Carta da XVIII Assembleia da CPT/BA, ocorrida entre os dias 12 e 14 de abril, denuncia os retrocessos políticos que estão em curso no campo e na sociedade brasileira, como um todo, e aponta o trabalho de base e a educação popular como prioridades de ação para a pastoral no próximo triênio. Confira a Carta na íntegra logo abaixo!
“A luta pela Terra é a mãe de todas as lutas”
Carta da XVIII Assembleia da CPT Bahia / Sergipe
“Vim trazer fogo à terra e como
gostaria que já estivesse queimando!”
(Lucas 12,49)
Em meio à crise generalizada que assola o País, a Comissão Pastoral da Terra Bahia/Sergipe, vinda das lutas pela terra e pela dignidade da vida na terra, juntando forças para resistir e alimentar esperanças, reuniu-se em sua XVIII Assembleia Regional, entre os dias 12 e 14 de abril de 2016, no Recanto Maria de Nazaré, em Feira de Santana, onde há 40 anos foi criada. Tomados pela perplexidade do momento nacional, mas animados pelo lema do IV Congresso Nacional da CPT (Porto Velho, 2015) “Faz escuro, mas eu canto: memória, rebeldia e esperança dos pobres da terra”, 34 trabalhadores e trabalhadoras rurais, agentes pastorais e assessores puderam refletir sobre a conjuntura atual, avaliar o último triênio de trabalho, definir prioridades e estratégias para os próximos anos e eleger nova coordenação.
Os angustiantes retrocessos políticos em curso só agravam a situação e as perspectivas para o campo na Bahia e no Brasil. Os testemunhos de trabalhadores/as e agentes teceram um quadro de mazelas vividas cotidianamente pelas comunidades camponesas e também urbanas, nos quatro cantos do estado: perda das terras e territórios, destruição de nascentes e matas, expulsão das famílias, desemprego e carestia, violência física e simbólica, degradação cultural etc. Fica explícito que o atual modelo econômico-político, baseado na produção e exportação de commodities dos setores do agronegócio, energia e mineração, com as obras públicas e privadas de infraestrutura a serviço deles, não tem limites e supõe e requer a grilagem da terra e dos territórios dos camponeses e dos povos e comunidades tradicionais, em especial indígenas, e mesmo seu aniquilamento. O recrudescimento da violência no campo, sobretudo com os assassinatos de camponeses e indígenas e suas lideranças, não deixa dúvidas: estamos, em pleno global século XXI, vivendo um novo ciclo de expropriação camponesa e acumulação capitalista da terra.
Impactos se dão por primeiro no campo fundiário e ambiental, em que territórios e áreas pleiteadas para a Reforma Agrária são disputados por ávidos interesses empresariais e bens naturais são tomados como inesgotáveis e meras mercadorias, sob o falso e velho discurso do “desenvolvimento”, ao revés das evidências de reconcentração da renda e da riqueza e do que a própria natureza vem crescentemente sinalizando com a exaustão de recursos e ciclos naturais, como na crise hídrica. Evidenciou-se para nós que a crise política, que chega ao auge nesta semana de votação do impedimento da presidente no Congresso Nacional, tem muito de fabricada, nada tem de ética e visa o controle absoluto do Estado para uma nova e mais aprofundada fase deste modelo predatório, corrupto e aniquilante de bens comuns e direitos. Seja qual for o resultado, entraremos numa período ainda mais difícil de luta e resistência popular, à qual não nos furtaremos! Não abrimos mão desta democracia, mesmo com seus óbvios limites, e exigimos respeito às regras estabelecidas e uma reforma política radical conduzida pela sociedade civil organizada.
Este horizonte sombrio nos provoca a um olhar para trás, quando as organizações populares tiveram êxito em um processo de repensar a sociedade brasileira a partir do povo, nos movimentos de educação de base, alicerçados nos métodos da Educação Popular, na emancipação e autonomia dos pobres e em um projeto para o Brasil. Sob esta inspiração histórica, urge retomar as iniciativas de educação, organização e mobilização populares para reinventar a luta, a sociedade e a política. Nesta caminhada, de onde, como Pastoral da Terra, nunca arredamos pé, nos reencontramos – o que nos permite vislumbrar horizontes menos sombrios, não só para o País, mas também para a América Latina, a Pátria Grande, e todo o Planeta.
A avaliação dos trabalhos revelou que, apesar das adversidades, o povo lutou e resistiu em defesa dos seus direitos; empreendimentos degradantes foram barrados ou condicionados; comunidades unidas conseguiram manter seus territórios e modos de produzir e viver e mesmo nestes avançar. Muito foi feito e os resultados, insuficientes, apontam para a necessidade de continuar fazendo. A articulação e a troca de experiências entre os diversos grupos e povos, em intercâmbios, redes e “teias”, mostram o quanto é importante a construção coletiva do conhecimento, que nasce da prática cotidiana e da luta. A agroecologia aparece aí como elemento unificador e provocador de que os povos tradicionais e comunidades camponesas possuem um modo de vida e de trabalho e de relação com os bens da terra e entre si – marcados pelo Bem Viver em construção permanente – que sinaliza na direção do que pode e deve ser a superação das crises atuais do País e da humanidade. Não se trata de uma impossível volta ao passado, mas de reconstrução destas relações vitais, na contemporaneidade, em base a estes princípios essenciais, a Vida e as vidas acima das mercadorias e do lucro. Este o novo sentido da Reforma Agrária para os sem-terra e os povos territoriais.
Neste rumo, entendendo que a “luta pela Terra é a mãe de todas as lutas”, vão as prioridades e estratégias definidas para os próximos três anos da CPT Bahia/Sergipe: apoio às lutas pelos territórios e pela reforma agrária e de enfrentamento aos projetos do capital (agronegócio, de energia – barragens e parques eólicos – e mineração), lançando mão do trabalho de base / educação popular / formação política comunitária e da comunicação alternativa e alterativa. Comemorando os 40 anos da CPT no Brasil e na Bahia, reafirmamos nossa posição de autonomia político-pastoral a serviço do protagonismo camponês, para o que vão se tornando mais urgentes a sustentabilidade de nosso trabalho e a contribuição de agentes voluntários.
O momento é de vigília permanente em defesa da democracia e da dignidade do povo brasileiro. Nesta sua XVIII Assembleia assumimos dar prosseguimento à histórica atuação da CPT Bahia/Sergipe junto aos povos e comunidades do campo, em suas trincheiras de resistência a todo tipo de golpe contra a terra e os territórios de vida na Terra. Renova-se em nós o desejo do “fogo” revolucionário e libertador de todas as opressões, que Cristo veio trazer à terra, por uma nova forma de nela bem viver.
Feira de Santana – BA, 14 de abril de 2016.