Para toda ação há uma reação!
Ir a um departamento público em busca de solução para um problema corriqueiro pode ser uma tarefa árdua, constantemente sofremos algum tipo de desrespeito no atendimento público, servidores mal habilitados e sem princípios éticos assumem, muitas vezes, a postura de inimigos perante o cidadão, utilizam-se de linguagem áspera e tom de voz ríspido e se expressam relativamente com má vontade, e se a prestação de serviço for destinada a pessoas afrodescendentes e mulheres, especialmente às pobres, o desserviço se acentua.
São incontáveis histórias de pessoas humilhadas e assediadas moralmente diante do descaso no atendimento público, como o caso de Crispim Terral, amplamente divulgado na mídia, que sofreu agressão policial motivada por racismo, após ter o atendimento negado por duas vezes em uma agência da Caixa Econômica Federal de Salvador (BA). O gerente geral, João Paulo, não só se recusou atendê-lo como exigiu que Terral fosse levado algemado à delegacia alegando que “não faz acordo com esse tipo de gente”.
O funcionário do banco abriu a caixa de ferramentas para mostrar a fragilidade do atendimento público, utilizando-se do abuso de poder para justificar a sua maldade. Ele deveria, no mínimo, considerar o Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994, que traz o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. Dentre as regras deontológicas há textos como “Tratar mal uma pessoa que paga seus tributos direta ou indiretamente significa causar-lhe dano moral.”; ou ainda, “Deixar o servidor público qualquer pessoa à espera de solução que compete ao setor em que exerça suas funções […], não caracteriza apenas atitude contra a ética ou ato de desumanidade, mas principalmente grave dano moral aos usuários dos serviços públicos”.
Cara leitora, caro leitor, já imaginou quantas abordagens desrespeitosas a pessoas de baixo grau de escolaridade acontecem nesse país? Quantos sujeitos deixaram de ter o seu problema resolvido da primeira vez porque lhe foi solicitado um documento a cada dia? Quantos idosos tiveram tratamentos abusivos? Quantas mulheres experimentaram atendimentos grosseiros por servidores homens, somente pelo fato de ser mulher? Quantas situações de vexame e de humilhação foram praticadas nos balcões dos órgãos públicos? Infelizmente essas e outras situações se repetem Brasil afora, e não há justificativas para um tratamento inadequado.
Os setores públicos fazem questão de deixar claro para as cidadãs e cidadãos, por meio de cartaz, em letras garrafais, afixado em paredes nos locais de atendimento públicos, que desacato a funcionário público, a grosso modo, constitui crime previsto no Código Penal, artigo 331. Tal fato inibe quem busca um desfecho para seu dilema, é uma espécie de intimidação, não se sabe até que ponto os argumentos ditos em um balcão de atendimento é desacato ou até que ponto é um direito de ter o problema resolvido. Nesse impasse, perde quem precisa. Perde o indivíduo que ganha um tratamento grosseiro, de má vontade, como se o servidor estivesse prestando um favor.
Contudo, independentemente de ser servidor público, cabe a qualquer cidadão tratar o indivíduo com respeito e valores éticos que poderiam evitar consequências desastrosas e negativas para a sociedade como a discriminação e o racismo. Em O espaço do Cidadão, no capítulo O cidadão Mutilado, Milton Santos fala sobre as desigualdades institucionais e afirma que o Estado nos trata como se fôssemos objetos, “o direito à integridade se inclui entre as prerrogativas inalienáveis do cidadão e se estende do campo biológico aos da cultura, da política e da moral, isto é, inclui o patrimônio material e imaterial”.
É preciso evidenciar que o trabalho do servidor público é muito importante para todos e não é regra o mau atendimento nos órgãos públicos, há servidores empenhados e que não se inserem nesse contexto. São funcionários que agem com cordialidade, respeito, eficiência, sem diferença no tratamento seja na condição social, física, cultural ou na cor da pele. Estão sempre dispostos a conduzir bem uma solicitação. Entende-se que o ideal para o atendimento público é mais do que ser ético, é ter um comportamento humanizado.
O ser humano não pode viver sem valores, seja ele quem for e em que espaço estiver. Lembre-se sempre dos ditos populares, quem não sabe o que diz, escuta o que não quer e; para toda ação há uma reação, oposta e de igual intensidade. Se você observa o comportamento dos outros, também está sendo observado. Está acima de se obedecer ou não a lei, mas tem a ver com os valores dos bons costumes de uma sociedade. Não é possível simplesmente aceitar que aquele atendimento foi ruim porque o funcionário não estava num dia bom, ou que ele se excedeu porque estava estressado devido a sua carga de trabalho, não devemos “deixar para lá”, mas chamar atenção desse servidor de que ele está agindo de maneira desrespeitosa. Deixar para lá é compactuar com sua forma de agir.
O servidor público, portanto, deve prezar seu ofício não somente cumprindo a lei, mas com a consciência moral e ética de que o respeito à diversidade e a empatia com seu semelhante definem o profissional que é. Você é aquilo que você faz!
Sandra Leny Angelo – Agente da Comissão Pastoral da Terra Regional Bahia
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Decreto Federal 1.171, de 22 de junho de 1994. Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1171.htm. Acesso em 28 de março de 2019.
SANTOS, Milton. O Espaço do Cidadão. São Paulo: EDUSP, 2007.