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CPT BAHIA

Cultivando autonomias – Mulheres camponesas refletem sobre agroecologia, gênero e autocuidado

A luta pelos direitos das mulheres, tanto no campo quanto na cidade, é uma trajetória histórica de resistência e enfrentamento. Ao longo do tempo, muitas mulheres dedicaram suas vidas a essa causa, e suas histórias de coragem continuam a fortalecer o movimento de auto-organização feminina. Essa mobilização busca o empoderamento coletivo para a reivindicação de direitos.

Nossa luta se materializa em espaços de troca e fortalecimento, como o 2º Encontro de Mulheres Camponesas – “Cultivando Autonomias”,  realizado no mês de março, em Feira de Santana, uma construção coletiva entre a CPT Bahia e as mulheres camponesas.

 Durante o encontro as mulheres refletiram sobre a agroecologia e seu papel na vida camponesa, conectando essa discussão ao cuidado com as mulheres e à interdependência entre corpo e território. Reconhecer o papel das mulheres na manutenção da vida e na defesa dos seus territórios é uma necessidade urgente. Para isso, é fundamental compreender o conceito de corpo-território, que relaciona o corpo feminino à terra. Assim como os territórios camponeses sofrem invasões, conflitos, exploração e degradação ambiental, os corpos das mulheres também são alvo de violências estruturais, como assédio, estupro e feminicídio.

Quando o território sofre com a grilagem e a invasão de mineradoras, a degradação ambiental impacta toda a comunidade, tornando urgente a busca por alternativas como acesso à água limpa e alimentos sem contaminação. Nesse contexto, as mulheres assumem um papel ainda mais intenso, pois, além de suas responsabilidades diárias, são elas que cuidam das pessoas adoecidas, enfrentando um desgaste físico e emocional profundo.

Lutar pelo território é também lutar pelo direito ao próprio corpo, à autonomia e à vida. Na América Latina, esse conceito tem sido amplamente utilizado por movimentos feministas e agroecológicos para evidenciar como a colonização, o patriarcado e o capitalismo afetam tanto os corpos das mulheres quanto os territórios onde elas reproduzem a vida.

Além disso, a noção de território vai além do espaço físico: ele também se constrói por meio das relações sociais e das estratégias de reprodução da vida entre os sujeitos e o meio ambiente. A cooperação, a organização social, a produção sustentável, a conservação das águas e da terra e a preservação da cultura geram, conjuntamente, direitos e obrigações para homens e mulheres. Nesse sentido, a responsabilidade pelo cuidado com a “casa comum” não é individual, mas coletiva. Como nos lembra o Papa Francisco em sua encíclica Laudato Si’, “tudo está interligado, como se fôssemos um, nesta casa comum.”

Agroecologia e gênero

Beth Siqueira. Foto: Helenna Castro.

No diálogo com as mulheres de diferentes regiões, “ficou evidente que a agroecologia integra elementos étnicos, culturais, políticos, fortalecendo a vida humana. Isso se manifesta, por exemplo, no combate à violência contra mulheres, jovens, indígenas, quilombolas e pescadores. Questões sociais são fundamentais no trabalho agroecológico“, como destacou Beth Siqueira, integrante da Rede Feminismo e Agroecologia do Nordeste, que participou desse momento de construção coletiva do conhecimento.

As mulheres também refletiram sobre a questão de gênero e a desconstrução dos padrões sociais impostos, que determinam os papéis de homens e mulheres na sociedade. 

“Descobrimos que somos diversas e que buscamos dar sentido à nossa existência, sem reproduzir modelos pré-estabelecidos. Lutar contra o machismo, que coloca a mulher num lugar de opressão e subordinação é lutar contra o patriarcado que faz com que as oportunidades para as mulheres não sejam iguais aos homens. A construção social das desigualdades impõe às mulheres um esforço maior para viver e se posicionar na sociedade, resultando em dor e sofrimento”.

Beth Siqueira 
Foto: Helenna Castro.

Para Eva Maria de Jesus, representante da Rede Mulher de Pilão Arcado, “o evento foi um momento essencial de aprendizado e união. O encontro foi muito gratificante, porque vimos participantes de várias regiões da Bahia com o mesmo objetivo: unir nossas forças como mulheres para mostrar à sociedade a importância do nosso trabalho. Os temas discutidos vão ajudar na nossa caminhada dentro das comunidades. Muitas mulheres ainda sentem medo, sofrem violência e se escondem, mas, com o trabalho uma das outras, encorajando e levando o que aprendemos vai ser muito importante para a liberdade de todas”.

Foto: Helenna Castro.

Autocuidado e fortalecimento comunitário

As mulheres relataram suas vivências, refletindo sobre o cuidado físico, emocional, relacional, ambiental e espiritual como um caminho para o empoderamento e a construção coletiva.

Uma frase marcante dita por uma das mulheres e destacada pela psicóloga e professora universitária Clara Maria sintetizou esse pensamento: “Uma pessoa curada cura outras pessoas”. A partir dessa reflexão, discutiu-se como o reconhecimento das próprias histórias e processos de cura pode transformar tanto a vida individual quanto a das comunidades.

Foto: Helenna Castro.

As atividades foram conduzidas de forma dialógica e dinâmica, estimulando o autoconhecimento e a escuta ativa. No início, para algumas mulheres, permitir-se ser cuidada foi um desafio, mas à medida que a confiança crescia, abriu-se espaço para a integração e o acolhimento mútuo. O debate reforçou a importância dos grupos de escuta nas comunidades e da inclusão da saúde mental nas políticas públicas, garantindo acesso ao cuidado profissional e coletivo.

Foto: Helenna Castro.

O encontro reafirmou que as mulheres camponesas, que sustentam a terra, produzem alimentos e fortalecem suas comunidades, também precisam de espaços de acolhimento e valorização. O fortalecimento da autonomia feminina e a criação de redes de apoio são determinantes para seguir transformando a realidade do campo.

Texto: Priscila Helena Machado (CPT Centro-Norte).

Edição: Amanda Alves (CPT Centro-Oeste).

Fotos: Helenna Castro (CPT Sul-Sudoeste).

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