O maior número de registros de conflitos no estado se encontra no eixo terra, com 144 ocorrências, de um total de 171.
A Comissão Pastoral da Terra realizou, no dia 23 de abril, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília – DF, o lançamento do relatório “Conflitos no Campo Brasil 2024”, documento elaborado anualmente desde 1985 pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno. Os dados apontam que o ano de 2024 teve o segundo maior número de registros (2.185) da série histórica, atrás apenas do ano anterior (2.250).
Segundo o relatório, os estados com os maiores números de registros foram Maranhão, com 420, Pará, com 314 e a Bahia, com 171. O eixo terra registrou 1.680 ocorrências, o que representa cerca de 80% do total de 2.185 conflitos no país. No eixo água foram 266; no eixo trabalho, 151; além de 88 manifestações de luta e resistência.
No estado baiano foram registrados 135 conflitos por terra em 2024, com 10.683 famílias impactadas diretamente. Foram construídas 7 ocupações, com participação de 1.463 famílias sem terras, e 2 retomadas, protagonizadas por 51 famílias indígenas.
Dados de conflitos no campo em 2024 registram diminuição no número de conflitos, mas não da violência, indica publicação da CPT“Uma “novidade” em 2024, tratada com muitos dados neste Caderno, é o movimento “Invasão Zero”. Fundado na Bahia, o grupo ruralista, composto por grandes fazendeiros e proprietários de terras, notabilizou-se por ações violentas contra famílias em acampamentos, ocupações e retomada de territórios. Além destas ações diretas em todas as regiões no Brasil, o grupo também exerce influência nas casas legislativas, promovendo projetos de lei que criminalizam as ações e movimentos de luta pela terra.”
“Maria Fátima Muniz de Andrade (Nega Pataxó) foi assassinada em 21/01/24, por um fazendeiro ligado ao movimento Invasão Zero, com apoio da polícia em uma ação articulada contra a retomada indígena Pataxó Hã Hã Hãe. O caso da Nega Pataxó é emblemático e como fato dita os rumos de 2024, uma vez que foi o primeiro assassinato do ano, e pela ação do Invasão Zero, que tem destaque como um dos principais agentes promotores da violência no campo em 2024.”
Nota da CPT em apoio aos Pataxós Hã Hã Hãe e repúdio à violência contra os povos originários
As violências praticadas no estado da Bahia são, na maioria das vezes, direcionadas a lideranças locais e ocorrem dentro dos processos de conflitos que envolvem os demais eixos, principalmente na luta pela terra e por demarcação de territórios. Em relação às violências contra a pessoa, foram registradas 91 ocorrências: 1 assassinato, 69 ameaças de morte, 1 morte em decorrência de conflito, 9 processos de criminalização, 4 prisões arbitrárias, 3 agressões, 3 processos de intimidação e 1 pessoa impedida de se locomover livremente.
“[…] os fazendeiros são o principal vilão do campo brasileiro, ocupando o primeiro lugar no ranking das ameaças de morte, assassinatos, tentativas de assassinato e prisões dos últimos 10 anos e em 2024, seguidos dos grileiros e dos empresários. As categorias que mais sofrem essas violências nos últimos 10 anos são os posseiros, os trabalhadores rurais sem-terra e os indígenas. No entanto, em 2024, os quilombolas são quem mais sofrem ataques relacionados a ameaça de morte; os indígenas os que mais sofrem assassinato e tentativa de assassinato e os trabalhadores rurais sem-terra, por sua vez, os que mais são presos.”
Conflitos por terra e água aumentam e revelam o acirramento da violência no campo brasileiro em 2024Segundo dados da CPT, o Brasil registrou no ano passado 266 ocorrências de conflitos no eixo água, um aumento de 16% em relação ao ano anterior. Na Bahia foram 22 ocorrências, quarta posição no país, com 3.646 famílias impactadas diretamente pela destruição e/ou poluição dos recursos hídricos, diminuição ou impedimento do acesso à água. As comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto e quilombolas são as mais afetadas por esse tipo de conflito.
Leia sobre o Diagnóstico das comunidades sobre a morte das águas nas sub-bacias dos Rios Corrente e Cariranha elaborado ao longo de 2023 e 2024 pela CPT-BA, organizações parceiras e comunidades:
A morte das águas no Oeste da Bahia.
Já no âmbito das questões trabalhistas, a CPT aponta que a região sudeste teve o maior número de trabalhadores resgatados, principalmente em lavouras de café e cebola. Na região nordeste, as atividades onde mais foi identificado trabalho escravo rural foram a mineração e a produção de etanol. No centro-oeste do país, foram a pecuária e o cultivo de cana-de-açúcar. No norte, prevaleceram os resgates no garimpo e no desmatamento ilegal e no sul, no cultivo de maçã e na lavoura de uva.
Em 2024, 1.622 trabalhadores rurais foram resgatados do trabalho escravo, aponta publicação da CPT
“Parcela considerável de trabalhadoras e trabalhadores têm encontrado nas lavouras diversas, como a do café, do milho e da soja, os meios de continuarem colocando em prática suas experiências com o trabalho no campo. Mas pela manutenção da escravidão, são enganados e explorados, não são valorizados, não recebem o proporcional da riqueza que produzem.”
A Bahia registrou 5 conflitos trabalhistas, com 27 trabalhadores envolvidos, nos municípios de Ibititá (lavoura de fibra de sisal), Ituaçu (colheita de café), Morro do Chapéu (lavoura de fibra de sisal) e Nazaré (criação de gado de corte).
“A toda esta violência, se contrapõe a resistência e a luta de muitas comunidades de posseiros, de quilombolas, de indígenas, de sem-terra, de ribeirinhos e de pescadores, mulheres e homens, jovens e anciãos que teimam em defender seus territórios, lutar por seus direitos, garantir suas vidas e a vida da Mãe Terra e de tudo e todos que nela habitam.”
Mesmo enfrentando esses cenários nada propícios, o povo segue em luta para defender seus territórios e direitos. O Brasil registrou 649 “ações coletivas dos trabalhadores e trabalhadoras da terra e das águas que protestam contra atos de violência sofrida ou de restrição de direitos, reivindicando diferentes políticas públicas e ou repudiam políticas governamentais ou exigem o cumprimento de acordos e promessas”.
O estado baiano registrou 56 ocorrências de manifestações de luta com pautas que envolveram especialmente as lutas pelas demarcações de territórios indígenas e quilombolas, pela reforma agrária, pela proteção ambiental e em defesa de direitos humanos.
Em 2025, ano em que completa 50 anos, a Comissão Pastoral da Terra segue afirmando a importância da sistematização dos dados referentes aos cenários sociopolíticos que envolvem as comunidades do campo e reitera seu compromisso com as lutas em defesa dos territórios e direitos dos povos da terra, da água e das florestas.
“Não poderá haver paz duradoura, nem compaixão divina, se a arrogância e a violência de poderosos tiverem a última palavra. A última palavra é de quem resiste”.
Texto: Helenna Castro (CPT Sul-Sudoeste)
Revisão: Diosvaldo Filho (CPT Centro-Oeste)