O território indígena Tupinambá de Olivença foi reconhecido e delimitado pela Funai em 2009. Mas até hoje não foi demarcado. Indígenas e agricultores relatam casos de violência nos dois lados.
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Via G1 / Jornal Nacional
A falta de demarcação de um território indígena na Bahia está provocando muita tensão entre pequenos agricultores locais e líderes indígenas.
O território indígena tupinambá em Olivença, no sul da Bahia, foi reconhecido e delimitado pela Funai em 2009, durante o governo Lula. Mas 11 anos depois, ainda aguarda demarcação. É uma área de mais de 47 mil hectares, entre os municípios de Ilhéus, Una e Buerarema, onde estão 23 aldeias.
Uma delas é Serra do Padeiro, onde vivem 220 famílias. Glicéria Tupinambá, mais conhecida como Célia, mora na aldeia e é uma das mais ativas líderes indígenas do Brasil. Célia conta que, em novembro do ano passado, o carro em que estava com duas sobrinhas e o filho foi fechado por outro veículo na rodovia federal BR 101.
“A gente pensou que ia ter uma colisão, ia bater. Aí, de repente, ele vira o carro e entra numa rua assim que a gente não sabia. Ficamos soltas na pista e as meninas tentando frear. Com certeza foi intencional”, afirma Célia.
O carro suspeito foi encontrado abandonado pouco depois. Ainda não se sabe quem é o dono.
O episódio na estrada envolvendo a líder Célia Tupinambá faz parte de uma rotina de medo e violência que se arrasta desde 2009 nessa região. Naquela época, os tupinambás começaram a ocupar propriedades rurais, localizadas dentro do território delimitado pela Funai. A maior parte é de fazendas de cacau e de outras frutas. Os fazendeiros tiveram que deixar as terras.
A associação dos agricultores da região contesta na Justiça Federal o relatório da Funai que reconheceu as terras como tupinambás.
“Eles não tinham aldeias, eles não falam o idioma tupi. Então, não existe nenhuma característica de uma comunidade tradicional”, declara Edgar de Siqueira, diretor da Associação dos Pequenos Agricultores de Ilhéus, Una e Buerarema.
A associação dos agricultores afirma que pelo menos dois produtores rurais foram mortos por indígenas nos últimos anos. E diz que é contra qualquer tipo de agressão na disputa pela área.
“A associação ela é taxativamente a favor de toda e qualquer apuração sobre violência na região. Nós não compactuamos e não recomendamos nenhum tipo de violência para com ninguém”, destaca Abiel Santos, presidente da Associação dos Pequenos Agricultores de Ilhéus, Una e Buerarema.
Mas os casos de violência são relatados dos dois lados. Os agricultores dizem que muitos foram expulsos pelos indígenas.
“Essas propriedades eram ou são a vida dessas pessoas, eram suas residências, moravam lá, e na hora que estavam dormindo, eles arrombaram as portas. Então, é um prejuízo que não dá para calcular”, acrescenta Abiel dos Santos.
Os indígenas também citam agressões e mortes. O cacique Babau já denunciou vários atentados. Entre eles a morte de 21 pessoas dentro do território tupinambá, em 2015. Atualmente, 54 líderes indígenas na Bahia estão incluídos num programa de proteção da Secretaria Estadual de Justiça. Mas o cacique Babau afirma que a proteção não é suficiente.
“Eu pago pela minha segurança. Nós estamos num programa de proteção, onde tudo isso aconteceu. Nós falamos e ninguém apareceu”, diz o cacique.
Valdenísio dos Cantos, o cacique Val, é um dos incluídos no programa de proteção. Ele disputa a posse de uma área litorânea do território tupinambá com uma empresa do ramo imobiliário. Segundo Val, um grupo de homens que estaria a serviço da empresa ameaçou indígenas e derrubou casas em construção em agosto do ano passado.
“Não tem um mandado judicial, de reintegração de posse e nenhum documento judicial para que venha caracterizar ordem da Justiça para a retirada dos índios daqui”, critica o cacique.
A disputa pela terra está parada aguardando o fim da pandemia. Em maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a suspensão de todos os processos de demarcação e pedidos de reintegração de terras indígenas por causa do coronavírus. Mas, em dezembro de 2020, a juíza federal da Bahia, Letícia Danieli, concedeu uma liminar de reintegração de posse à empresa. A liminar foi derrubada em março do ano passado pelo STF.
O delegado responsável pelas investigações não gravou entrevista. Ele informou que a Polícia Federal já ouviu no inquérito sete índios que teriam sido ameaçados ou sofrido prejuízos com a destruição das casas em construção. A PF também já tem o depoimento do homem apontado pelos tupinambás como o cabeça do grupo que estaria coagindo os indígenas da aldeia.
Em nota, a Ilhéus Empreendimentos afirma que há 37 anos é dona da área de 616 mil hectares, onde fez um loteamento. A Ilhéus Empreendimentos também nega as denúncias de violência. Diz que age dentro da lei, respeitando as pessoas.
Para o movimento dos povos indígenas, a demora de 11 anos na demarcação das terras por parte do governo federal contribui para o clima de insegurança.
“É uma nova estratégia dos latifundiários e dos grandes empresários, que não querem que a gente tenha nossa terra demarcada, de articular ou permitir ou criar clima para que o crime organizado possa atuar dentro dos nossos povos”, denuncia o líder indígena Agnaldo Pataxó.
A Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia afirmou que as escoltas policias ocorrem de forma recorrente, mas que algumas pessoas do programa de proteção recusam o serviço. A secretaria afirmou que instalou câmeras de monitoramento na Serra do Padeiro e que ofereceu orientação e acompanhamento nos inquéritos.
O Ministério da Justiça afirmou que os questionamentos deveriam ser encaminhados para a Fundação Nacional do Índio (Funai).
A Funai declarou que aguarda uma decisão do Supremo Tribunal Federal sobre as demarcações e reintegração de posse, que essa indefinição resulta em insegurança jurídica e que acompanha os casos por meio das unidades descentralizadas.