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CPT BAHIA
Espaço “Mulheres e Territorialidades” debateu os desafios e perspectivas das organizações populares na UESC
21 de março de 2025
Estudantes e professores dos cursos de Agronomia, Geografia e Ciências Sociais da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e integrantes de organizações populares construíram o encontro “Mulheres e Territorialidades”, que debateu os desafios e perspectivas das organizações populares, no dia 20 de março.
O encontro se iniciou com uma mística em memória e celebração de mulheres importantes para os participantes e para a luta por direitos, como nossas próprias mães, amigas, referências teóricas e políticas, além de grandes lideranças populares, a exemplo de Dandara dos Palmares. Ao som do berimbau, entoamos uma canção que nos lembra que as mulheres da classe trabalhadora são mulheres de luta!
Mística inicial. Foto: Solange França (UESC Rural)Mística inicial. Foto: Solange França (UESC Rural)
“Quando eu crescer, quero ser meio você Com muita força e amor, alma que brilha inquieta Mulher de luta sim senhor, mulher de luta sim senhor”
Dandara Manoela
Apresentação de Helenna Castro. Foto: Solange França (UESC Rural).
A apresentação de Helenna Castro, comunicadora popular, escritora e agente da CPT-BA, trouxe uma análise da atual conjuntura política brasileira, com ênfase em como os cenários sociais influenciam na continuidade da luta e da organização das mulheres de todos os tipos de territórios, mas especialmente das camponesas.
Dentre os desafios históricos apontados foram estão as conquistas de políticas públicas que visem combater as violências contra as mulheres; que proporcionem autonomia financeira e profissional no campo e na cidade; e que garantam direitos básicos, como acesso à saúde e à educação públicas, gratuitas e de qualidade, incluindo nesse bojo a justiça reprodutiva e a ampliação da educação sexual e de gênero.
A precarização e o abandono de políticas públicas importantes para a geração de renda e a soberania alimentar, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), ocorridas durante o governo Bolsonaro, além do fechamento de milhares de escolas do campo nas últimas décadas, também geraram impactos a longo prazo para as mulheres do campo, que encontraram muitas dificuldades para a reprodução da vida, embora o cenário sofra melhora nos últimos anos.
Foi apontado como as mulheres se colocam à frente dos processos de luta em territórios em conflito, quer seja com o mineronegócio, que invade as comunidades de forma violenta, saqueia seus minérios e fontes hídricas; com o agronégocio, que busca a perpetuação do latifúndio, mantendo o povo sem direito à terra, além da ampliação das monoculturas e do uso de agrotóxicos; ou qualquer outro tipo de enfrentamento. Muitas vezes estas acabam sendo alvo de perseguição, assédio e até mesmo assassinatos.
“A práxis cotidiana das r-existências, que dá forma e conteúdo às lutas quilombolas e das demais comunidades camponesas no Brasil, é feita pelas mulheres. Por essa razão, é importante salientar a participação feminina nos conflitos no campo brasileiro. São as mulheres que constroem, noite e dia, espaços coletivos onde depositam força, conhecimento, sabedoria e tecnologias diversas que rompem em momento oportuno, na forma de luta comunitária e coletiva. Sem essas mulheres, sequer poderíamos esperançar um modo de vida que rompesse o lugar que foi reservado a nós, negras/os, indígenas e trabalhadores, em um projeto colonial e dependente de país.” (Conflitos no Campo Brasil 2023)
A explanação finalizou com a memória de que em momentos de crise, como a da ascensão do neofascismo a nível mundial e nacional que vivenciamos, os direitos das mulheres sempre são questionados e suas lutas sofrem tentativas constantes de arrefecimento e apagamento. Portanto, devemos estar atentas e organizadas nas diversas coletividades para refletirmos, nos qualificarmos política e teoricamente, e termos nossas armas para seguir na defesa e conquista de direitos, e na luta pela construção de uma sociedade igualitária e segura para as mulheres da classe trabalhadora.
O espaço também teve a contribuição de Naiara Santana, antropóloga, Pesquisadora do GIRA – UFBA, Rede de Humanização do Parto da Bahia e professora do curso de Ciências Sociais da UESC, que abordou aspectos socio-culturais e históricos em torno dos direitos reprodutivos e da saúde das mulheres, apontando como a territorialização desses corpos impacta nas formas como eles são tratados dentro da lógica patriarcal, capitalista e colonial que vivemos no nosso país.
Apresentação de Naiara Santana. Foto: Helenna Castro (CPT-BA)
A professora fez uma análise da formação social do Brasil, apontando como as práticas ancestrais desta terra e de África, baseadas no conhecimento da natureza, do próprio corpo e da coletividade, foram abandonadas pela que fossem implantados métodos eurocêntricos e pensados por homens na realização de procedimentos da saúde mulher, que muitas vezes causam dor e abrem brechas para violência, como na realização de exames e partos. A nível de exemplo, trouxe a popularização do parto deitado, que não é o mais confortável ou adequado, que ocorreu pois o rei Luís XVI, da França, estipulou que sua mulher assim daria à luz para que o mesmo pudesse assistir ao momento. Em contraponto, em diversos lugares do mundo, as mulheres realizavam partos de cócoras, que facilita o processo para a mãe com ajuda da gravidade e da maior dilatação da pelve.
Naiara fez memória a duas mulheres que tiveram seus direitos à saúde e à vida negados, ambas provenientes de territórios em constante conflito perpetrado pelo Estado e pelas classes dominantes: Miriam, uma mulher indígena paranaense que sofreu violência sexual, teve acesso ao aborto legal dificultado, seu direito questionado e veio a óbito durante o parto por embolia pulmonar em 2023; e Adanilda, mulher negra periférica soteropolitana, que morreu de insuficiência respiratória dentro de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) enquanto clamava por socorro na frente de funcionários do hospital por 3 horas no dia 11 março de 2025.
Após as falas e o debate aberto, os participantes se dividiram em dois grupos que analisaram os tópicos “Papeis sociais atribuídos às diferentes categorias de sexo” e “A castração do homem”, do livro “O poder do macho” (Moderna, 1987), da socióloga e professora Heleieth Saffioti, grande referência nacional dos estudos de gênero. Em seguida, cada grupo apresentou uma síntese dos pontos mais relevantes dos textos, vinculando-as com as questões abordadas durante o encontro. Foi apontado como os impactos do patriarcado afetam também a vida dos homens, especialmente os da classe trabalhadora, já que quem mais se beneficia do processo de opressão aos corpos femininos é a classe burguesa, que se apropria da força de trabalho de toda a classe e relega o trabalho não-remunerado do âmbito doméstico, do cuidado e da reprodução às mulheres. Logo, apenas com a libertação das mulheres, toda a classe será liberta!