou Pe Bernado.
Para o representante do Fórum, Deusvaldo Almeida, o momento foi necessário diante dos problemas que a comunidade vem enfrentando: “aqui tinha uma lagoa, hoje é só um poço de rejeito; tem companheiro ameaçado de morte e tentativas de grilagem”. Ele afirma que na avaliação do Fórum a empresa não trouxe “nenhum benefício social para a região”, não gera emprego e renda para a comunidade, apenas “emprega cerca de 30 pessoas da comunidade, mas os funcionários mais graduados moram em Caracol, Piauí. Aqui é mais a mão de obra mais pesada”. Segundo ele, outra preocupação é com as barragens de rejeitos e como isso pode impactar ainda mais a vida das pessoas na comunidade.
O ato em solidariedade às comunidades da região de Angico dos dias atingidas pela mineração e grilagem também contou com o apoio da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Articulação de Fundo de Pasto, Rede Mulher, Movimento dos Sem Terra, presidente da Câmara Municipal dos Vereadores, Comissão Pastoral da Terra, Irpaa, Sasop e outras entidades que compõem o Fórum. Vale ressaltar a massiva participação dos/as jovens, principalmente, nas apresentações culturais ao londo do ato.
Texto e Fotos: Comunicação Irpaa