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CPT BAHIA

Crônica: O encontro da colônia do boi com o culto ao silvestre. Por Claudio Dourado.

Nesta semana da água, gostaria de partilhar uma experiência de um território geográfico definido pela natureza, onde todas as suas riquezas são conduzidas a um ponto comum, a manutenção da vida.

Viviam tranquilamente, neste território, comunidades diversas, até o surgimento de duas grandes pressões econômicas, o imaginário próspero das capitanias de Recife e São Vicente, que mudaram definitivamente a relação destas pessoas com a natureza. O caos Jurídico e carência de políticas públicas fizeram com que comunidades inteiras fossem criando uma relação de dependência com o latifúndio, com o garimpo ou fugissem para as proximidades dos rios, afinal o rio não deixa o pobre morrer de fome.

As mulheres sonhavam com um destino diferente. Cansadas de ver as madeiras, os diamantes e os esposos partirem sem nenhum retorno, decidem que seus filhos seriam adotadas por mães que garantissem o sustento com os pescados, as frutas, as verduras, que limpassem as roupas, a casa, as mobílias e a alma. Com todas as honras compartilharam seus familiares por mais de 150 mães, todas com nomes, identidades próprias e muita força. Estas experiências foram segredos entre as mulheres.

Os fazendeiros obrigavam os posseiros a derrubarem as matas e usarem as correntezas como meio de transporte, os coronéis obrigavam os garimpeiros a derrubarem as barrancas para extrair o diamante. Muitas mães morrem neste período, outras passam a agonizar. Os bois tomam o espaço das famílias, mesmo assim os homens mantém-se leais aos fazendeiros e aptos a lutarem para manter as estruturas de dominação, mas foram expulsos deste território, de suas posses. Sem saídas decidem ouvir as mulheres e se juntam para erguer 80 comunidades livres do latifúndio arcaico e sonham com um espaço bonito, preservado e livre, um parque ambiental.

Contudo, estas comunidades não criam autonomias. Agora é o Estado que ameaça estes povos, impedindo que os filhos tenham acesso a estas mães, tudo em nome do desenvolvimento. O Estado decreta que todos os filhos sejam apenas “usuários” e sem nenhum planejamento permite que as veias destas guerreiras sejam perfuradas e canalizadas para suas plantações, e assim agonizam e morrem as últimas mães. Filhos e filhas que não se renderam ao capital morrem juntos.

Monta-se um grande velório. O IMENA fica responsável em selecionar, os herdeiros deste chão, homens brancos e capazes de fortalecer o agronegócio. Cria-se uma comissão para cuidar do ambiente, mas as empresas tomam conta da entrada e impedem que os parentes velem os corpos acinzentados, por falta do liquido precioso que gera vida, por hora se transforma em mercadoria e são especuladas nas bolsas de valores. Os filhos consternados convocam a todas as cidades que se mobilizem contra esta guerra e promete, como recompensa, água abundante em todos os lares.

O dilema da Bacia hidrográfica do rio Paraguaçu.

Texto e fotos: Claudio Dourado/ CPT Bahia.

Foto da capa: Tiago Aragão/ CPT Bahia.

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