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CPT BAHIA

Bocaina, em Piatã (BA), sedia Intercâmbio de atingidos/as por mineração

Mais de 50 trabalhadores/as rurais e agentes pastorais, de diversos municípios da região Centro-Norte da Bahia, participaram, nos dias 24 e 25 de agosto, de um Intercâmbio das Comunidades Impactadas e Ameaçadas pela Mineração.  O Intercâmbio, organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), foi realizado no território quilombola da Bocaina, no município de Piatã (BA), localizado na Chapada Diamantina.

Foram dois dias de vivências e trocas de experiências comunitárias, com o objetivo de fortalecer o enfrentamento e as resistências aos empreendimentos minerários, que têm causado grande destruição ambiental e social na região. A programação do Intercâmbio contou com rodas de conversas, visitas guiadas pelo território de Bocaina, apresentações culturais e celebrações.

O território de Bocaina foi escolhido para o intercâmbio porque, desde 2011, a população tem sofrido com a atividade minerária de exploração de minério de ferro. Após muitas denúncias e enfrentamento à mineradora, as atividades minerárias foram suspensas há dois anos.

Resistência de Bocaina

A comunidade quilombola de Bocaina tem mais de 200 anos de história e é formada por mais de 100 famílias que trabalham na agricultura familiar, cultivando milho, mandioca, feijão, laranja e manga; produzindo mel, azeite de mamona e farinha; fazendo artesanatos e extraindo ervas e plantas medicinais das serras. Essa abundante riqueza da comunidade foi enfatizada, durante o Intercâmbio, por Vanúsia Santos, liderança da comunidade da Bocaina, que também relatou as expressões culturais, como manifestações religiosas de Reisado, as celebrações dos Santos e a montagem de presépios que faz parte da vida da comunidade.

Em 2013, Bocaina conquistou a certificação quilombola da Fundação Palmares, garantindo os direitos da comunidade tradicional. Contudo, dois anos antes, em 2011, a comunidade passou a ser ameaçada pela extração de minério de ferro, que anos depois, foi assumida pela empresa inglesa Brazil Iron. O empreendimento minerário foi instalado ilegalmente, sem as licenças ambientais necessárias para a sua operação, além de descumprir a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a consulta livre, prévia e informada às comunidades tradicionais.

Mina Mocó ao fundo.

A entrada criminosa da mineradora na comunidade Bocaina ocorreu por meio da compra de terras, negociadas individualmente com alguns moradores. Assim, a empresa chegou gerando discórdia entre os/as trabalhadores/as, provocando a desunião, desestabilizando as relações de amizade, vizinhança e parentesco que garantiam o modo de vida comunitário.

A extração desenfreada de minério de ferro, ao longo dos anos, destruiu as serras, alterando completamente a paisagem, comprometendo os quintais e as atividades econômicas das famílias rurais. O pó de ferro espalhado pelo vento afetou diretamente a produção de hortaliças e comprometeu a produção de mel. As explosões para abertura de cavas provocaram rachaduras nas casas e atormentavam com altos estrondos ao longo da noite, comprometendo o bem-estar da comunidade.

O bem mais precioso da comunidade, as águas que vertiam de nascentes da Chapada Diamantina foram contaminadas e exauridas, a ponto de secar poços do córrego Bebedouro. Os conflitos fomentados pela mineradora expulsaram famílias do território, muitas delas abandonaram suas casas, localizadas a poucos metros da empresa. O sossego do modo de vida tradicional foi desmantelado. Os quilombolas sofreram com os riscos de contaminação, falta d’água e o adoecimentos.

“A mineradora desconsidera a vida das pessoas”, disse Catarina Silva, presidente da Associação de comunidades sediada em Bocaina.  “Só sabe o valor da água, depois que o poço seca”, completou Catarina, recitando. Foi a partir desse cenário que a Associação se uniu para enfrentar a mineradora. Com o apoio de diversas entidades populares, como a CPT, foram abertos processos judiciais contra a Brazil Iron nas cortes de justiça brasileira e inglesa. Dessa maneira, em abril de 2022, as comunidades conquistaram uma importante vitória: a suspensão das atividades da mineradora pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA).

Há dois anos, o território quilombola da Bocaina respira dias melhores sem o funcionamento da mineradora. Até as atividades econômicas estão sendo recuperadas. “O alface mesmo, antes você plantava, criava uma poeira de ferro em cima e não produzia, não tinha como comer. A cana também. Tudo… Hoje já dá pra comer, as coisas crescem”, relatou Seu Davi, morador da Bocaina, que comentou ainda sobre a melhora na qualidade do ar e a diminuição da poluição sonora.

Partilha de vivências

O relato sobre a história e luta de Bocaina inspirou as trabalhadoras e os trabalhadores presentes no Intercâmbio a partilhar as vivências em seus territórios que também são atingidos pela mineração. Nos depoimentos de pessoas de lugares distintos, afetadas por diferentes empresas, ficaram explícitas as semelhanças tanto no modo irregular de instalação das empresas, que chegam nos territórios sem consultar as comunidades tradicionais, como nos impactos devastadores às formas de vida, à terra e às águas.

Claudiana Pereira, de Jacobina, destacou a situação das comunidades de Canavieiras, Itapicuru e Jabuticaba, atingidas pela extração de ouro da Jacobina Mineração, do Pan American Silver. As explosões da mineradora causaram graves rachaduras nas casas, expulsando dezenas de famílias da localidade. O deslocamento fez com que muitas delas fossem para a cidade, inviabilizando o modo tradicional de viver: “com a mineração, em qualquer lugar, a cultura morre”, disse Claudiana.

Elizete Moura, da comunidade quilombola Lagoa dos Bois, no município de Nordestina, comentou a respeito dos impactos causados pela maior mineradora de diamante da América Latina, a canadense Lipari Mineração: “Eu moro a 2 quilômetros da mineradora. As detonações são horríveis, todas as casas da comunidade estão rachadas, todas as cisternas, muitas delas já desabaram a tampa de concreto”.

Marila Rodrigues, da comunidade de Itapera, e Márcio Liberato, da comunidade Retiro de Baixo, ambas em Sento Sé, relataram os danos socioambientais causados pela extração de minério ferro da Tombador Iron nas comunidades ribeirinhas. Marila comentou que a produção orgânica de acerola, pela qual a comunidade havia recebido certificação, foi interrompida. “A gente associa que é por causa da poeira”, decorrente da extração mineral e do trânsito intenso de carretas. O impacto negativo na renda das famílias, soma-se aos impactos à saúde, como enfatizou Marcio: “os alunos já usam bombinha para respirar o ar, por causa da poeira constante”.

O trabalhador de Antônio Gonçalves, Viobaldo Farias, chamou a atenção para os impactos causadas por mineradoras de mármore. “Cinco mineradoras na área de fundo de pasto de quatro mil hectares e todas as nascentes estão ali”. Viobaldo também destacou que espaços como o do Intercâmbio são de grande importância para a resistência das comunidades. “Aqui são comunidades tradicionais de fecho e fundo de pasto, assentamentos e os quilombolas, a gente juntou todo esse pessoal que é prejudicado pela questão da mineração. Aqui, o que pude observar é o clamor de todo mundo, cada um de seu jeito, de sua forma de viver na comunidade sendo afetado”, afirmou.

Renovação da esperança

Na manhã do domingo (25), os/as participantes do Intercâmbio se reuniram para uma celebração ministrada pelo bispo da Diocese de Livramento, Dom Vicente Ferreira. Nesse momento, a esperança das trabalhadoras e dos trabalhadores rurais foi renovada pela animação e fé.

Dom Vicente, que também é membro da Comissão de Ecologia Integral e Mineração da CNBB, lembrou da sua vivência durante o crime de Brumadinho (MG), cometido pela mineradora Vale S.A. em janeiro de 2019. Na época, Dom Vicente era bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte. Junto às atingidas e aos atingidos, o bispo se engajou na luta contra a mineração. “Quando alguém me perguntou ‘qual é a transição justa?’ eu respondi, ‘é mudar esse sistema’. Se for para negociar com ele, nós vamos perder.” O caminho de luta, destaca o bispo, é o caminho indicado por Jesus no evangelho de João 6:67-69: “querem também ir embora?”. A resposta dos discípulos fiéis é não, isto é, é seguir firme na luta.

Texto e fotos: CPT Centro-Norte/BA

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