O INEMA (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia), através da Coordenação de Gestão Descentralizada e Interação Social (CGDIS – Unidade Regional Sudoeste), concedeu à Companhia Vale do Paramirim um parecer técnico favorável à autorização de pesquisa mineral na comunidade de Taquaril dos Fialhos, município de Licínio de Almeida (BA). No entanto, a concessão deste parecer está submetida ao cumprimento de todos os pontos exigidos para a aprovação do projeto, inclusive a emissão de uma Certidão de Conformidade de Uso e Ocupação do Solo por parte do município, o que não ocorreu – podendo o instituto ter cometido uma improbidade administrativa.
Publicado no dia 20 de novembro, o parecer nº 2021.001.003362/INEMA/LIC-03362 trata de três processos que foram conjuntamente despachados no intuito de viabilizar a pesquisa do potencial mineral para exploração de minério de ferro na região: Autorização de Supressão de Vegetação Nativa (ASV); Autorização de Manejo de Fauna (AMF); e Autorização Ambiental (AA). O documento afirma que toda a documentação necessária para o processo estava devidamente anexada, inclusive o de “Manifestação do(s) município(s) que demonstre(m) a conformidade da localização do empreendimento ou atividade com a legislação aplicável ao uso e ocupação do solo”, referente ao quinto item da lista.
Entretanto, a certidão emitida no dia 17 de maio de 2021 pela Prefeitura de Licínio de Almeida, através do Conselho Municipal Meio Ambiente, opina pela não pesquisa mineral e ambiental da área visada. O documento ainda salienta que Taquaril dos Fialhos é “área de reserva legal, protegida pela legislação ambiental”, e que “possui diversas nascentes, mananciais, flora e fauna importantes”. E reforça: “Certificamos, ante as observações registradas, que não é possível a pesquisa mineral e ambiental pela Vale do Paramirim Participações S.A”. A certidão é assinada pelo Secretário Municipal de Infraestrutura, Adelino Silva Cotrim e pelo Secretário Municipal de Agricultura e Meio Ambiente, José dos Santos Leal.
Apesar de haver passado quase um mês da emissão do parecer concedido pelo INEMA à Vale, somente nesta terça-feira, dia 14 de dezembro, o município tomou conhecimento do documento – levando o secretário José dos Santos Leal a enviar um ofício em caráter de urgência à Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA). No documento, o secretário denuncia a irregularidade praticada pelo INEMA, anexando e citando o parecer técnico e a certidão de não conformidade emitida pelo município. E salienta: “A verdade é que a Empresa Vale do Paramirim Participações S.A solicitou ao município certidão de uso e ocupação do solo, ingressando inclusive em Juízo, e o município, acolhendo parecer do Conselho Municipal de Meio Ambiente, emitiu certidão de não conformidade”. Após os argumentos, o secretário solicita o indeferimento do parecer: “Assim sendo, deve o parecer técnico emitido nos autos do processo do INEMA nº 2021.001.003362/INEMA/LIC-03362 ser revogado e indeferido o pedido de licença ambiental”. Caso o processo prossiga da forma como está sendo processado, e por não estar em conformidade com a certidão emitida, o município deverá tomar as medidas necessárias e cabíveis. Inclusive, a decisão judicial que determinou que o município expedisse a referida certidão não obrigou que a mesma estivesse de acordo com os interesses da empresa.
A Associação de Pequenos Agricultores de Taquaril dos Fialhos (ASPAT) também se manifestou através de um ofício enviado ao promotor Jailson Trindade Neves, da Promotoria Regional Ambiental do Ministério Público Estadual, em Guanambi, solicitando medidas urgentes diante do ocorrido. Após detalhar os fatos, a ASPAT finaliza o documento requerendo à instância que notifique o INEMA imediatamente: “Importa destacar que o parecer do INEMA conta com outras informações que serão questionadas posteriormente, com o envio de uma denúncia mais detalhada. Neste sentido, solicitamos ao Ministério Público Estadual que oficie com urgência o INEMA (Vitória da Conquista) para revisão imediata da Autorização Ambiental emitida”.
A Vale do Paramirim vem tentando realizar essa pesquisa mineral há cerca de dois anos na centenária comunidade de Taquaril, ameaçando o acesso à água por parte de aproximadamente 16 mil famílias na região da Serra do Salto, no semiárido do sudoeste baiano. O projeto da “Província Mineral do Vale do Paramirim” se estende por 12 mil quilômetros quadrados e traz promessas de impulsionamento econômico para a região, ignorando as ameaças socioambientais irreversíveis que já vêm sendo denunciadas pelos moradores, os quais já têm longa e amarga experiência com empreendimentos similares como os da Bahia Mineração (BAMIN), que no processo de construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) vem enganando e prejudicando a população de diversas maneiras, tendo inclusive expulsado famílias da comunidade negra de Antas e Palmitos de seus territórios para garantir a implantação de seu projeto.
A Serra Geral é berço de várias nascentes perenes, abrigando a cachoeira Sete Quedas e sítios arqueológicos com pinturas rupestres, e alimentando o curso do Rio do Salto, que além de compor a Bacia Hidrográfica do Rio de Contas, ainda abastece a Barragem do Truvisco, extremamente importante para o fornecimento de água dos municípios de Licínio de Almeida, Caculé, Rio do Antônio e Guajeru. A instalação de um projeto de exploração de minério naquela região colocaria em risco o abastecimento hídrico de milhares de famílias e de suas atividades de agricultura e criação de animais, além das ameaças ao meio ambiente, com a poluição no ar, águas e solo e o agravamento da desertificação. É nesta região que a Vale do Paramirim pretende fazer as pesquisas, que além de toda sua importância hídrica, conforme o Artigo 4º, item IX, da Lei 12.651/12, é um local de Área de Preservação Permanente (APP) por se tratar de um morro com mais de 100 metros de altura. A Serra Geral tem 900 metros de altura, mas em seu parecer o órgão licenciador não considerou esta especificidade.
Atualmente a comunidade realiza a campanha “Em defesa das nascentes da Serra do Salto”, organizada pela Associação dos Pequenos Agricultores de Taquaril dos Fialhos (ASPAT), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM). O objetivo é que seja realizado um estudo técnico com o envolvimento e participação efetiva da sociedade e que seja criada uma Área de Proteção Ambiental (APA) na Serra do Salto. Para isso, é exigida a aprovação do Projeto de Lei (PL) 03/2010, de 06 de agosto de 2010, com a devida modificação no atual texto do projeto, levando em consideração as constatações do estudo e as contribuições da sociedade. A petição para pressionar a prefeitura de Licínio de Almeida a aprovar a PL já conta com mais de 60 mil assinaturas, e está disponível no link change.org/p/em-defesa-das-nascentes-da-serra-do-salto-ba.