Entre os dias 5 e 9 de junho, a CPT Sul sudoeste da Bahia realizou um mutirão de visitas e reuniões nas comunidades do município de Cordeiros.
O município de Cordeiros está situado na região sudoeste da Bahia, estende-se por uma área de 535,5 km² e possui população estimada em 8.614, habitantes conforme o último Censo. Integra a mesorregião do centro-sul baiano e a microrregião de Brumado. Situa-se numa região de transição entre os biomas caatinga e cerrado, que possui como característica principal ser o berço das águas, onde abriga inúmeras nascentes e abastece toda população local, além de ser um espaço do qual as famílias do território dependeram historicamente para soltar os animais em regime de uso comum; para coleta de frutos como pequi, de itens para uso medicinal, a exemplo do leite de mangaba; entre outras formas de usufruto, que sempre fizeram parte da economia local e da sobrevivência de milhares de famílias da região.
Cordeiros faz divisa com o município de São João do Paraíso-MG. Essa região por muito tempo sofreu especulação em função da chegada de grandes empresas para plantio de monocultivo de eucalipto com um violento processo de ocupação, que causou sérios danos a vida de populações, dizimadas e expulsas de seus territórios. Muitas delas fugiram da violência do que foi o chamado deserto verde, que inviabilizou a vida, para o município baiano em busca de melhores condições de vida.
“Sai com minha família de São João do Paraíso por que não tínhamos condições de viver encurralados pelo eucalipto. Lá onde a gente morava tinha um córrego muito bom que passava em nossa comunidade. Após o plantio de eucalipto, logo o córrego secou. Não dava mais pra viver lá”, afirma moradora de Campo Grande que foi expulsa de suas terras pelo monocultivo de eucalipto.
Outros relatos se somam dentro do municipio de Cordeiros:
“Foi feito um plantio na área de um dos plantadores de eucalipto, lá era aplicado venenos principalmente para combater as formigas. Um certo dia choveu e a enxurrada correu em direção a barragem e aconteceu a morte de uma grande quantidade de peixe. Agora o cenário podo ser pior pois naquela época morreram os peixes, agora quem pode morrer é a gente” (morador da comunidade de Campo Grande).
Essa expansão vinda do estado de Minas Gerais adentrou por muito tempo o território de Cordeiros. É muito conhecida a história da placa que determina os limites fronteiriços entre os estados de Minas Gerais e Bahia, onde se conta que esta movida e adentrava o território baiano a fim de expandir a fronteira do eucalipto, afetando as comunidades tradicionais do município de Cordeiros. Além disso, empresários baianos começaram a entrar nos territórios alegando serem os supostos donos de áreas historicamente usadas pelas comunidade, o que desencadeou uma série de conflitos por que o povo foi impedido de exercer suas formas de uso e ocupação. O município de Cordeiros passa, então, a ter seu território como objeto de especulação para plantio de eucalipto, com algumas áreas já plantadas.
Diante das ameaças advindas da expansão do monocultivo, no ano 2013 as comunidades de maneira articulada, elaboraram e encaminharam para a Câmara de vereadores um projeto de Lei de Iniciativa Popular que coloca limites na expansão do plantio de eucalipto no território do município. O projeto foi amplamente discutido com uma forte adesão das comunidades, que entenderam a importância da mesma e passaram a coletar assinaturas e acompanharam presencialmente o rito de apresentação e discussão na Câmara de Vereadores/as até sua aprovação.
A Lei determina, entre outras medidas, que seja respeitado o limite de 1.000 metros de distância em relação as nascentes, 500 metros das margens dos rios, lagos, córregos e reservatórios naturais ou artificiais, 100 metros das margens das estradas e rodovias públicas, 3 km da sede do município e pelo menos 2 km do território das comunidades tradicionais e assentamentos rurais, e não deverá ultrapassar 10% da área total de cada propriedade. Recentemente a lei passou a ser alvo do ataque dos monocultores de eucalipto que anunciam a pretensão de implantar no município uma quantidade de 1.400.000 mudas de eucalipto. A área pretendida localiza-se nas áreas dos Gerais, onde concentram-se as áreas de uso comum das comunidades de fundo e fecho de pasto e uma rica biodiversidade berço das principais nascentes que abastecem as comunidades do município de Cordeiros. Os empresários alegam que a lei é inconstitucional por colocar limites acima do que é citado no Código Florestal, porém a população defende que a lei tem respaldo por representar um desejo das comunidades para garantir segurança e proteção das nascentes, dos territórios e dos modos de vidas das comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto.
Para as comunidades tradicionais, a lei é um importante instrumento que ajuda a garantir a proteção das nascentes e a preservação dos territórios tradicionais de fundo e fecho de pasto, importantes para manutenção e reprodução da vida nessas localidades. Elas se comprometem com a luta para que a lei não seja considerada inconstitucional, uma vez que entendem a competência do município e a vontade da população como fundamentais a sua implementação.
No município de Cordeiros são 09 comunidades reconhecidas e certificadas pelo governo do Estado, mais 1 comunidade que se auto reconhece e aguarda a certificação pelo órgão oficial. Das comunidades reconhecidas e certificadas, nenhuma teve aberto o processo de demarcação dos territórios. Por outro lado, além da ameaça que gira em torno da expansão do eucalipto, essas comunidades vem sofrendo com a forte chegada de empresas mineradoras e da geração de energias eólica e solar, especulando as terras e já pressionando famílias para a venda delas.
Todo esse conflito se intensifica em função da ausência total do Estado, sobretudo dos órgãos de regularização fundiária, e do incentivo à expansão das empresas de energia e de mineração nos territórios. Preocupadas com essa especulação, as comunidades definem suas estratégias de autodemarcação e reafirmação de sua presença nos territórios abrindo picadas nos seus limites e colocando placas que alertam para o uso tradicional dessas terras.