Governo federal não priorizou o diálogo e enviou poucos representantes a debate na Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Cláudia Pinho, presidente do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) e integramente da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras, destacou preocupação com o aumento de pessoas envolvidas em conflitos, conforme mostrou o relatório anual da CPT, lançado em abril, Conflitos no Campo Brasil 2018.
Por Adilvane Spezia/ Ascom CIMI
Lideranças de povos e comunidades tradicionais denunciaram a falta de reconhecimento e demarcação dos territórios de uso coletivo e tradicionalmente ocupados durante mesa de diálogo “Direito a Território e Políticas Públicas das Comunidades Tradicionais”, na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Organizada pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), a atividade ocorreu nesta quarta-feira, 8 de maio. Do Estado, o grupo exige que seja garantido o uso coletivo dos territórios.
O evento reuniu procuradores, representantes de movimentos sociais e lideranças de povos tradicionais de todo país, e estava também aberto à participação de autoridades do governo federal.
Dos órgãos vinculados ao governo convidados à Mesa de Diálogos, apenas representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH) compareceram. Além destes, o convite foi feito à Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura (Seaf/Mapa) e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que não comparecem ao evento que durou o dia todo.
“O governo não priorizou essa agenda, a abertura desse diálogo”, avaliou a pantaneira Cláudia Pinho, presidente do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) e integramente da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras.
A maior aflição para os povos e comunidades tradicionais, lembra ela, sempre foi a garantia dos territórios. “Ainda mais agora neste momento de retirada de direitos, onde é inegável percebermos o acirramento dos conflitos no campo a partir de 2015. O número de conflitos no campo aumentou muito num curto espaço de tempo. Estamos falando de vidas que estão sendo ceifadas a todo momento”, denuncia a liderança.
“Em 2018, os conflitos por terra envolveram 118.080 famílias, contra 106.180, em 2017, um aumento de 11% nos casos”
A preocupação levantada por Cláudia reflete os dados que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) reuniu no Relatório Conflitos no Campo Brasil 2018. Em torno de um milhão de pessoas estiveram envolvidas em conflitos no campo no Brasil no ano passado, mais especificamente foram 960.630 pessoas envolvidas em conflitos contra 708.520 pessoas em 2017, um aumento significativo de 35,6%. Nos conflitos por terra, foram 118.080 famílias envolvidas em conflitos, em 2018, contra 106.180, em 2017, nesse caso um aumento de 11%, conforme documento.
A presidente do CNPCT alerta para outras perdas de direitos e programas sociais, agora extintos, mas que tem impactado de forma direta na vida e nos territórios dos povo e comunidades tradicionais. Entre eles, o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR), que trouxe moradia digna as famílias do campo, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). “Se olharmos somente para estes dois programas, pense o quanto deixou-se de gerar em dinheiros e em alimentos dentro dos territórios tradicionais. Se listarmos outros programas, a lista seria imensa”, recorda a liderança.
A redução nos espaços de participação popular das comunidades tradicionais, consequência do Decreto nº 9759, de 11 de abril de 2019, foi outra demanda recorrente das lideranças. O decreto extingue grupos colegiados da sociedade civil, afetando entre outros órgãos, o CNPCT, órgão responsável por acompanhar e implementar a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo Decreto nº 6.040/07.
“A desinformação, o descontrole virou uma forma de controlar socialmente”
O secretário adjunto de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Ezequiel Roque do Espírito Santo, representando o Governo Federal, assegurou que o MDH encaminhará à Casa Civil o pedido de recriação da CNPCT. Porém, o secretário não garantiu que a Comissão será mantida com a mesma composição, atualmente 28 membros. Segundo ele, há uma determinação de que a nova formação dos colegiados conte apenas com 7 representantes.
O professor e integrante do Projeto Nova Cartografia Social, Alfredo Wagner, aponta as diretrizes do momento político que estamos vivendo com relação ao Governo Federal e a indisposição ao diálogo com os povos e comunidades tradicionais. “Este momento que estamos vivendo é bastante semelhante ao final da ditadura militar, quando dava-se uma informação e fazia outra. Então fala em titular [as terras] e não titula, titula uma coisa e não titula outra. Diz que vai ter consulta, mas o acordo já foi feito com o outro lado”, aponta o professor.
“Do ponto de vista do Governo não há um espaço para as lutas indenitárias e sim, há uma negação”
O descontrole virou uma forma de controle do ponto de vista do Estado, tanto no Governo Ditatorial quanto agora, assinala Wagner. “Isso, eu gostaria de a procuradoria também acompanhasse, quer dizer, a desinformação, o descontrole virou uma forma de controlar socialmente. Sem contar que do ponto de vista do Governo não há um espaço para as lutas indenitárias e sim, há uma negação”.
Por sua vez, o subprocurador-geral da República e coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF, Antônio Carlos Bigonha, destacou o caráter democrático e deliberativo do encontro. “Nós esperamos que esses representantes do governo que aqui estiveram levem aos outros ramos do governo a mensagem de que este diálogo é importante e dará bons frutos para ambas as partes”.
O evento desta semana teve por objetivo debater a questão dos territórios tradicionais e reafirmar a necessidade de dar continuidade às políticas públicas voltadas as populações e comunidades tradicionais. Em janeiro a PGR já havia realizado um “Diálogo: Perspectivas dos Direitos Constitucionais Indígenas”, com este mesmo objetivo direcionado aos povos indígenas e a garantia dos direitos constitucionais.