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CPT BAHIA

DAS PROFUNDEZAS DAS ÁGUAS A FORÇA DAS MULHERES DO CERRADO DO OESTE BAIANO

Articulação de Mulheres Pelo Cerrado do Oeste da Bahia.

Entre os dias 21 a 23 de março, o município de Correntina sediou a terceira edição do Encontro e Feira das Mulheres pelo Cerrado do Oeste da Bahia, com a acolhida de mais de 100 mulheres, vindas dos municípios do Oeste Baiano, dentre elas ribeirinhas, agricultoras familiares, geraizeiras, quilombolas, fecheiras de fundo e fecho de pasto, extrativistas, artesãs, artistas, benzedeiras,  agrofloresteiras, quebradeiras de coco babaçu, benzedeiras, raizeiras, trabalhadoras do campo e da cidade.

 A terceira edição do encontro, foi um espaço de troca de experiências, saberes, sabores e articulações em defesa do Cerrado em pé, das águas, dos povos e comunidades tradicionais e pela vida das mulheres.

Com o tema “das profundezas das águas a força das mulheres “, foi homenageada a Dona Maria de Lara, nascida em 1932 na Comunidade de Bom Sucesso em Correntina, uma benzedeira, defensora do Cerrado, que partiu em 2012, deixando seu legado poético, cultural e social. A canção “Batuque da Ema Regateira” de Maria de Lara reproduz a cultura e ancestralidade desse povo tão diverso de cultura popular. 

 O encontro pautou temáticas solicitadas anteriormente pelas mulheres, dentre algumas a conjuntura sociopolítica e econômica do Brasil e internacional, as mudanças climáticas e a COP 30, o desaparecimento das águas e da biodiversidade, as cadeias socioprodutivas do Cerrado que geram economia e segurança alimentar e ainda teve oficinas de composição visual e autocuidado das mulheres. 

DIA MUNDIAL DA ÁGUA

“TRAGA-ME UM COPO D’ÁGUA,

TENHO SEDE E ESSA SEDE PODE ME MATAR”

Um dos momentos mais fortes do encontro aconteceu no Dia Mundial da Água, nas margens do Rio Correntina, as mulheres somaram as águas de diversos rios das bacias do Corrente e do Grande e abraçaram e clamaram pela vida dos rios que estão agonizando. Denunciaram o uso predatório das águas e o avanço das monoculturas que retiram a vegetação nativa do Cerrado, ameaças aos povos originários e tradicionais, criando cenários de desertos em toda região. 

O Cerrado já foi considerado o berço das águas do Brasil, mas esse cenário tem sofrido grandes modificações, nele brotam as nascentes de oito das 12 bacias hidrográficas mais importantes do país. É também o segundo maior reservatório subterrâneo de água do mundo, formado pelos aquíferos Guarani e Urucuia. Mesma com tamanha importância para a segurança hídrica do país, o bioma tem sido um dos mais devastados ao longo das últimas décadas, e o Oeste Baiano, que fica localizado na região conhecida como MATOPIBA – acrônimo que se refere aos estados do MAranhão, TOcantins, PIauí e BAhia tem batido recordes de desmatamento nos últimos anos.

Um estudo realizado entre 2023 e 2024,  pelos pesquisadores Thiago Damas, da Universidade Federal Fluminense – UFF, e Eduardo Barcelos, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano, campus Valença – IFBaiano / Valença, com a Comissão Pastoral da Terra – CPT, Pastoral do Meio Ambiente – PMA,  em parceria com a  CESE  – Coordenadoria Ecumênica de Serviço e diversas outras organizações da região e as comunidades, aponta que somente nas sub-bacias hidrográficas dos rios Corrente e Carinhanha, foram identificados 3.050 trechos de águas já secas ou águas mortas. Entre córregos, riachos, nascentes e cabeceiras de rios, num total de 7.120 km de extensão de águas mortas. Um único CPF no município de Correntina detém 466,8 milhões de litros de água por dia, considerando que a média de consumo de um brasileiro, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento – SNIS, é de 148 litros por dia, somente esta outorga abasteceria a população de 97 Correntinas. São inúmeros “piscinões” (grandes tanques a céu aberto) e poços de alta vazão que retiram a água do aquífero Urucuia. 

As mulheres do Cerrado ecoaram em uma só voz: “ÁGUA É DIREITO NÃO MERCADORIA” 

FEIRA E NOITE CULTURAL

 A 3ª Feira e Noite Cultural, foi realizada no centro da cidade, reunindo muitas pessoas, que puderam conhecer a riqueza dos saberes ancestrais, sabores, culturas e os caminhos de bem-viver dessas mulheres.

As expositoras, que trouxeram uma diversidade de produtos derivados das cadeias produtivas do Cerrado e da agricultura familiar, doces, geleias, artesanatos, cosméticos, biscoitos, frutas, raízes, óleos, mel, licores, paçocas, cachaça, molhos, mel, etc.  Uma verdadeira exposição de sistemas alimentares saudáveis e saborosos, por trás de cada um, existe um consumo consciente, uma cultura sustentável que respeita a conservação do Cerrado, por meio do uso sustentável da sua biodiversidade.

No palco cultural, 4 mulheres potentes da banda Forró Quentim, que veio do Goiás alegrou a noite, foram muito forró e cantigas tradicionais. Ainda uma linda homenagem a Maria de Lara com a cantada do Batuque da Ema Regateira pelo artista Iremar Barbosa.

 

ECOANDO A VOZ DAS MULHERES

 Nós mulheres pelo Cerrado denunciamos:

✔ As grilagens dos territórios tradicionais, pistolagem, especulação, expulsão das comunidades tradicionais, envenenamento de nossas águas, ar e alimentos, desaparecimento das águas, desmatamentos, extermínio da fauna, da flora e das culturas do nosso Cerrado;

✔Denunciamos a ausência de regularização fundiária de nossos territórios e a expansão das fronteiras agrícolas associada ao latifúndio, ao aumento da violência, o uso abusivo de agrotóxicos, as altas taxas de adoecimento por câncer em nossa região;

✔Denunciamos que a população ribeirinha do Rio Arrojado está há meses sem condições de consumir a água, devido alterações na sua coloração e odores;

✔ ️ Denunciamos que a PCH Santa Luzia em São Desidério continua em obras, mesmo estando embargada, sob a desculpa de realizar obras de segurança e outros projetos de barragens previstos para a região. 

✔ ️Denunciamos a invasão do agronegócio nas Escolas e Universidades onde estudam nossas crianças e jovens, implantando a monocultura das mentes, reproduzindo outros modos de ser e de fazer de um sistema dominante, que não valoriza e respeita nossas existências, modos, costumes e valores. 

✔ Não basta emplacar na grande mídia a narrativa que o agro é pop é tudo, ainda invadem e interferem todo sistema de políticas públicas em nossos municípios, com distribuição donativos, principalmente nas Políticas Públicas de Assistência Social, Educação, Meio Ambiente e Agricultura;

✔ Denunciamos a chegada de obras de infraestrutura sobrepondo os territórios e populações tradicionais como linha de transmissão de distribuição de energia elétrica, subestações, ferrovia oeste leste -FIOL, planejadas e executadas para responder às demandas do agronegócio; 

✔ ️ No Oeste Baiano todos esses processos têm avançado com a conivência e, muitas vezes, apoio do Estado. Uma realidade dura que assola os povos e comunidades tradicionais;

✔ ️ Destacamos o adoecimento das mulheres frente às violências sofridas pela invasão dos territórios, sobrecarga de trabalho, a ausência da divisão justa do trabalho doméstico e a todas as formas de violência que nos atravessam.

ANUNCIAMOS 

Nós mulheres somos sementes boas. Anunciamos:

O Cerrado em pé;

A resistência; 

A agroecologia;

A agricultura familiar;

Soberania alimentar;

A economia popular solidária;

A preservação das águas;

A sociobiodiversidade;

As nossas culturas e saberes ancestrais;

A conexão das mulheres com o Cerrado;

O equilíbrio entre a energia feminina e masculina;

A luta contra a discriminação e pela igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres;

A liberdade do corpo feminino;

Empoderamento feminino;

O sagrado feminino;

A sororidade; 

A auto estima e autocuidado das mulheres;

Somos nós que alimentos nossos filhos e os filhos de outras mulheres sem medo, pois produzimos alimentos saudáveis.

Diante do que relatamos e vivenciamos durante esses três dias e que passamos diariamente em nossos territórios e corpos, reafirmamos que seguiremos de pé, firmes na defesa de corpos-territórios, somos ele, na defesa intransigente de todos os nossos direitos e modos de vida, seguimos de mãos dadas e resistiremos ao crime sistemático de eco-genocídio contra o Cerrado e seus povos. Pelas que vieram antes de nós, por nós e pelas que virão, que precisamos do Cerrado em pé para alimentar nossa ancestralidade. 

O 3º Encontro de Mulheres pelo Cerrado do Oeste Baiano, foi uma construção coletiva entre a Articulação de Mulheres pelo Cerrado do Oeste da Bahia e a parceria de organizações da sociedade civil, companheiras e companheiros.

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