Durante três dias, jovens da 6ª turma do Curso de Formação de Lideranças Populares (Liderar), se reuniram em um intercâmbio na comunidade de Fundo de Pasto de Umbiguda, em Mirangaba (BA), para discutir sobre o Bem Viver. A última etapa da formação, que aconteceu entre os dias 30 de novembro e 02 deste mês, contou com a assessoria de Cláudio Dourado da Comissão Pastoral da Terra (CPT- BA) e Adelson Kaimbé.
Em sua apresentação, Dourado abordou as dimensões do ser, do saber e do poder, fundamentais para a compreensão do Bem viver, provocando a estimulação dos sentidos a fim de observar as vivências, as expressões culturais, relações comunitárias e com a natureza; aspectos da organização, os conflitos e impactos gerados pelo desenvolvimento. Para ele, esse é, em termos gerais, citando Arturo Escobar, “um processo histórico recente que envolve aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais”, forjado na lógica capitalista geradora de injustiças e desigualdades extremas, com dependência e subalternização de culturas na perspectiva ocidental.
Este aspecto ficou evidente nas falas dos/as participantes do curso, o que segundo eles/as, o Liderar contribuiu com a descoberta das suas identidades, a partir do VER/FAZER dos ancestrais, para a afirmação de suas raízes fincadas nos territórios, mas sufocadas pelo preconceito, discriminação e racismo, ocultadas pelos processos de dominação cultural colonial que caracterizam o roubo da história pelo Ocidente.
Joziete da Silva, da comunidade de fundo de pasto de Paranazinho, em Mirangaba, explica como passou por esse processo. “Descobri minha identidade com o preconceito experimentado na escola. Antes que eu falasse, os outros já diziam que eu era da roça, da caatinga, onde só tinha mandacaru e seca e com isso eu fui me aceitando, hoje eu digo com muito orgulho que sou da caatinga mesmo e sou negra”, afirmou.
O território é a somatória da cultura e natureza, expressas nos jeitos de fazer, criar, viver e relacionar com o espaço, os costumes e a cosmovisão. Somente o território é capaz de resistir ao capital como afirma Milton Santos, estas resistências emergem quando a vida das comunidades está integrada, respeitando os ciclos da natureza e o tempo. Ao se apropriar e fragmentar os elementos naturais: terra, água, ar e fogo, o capital-desenvolvimento-modernidade, rompe com a noção de território e torna as populações mão de obra, sem soberania.
Assim como o intercâmbio realizado em Canudos e na Aldeia Caimbé, localizada no município de Euclides da Cunha, a realização da última etapa do Liderar em comunidades de fundo de pasto, marcaram os/as liderandos/as, pois, além da mística vivenciada, construíram afetos, experimentaram o acolhimento, a generosidade e a solidariedade das comunidades visitadas. Essas famílias também compartilharam suas histórias de vida, suas tecnologias e gosto pelo cultivo da terra, seus saberes aprendidos de geração em geração, suas manifestações culturais; falaram dos problemas enfrentados com a chegada da energia eólica para a região, principalmente com a grilagem das áreas de uso comum e partilharam os frutos do território: manga, figo, cambui, banana e outros.
Ao final da etapa, cada participante recebeu um anel de tucum, simbolizando o compromisso com a transformação social, com a construção do Bem viver a partir dos mais pobres. As aprendizagens da etapa foram socializadas de diferentes formas, uma delas, em cordel. Então, acompanhe a seguir, o cordel do “Bem Viver” criado por Arlete Nunes, da comunidade de Fundo de Pasto Paranazinho..
Cordel do Bem viver
Quando falo em Bem viver,
Lembro os primeiros cristãos,
Era povo organizado, viviam em oração,
Sempre firmes nas partilhas e também nas decisões,
É deles que vem a coragem, pra defender nosso chão.
Peço desculpas aos companheiros, por falar embaraçado,
isso é de quem é da roça,
bem sabe é plantar roçado,
agradeço ao Liderar,
por eu ter aprendido,
que é no Fundo de Pasto,
que a vida tem sentido
e o cantar dos passarinhos,
são músicas pros meus ouvidos.
Texto: Equipe Centro Norte/ CPT Bahia.
Fotos: Lucas Zenha e Adelson Kaimbé