“Malditas sejam todas as cercas! Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e amar! Malditas sejam todas as leis amanhadas por umas poucas mãos anos” – Pedro Casaldáliga
Chegamos a mais um 13 de maio comemorando uma abolição que nunca saiu do papel: mulheres e homens negros não poderiam ser livres com a terra cativa. A Lei Áurea foi promulgada em 1888, quase 40 anos depois da Lei de Terras, que instituiu a propriedade privada da terra no Brasil, perpetuando a concentração fundiária. Com isso, restou aos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras uma liberdade que não se efetivou, limitada por condições de vida precárias.
Com muito suor e luta dura, ao longo desses quase 135 anos, direitos foram conquistados. Em 1988, cem anos após a Lei Áurea, o direito ao trabalho digno tornou-se uma obrigação constitucional. A realidade, porém, se materializa de outra forma. O trabalho escravo contemporâneo é uma realidade em todos os estados do Brasil, no campo e na cidade. Desde 1995, mais de 58 mil pessoas foram resgatadas de condições degradantes de trabalho, da servidão por dívidas, do trabalho forçado e de jornadas exaustivas.
E isso pode piorar: a classe trabalhadora enfrenta atualmente momentos de terror. Os que sobreviveram à pandemia – apesar de um governo de morte – se veem diante da desestruturação da vida: enquanto os ricos ficaram mais ricos, os preços dos alimentos e de outros itens essenciais dispararam, a miséria se expandiu, as condições de trabalho se deterioraram, direitos foram perdidos. Territórios camponeses e indígenas, com incentivos do presidente Bolsonaro, estão sendo invadidos, saqueados e envenenados, em um rastro de destruição, violência e morte. Mais e mais pessoas podem ter de se sujeitar a situações cada vez mais precárias de trabalho.
O que vivemos hoje nos revela que, no capitalismo, não há evolução rumo a um mundo de liberdade, igualdade e fraternidade: cada direito conquistado pode ser retirado; após um degrau alcançado, pode se abrir um abismo. A reforma trabalhista de 2017 ampliou a fragilidade de trabalhadores e trabalhadoras. A precariedade das condições de trabalho se fez regra e foi legalizada. A informalidade, o “empreendedorismo”, a pejotização e a uberização atingem mais de 50% dos trabalhadores brasileiros, sob a falácia da liberdade. E isto é muito grave: a maior parte da classe trabalhadora já trabalha sem direitos e sem proteção social, sem garantias no presente e sem perspectivas de futuro.
Nesse contexto, o trabalho escravo contemporâneo encontra terreno fértil para se proliferar. Como fazer valer os direitos quando não se tem comida na mesa? Como denunciar sistemáticas situações de exploração quando não há outra opção de trabalho decente? Um serviço ruim é melhor do que nada. Para combater o trabalho escravo, portanto, é preciso combater suas causas estruturais e construir outro horizonte de vida.
Apesar da desolação que nos assombra, lembramos: é também nos momentos terríveis que os processos de luta brotam. Já passou da hora de dizer “Basta!”. Se é fundamental tirar Bolsonaro do poder, é imprescindível romper com as cercas que tornam trabalhadores e trabalhadoras competidores entre si, é preciso romper as cercas do latifúndio que explora e mata, é preciso parar as máquinas que abrem buracos e roubam a vida dos territórios. É preciso um outro projeto de país, que não seja como um celeiro ou uma pastagem do mundo. Esse modelo se mostra agora, mais do que nunca, falido, insustentável, insuportável.
Neste momento, conclamamos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade a aprender com indígenas, quilombolas e demais comunidades camponesas que têm mostrado que a luta se faz no chão. A luta se faz em resistência aos que passam o trator por cima da diversidade para implantar monoculturas. A luta se faz em teias, lado a lado, na irmandade, em solidariedade. A luta é por uma vida digna e plena, por horizontes de Bem-Viver.
É hora de nos unirmos e lutar! Já basta! Chega de trabalho escravo! Não a qualquer tipo de exploração!
Campanha De olho Aberto para não virar escravo – Comissão Pastoral da Terra
Brasil, 13 de maio de 2022