Diferentes nacionalidades e línguas, cores, músicas, passeatas, apresentações culturais e teatrais e a discussão de temas variados, marcaram a diversidade que reinou durante os cinco dias da 13ª edição do Fórum Social Mundial, de 13 a 17 de março. O fórum aconteceu na cidade de Salvador, em diferentes localidades, tendo como espaço principal a Universidade Federal da Bahia – UFBA.
Com o lema “Resistir é criar, resistir é transformar”, essa foi a primeira vez que a uma cidade do Nordeste sediou o evento. Foram 19 eixos temáticos, entre eles: Ancestralidade, Terra e Territorialidade; Comunicação, Tecnologias e Mídias livres; Culturas de Resistências; Democracias; Desenvolvimento, Justiça Social e Ambiental; Direitos Humanos, Feminismos e Luta das Mulheres; etc.
O assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, também marcou a maior parte das atividades do FSM 2018, com passeatas e homenagens no decorrer do evento, especialmente na Assembleia Mundial das Mulheres, no dia 16.
A Comissão Pastoral da Terra – CPT Bahia participou junto com outras pastorais e instituições, de discussões em painéis e tendas sobre o “Direito à Terra Quilombola – Desafios e Conquistas”, “Conflitos Socioambientais e a perspectiva do Bem Viver”, “As Igrejas na resistência aos cenários de Golpe na América Latina”, “Convergências agroecológicas” e “Água é Vida”. Em todas as participações, a ameaça às comunidades tradicionais com o avanço dos grandes projetos e do Estado, os conflitos, a violência e os problemas ambientais foram discutidos.
“Direito à Terra Quilombola – Desafios e Conquistas” e “Conflitos Socioambientais e a perspectiva do Bem Viver”
Ruben Siqueira, da coordenação nacional da CPT, apresentou dados da violência e dos conflitos no campo na Bahia, sofridos pelas comunidades tradicionais, principalmente na tentativa de manter suas formas de vida e de proteção ao meio ambiente, frente aos projetos de desenvolvimento, que estão mais preocupados com o lucro.
“É muito importante o que estamos fazendo aqui no Fórum, porque tem gente de luta histórica, intensa, agravada a cada dia, e as vezes não consegue produzir a narrativa que nos fazem avançar. A gente fica reproduzindo mesmo no campo da esquerda aquilo que nos mantem sobre controle. A gente pode espernear, só não pode exagerar. É importante olharmos para as nossas próprias lutas, nossos revezes, nos enxergarmos para que a gente produza o conhecimento sobre nós mesmos”, reforçou no painel promovido pela Cospe Brasil, “Direito à Terra Quilombola – Desafios e Conquistas”.
Esse painel também teve a participação de representantes da Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais no Estado da Bahia – AATR, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ e do Centro de Educação e Cultura do Vale do Iguape – CECVI.
“As Igrejas na resistência aos cenários de Golpe na América Latina”
A importância da resistência das comunidades e a necessidade de compartilhar as experiências para animar a luta, foram os pontos mais reforçados pelos pastores que se apresentaram neste painel organizado pelas pastorais do campo. Segundo Júnior Aquino, teólogo da Igreja Católica, a fé tem uma dimensão social, que perpassa pelo modo de vida do indivíduo, e que ela não nos torna indiferentes diante da morte e das injustiças.
“A nossa esperança não deve estar nas eleições de 2018, mais sim nos acampamentos, nos assentamentos, nas comunidades quilombolas, indígenas, onde há resistências contra os golpes e os projetos que destroem a vida”, disse.
Para Marcelo de Barros, monge da ordem dos beneditinos, as pessoas precisam desconstruir o modelo de cristianismo. “Às vezes nós queremos ser diplomáticos, e somos coniventes com o autoritarismo, com a exclusão ao clericalismo, e isso não é fé, é fingimento, é estar em busca de poder”, concluiu.
“Água é Vida”
A tenda do Bem Viver “Água é Vida” expôs a situação hídrica da Bahia, os problemas socioambientais, a falta de efetividade na legislação das águas, e os conflitos, com o relato de moradores sobre o conflito em Correntina (BA).
Claudio Dourado, agente do núcleo de Ruy Barbosa, da CPT Centro Norte (BA), denunciou os colapsos hídricos que vem sofrendo a região da Bacia Hidrográfica do Paraguaçu, composta por 86 rios. “Você se depara com a situação de vários rios da Bahia e do Brasil e chega à conclusão que o problema está no modelo de gestão das águas e na própria legislação, em como o agronegócio e o sistema capitalista se apropriaram dessas leis para monopolizar esse bem e esse recurso”, afirmou.
Para Elizabeth Santos, professora da UFBA, mais grave do que a escassez da água hoje em dia, é a forma e o modo que a gente se apropria ou usa das aguas que ainda estão disponíveis. “A nossa tarefa é mobilizar a sociedade para questionar esse modelo de desenvolvimento que radicaliza a transformação de todos os elementos da natureza, e particularmente da água em mercadoria”, ressaltou.
“Convergências agroecológicas”
Nesta tenda, os participantes debateram sobre a violência no campo e onde essa violência vêm acontecendo no estado, a exemplo das comunidades da região de Formosa do Rio Preto e São Desidério, com as presenças constantes de pistoleiros nas áreas de fechos de pasto, e a prisão de companheiros por defenderem seus territórios em Porteira de Santa Cruz.
Gilmar Santos, um dos coordenadores da CPT Bahia, apresentou os dados da violência nos Cadernos de Conflitos da instituição, e refletiu a relação entre o crescimento da violência a medida em que o golpe foi se materializando. “Os conflitos tem a ver com a atual investida do Capital e do Estado sobre os territórios dos povos e comunidades tradicionais que resistem para garantir sua permanência. E a violência contra os camponeses é fruto da impunidade que impera nas investigações e julgamentos com absolvição dos condenados e mandantes”, disse.
Santos também destacou a dívida que o Estado possui com os povos, uma vez que não regularizou, ao longo dos últimos anos, um território de fundo e fecho de pasto em favor das comunidades tradicionais. “O Estado tem atuado facilitando os processos de licenciamentos em favor de empresas mineradoras, eólicas e agora solares, além da concessão de outorgas de maneira indiscriminada para os setores do agronegócio. Esses são fatores que geram desequilíbrios e desigualdades no campo e são promotores de conflitos”, e concluiu, “só vai haver soberania, dignidade e respeito junto as comunidades, quando elas tiverem autonomia sobre seus territórios historicamente ocupados”.
Texto: Equipe de Comunicação CPT Bahia
Fotos: Lauana Sento Sé/ CPT Bahia.