Um ano e cinco meses após o desastre criminoso da empresa Samarco, em Mariana, um grupo de quarenta pessoas, do centro norte do estado da Bahia, participaram de um intercâmbio na região, realizado pela Comissão Pastoral da Terra – CPT das regionais Bahia e Minas Gerais, nos dias 05 e 06 deste mês.
Entre os participantes estavam representantes de comunidades ameaçadas e impactadas pela mineração, dos assentados, dos acampados, pequenos agricultores, líderes de comunidades e associações, políticos, e também integrantes de instituições parceiras como a Coordenação Estadual dos Trabalhadores Acampados e Assentados- CETA, Escolas de Famílias Agrícolas – EFA, Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – Irpaa, Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, Movimento dos Atingidos por Barragem – MAB, entre outras.
No primeiro dia do intercâmbio, os participantes se encontraram com alunos (as) e educadores (as) da Escola Família Agrícola Paulo Freire de Acaiaca. Juntos visitaram Barra Longa, uma das comunidades atingidas pela lama tóxica, onde o rio que era vida, hoje corre como sangue de uma nação esfaqueada pelo desenvolvimento – pelo mito do progresso.
Segundo Gilmar de Souza Oliveira, diretor da EFA Paulo Freire, foram 20 km de lama com 15 metros de altura pelo Rio do Carmo acima ao encontrar com o Rio Gualacho. “A lama arrastou tudo que encontrava pela frente, como a riqueza dos solos. Muitos criadores, agricultores e pescadores perderam sua fonte de renda. E as pessoas que foram enxotados para cidade sofrem com o desemprego e preconceito. Os filhos sofrem bullying diariamente por impedir o funcionamento das mineradores criminosas, enquanto os criminosos andam livremente de casa em casa”, disse.
Outro local visitado foi a cidade Paracatu de Baixo, em meio ao silencio, ruínas, cercas, cancelas e sirenes. Marino Dangelo, um dos moradores impactados e presidente da Associação dos Produtores de Leite, afirmou que hoje a comunidade vive sobre a vigília de alarmes sonoros do medo e da intimidação. “Aqui era um lugar tranquilo, não eram só casas, mas um espaço de cultura, onde as pessoas rezavam, estudavam, se divertiam e tiravam o seu sustento”, reforçou.
No segundo dia do intercâmbio, a caravana se encontrou com Letícia Oliveira, representante do Movimento dos Atingidos por Barragem – MAB, que apresentou a situação da região, e alegou que as três empresas (Samarco/Vale e BHP) criaram uma nova fundação, com um novo CNPJ para arrecadar dinheiro público e resolver as questões ambientais. “Na verdade essas mineradoras estão expandindo poder e prestígio político pela bacia hidrográfica do Rio Doce, enquanto o conceito de atingido se arrasta pela Câmara Estadual sem uma definição definitiva. Essa indefinição dificulta a garantia integral aos direitos e jogam pessoas contra pessoas”, afirmou.
Em Bento Rodrigues, local mais atingido pela lama, por exemplo, a empresa conseguiu licença para construir quatro diques e reter a lama, e o dique S3 fica justamente dentro da comunidade e tem a intenção de ocultar os danos, segundo explicam Dangelo e Letícia. De 09 barragens existentes no Estado, 06 correm riscos de desabar, como é o caso da barragem do Germano que tem um volume dez vezes maior que a barragem do fundão quando rompeu (uma média de 400 milhões de m³ de lama toxica, na do Fundão foram 22 milhões de m³).
A previsão para que o rio adquira vida novamente é de mais de 35 anos. Mas como adquirir vida em um lugar onde as empresas não querem ser afastadas e o meio ambiente vive sob o risco eminente de novos desastres? A região vive bárbaros dilemas entre o mero rentismo e a sustentabilidade. Por enquanto, a ganancia tem isolado as pessoas, dispersado a organização, comprado consciências e mídias, mas mesmo assim a resistência dos povos ainda é forte e a natureza sempre aguarda as devidas respostas.
Claudio Dourado/ CPT Bahia – Equipe Centro Norte