Polícia Militar presente na região da Aldeia Barra Velha após tiros e invasões. Agosto de 2022. Foto: divulgação/Mupoiba.
*Por Helenna Castro, Ingrid Macedo e Mateus Britto via Assembleia Popular de Ilhéus
O povo Pataxó habita a região do Sul da Bahia há séculos e resiste contra a violência, a exploração e a invasão de seus territórios. Nos últimos meses, o conflito se intensificou, retomadas foram realizadas pelo povo originário, que recebeu, em represália, fortes ataques por parte dos latifundiários, através de pistoleiros e milícias privadas. Conversamos com o cacique Rodrigo Mãdy Pataxó sobre a situação de vulnerabilidade e insegurança em que vive o povo indígena no extremo-sul baiano.
Um processo de autodemarcação através de retomadas (ocupações) de seus territórios vem sendo desenvolvido pelos Pataxó já que o poder público não tem tomado as medidas legais demarcativas. Na Terra Indígena Comexatiba, são cinco retomadas e na TI Barra Velha, entre dez e quinze. A liderança local afirma que “o objetivo dessas retomadas é a luta para acelerar o processo de demarcação” já que os processos estão “parados nas gavetas dos governos”. Para o povo Pataxó é dever sagrado defender e lutar pelos seus territórios, que sofrem com a “invasão, destruição ambiental e a urbanização desorganizada e invasiva orquestrada para descaracterizar e desqualificar o processo de demarcação”.
Durante seus muitos anos de política institucional, Jair Bolsonaro endossou um discurso anti-indigenista, alegando, inclusive, que existiria no Brasil uma “indústria da demarcação de terras”. Em sua campanha eleitoral de 2018, deixou evidente que agiria contra os direitos dessas populações e que não realizaria demarcações. Com sua eleição, setores interessados na exploração desses territórios reforçaram o movimento de ofensiva aos povos originários. De acordo com o relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2021”, produzido pelo Conselho Indigenista Missionario, invasões de terras indígenas, durante o governo Bolsonaro, bateram recorde e cresceram 212% em relação aos números dos últimos 3 anos da gestão anterior (2015-2017). Consequentemente, o garimpo e a derrubada ilegal de madeira intensificaram-se muito na T.I.s Brasil afora no período do mandato do ex-presidente.
O cacique aponta que o que as empresas que ocupam seus territórios geram é, entre outros malefícios, destruição das florestas, dos manguezais, dos apicuns, dos sambaquis e de antigos cemitérios indígenas; exploração pela mineração; produção de muito lixo; contrabando de animais silvestres; grandes plantios de eucaliptos e de cafezais; e agropecuária extensiva. Além dos latifundiários do agronegócio e das empresas de celulose, os ramos hoteleiro e turístico também são algozes dessas populações: “estão matando nossa terra, que é nossa carne, secando nossas veias, que são nossos rios e matando nosso espírito, que é a mata”.
A resistência do povo Pataxó do extremo-sul baiano contra as ocupações de suas terras tem desencadeado retaliação por parte dos fazendeiros, que contratam pistoleiros e milícias privadas para atacar os indígenas. Em setembro de 2022, um adolescente Pataxó de 14 anos foi morto a tiros. Em janeiro desse ano, o mesmo ocorreu com dois outros jovens, de 16 e 25 anos. Diversos outros indígenas já haviam sido vítimas de violências. “A real situação é de muito medo e insegurança, as pessoas temem chacinas em suas casas.”
Polícia federal recolhe munições de diversos calibres em presença da comunidade Aldeia Nova. As munições seriam de um policial que trabalha na segurança privada de fazendeiros. Fevereiro de 2023. Foto: Acervo pessoal.
Dispõe o artigo 34 do Estatuto do Índio que poderá ser solicitado pelo órgão federal de assistência ao índio “a colaboração das Forças Armadas e Auxiliares e da Polícia Federal, para assegurar a proteção das terras ocupadas pelos índios e pelas comunidades indígenas”. Contudo, o que acontece é que as lideranças indígenas encontram dificuldades em conseguir que essa proteção se efetive. O cacique conta, inclusive, que as polícias não têm sido aliadas dos povos indígenas do extremo-sul: “a Polícia Militar tem servido principalmente ao agronegócio, a Polícia Civil não respeita e reconhece os direitos do povo indígena Pataxó, a Polícia Federal, para não cumprir os direitos constitucionais, sempre alega que não tem contingente”.
Durante os conflitos na região foram identificados policiais militares que atuavam na segurança particular de fazendeiros, como milicianos. Em outubro de 2022, 3 Políciais militares foram presos por suspeita de envolvimento na morte de Gustavo Silva da Conceição (14), morto durante um ataque na área de retomada na T.I. Comexatibá. Em janeiro de 2023, outro PM foi preso por suspeita de envolvimento nas mortes de Samuel Cristiano do Amor Divino (25) e Nawy Brito de Jesus (16), na entrada da Fazenda Condessa (BR-101), área de retomada da T.I. Barra Velha.
“A polícia em nossa região sempre carrega a marca de violência opressiva, repressiva e jamais a polícia vai desenvolver correto com um povo guerreiro, de amor no coração, humilde e trabalhador e que sempre luta pelos direitos.”
Diversas fake News têm sido espalhadas com o intuito de culpabilizar os indígenas pelos conflitos existentes, criminalizando sua forma de resistência. Essas notícias falsas são compartilhadas através de redes sociais e a invisibilização da grande mídia faz com que apenas a versão dos latifundiários seja propagada e defendida, o que incita que a população naturalize e apoie violências contra os Pataxó.
“Essas informações de meios de comunicação que não tem compromisso com a ética, moral e verdade deixam um sentimento de indignação porque muitos deles sabem da verdade e acabam espalhando uma mentira para uma sociedade carente de conhecimentos dos direitos originários.”
Mãdy Pataxó, que ano passado denunciou na ONU as violações contra os povos indígenas do Brasil, ressalta a importância de uma atuação combativa da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), para a proteção e apoio no momento, mas diz que o órgão alega que a dificuldade em fornecê-la se deve à falta de recursos e a ajustes administrativos. O que se deve, principalmente, ao sucateamento e aos cortes orçamentários executados pelo governo Bolsonaro.
Foi criado em janeiro, pelo Ministério dos Indígenas, um gabinete de crise para acompanhar a situação de conflito no extremo-sul. Diversos órgãos públicos e entidades da sociedade civil foram convidados a compor o gabinete, como a FUNAI, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Lideranças Pataxó estiveram em Brasília no mês de fevereiro para cobrar a presença da Força Nacional nos territórios, o que demanda que o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT) faça a solicitação ao Ministério da Justiça. Os indígenas obtiveram apenas a indicação de que haveria uma reunião com o governo do Estado sobre o assunto, o que ainda não ocorreu.
Mãdy Pataxó afirma que o que se espera é “uma atuação conjunta da Polícia Federal com a Força Nacional para fazer uma varredura e retirar os pistoleiros dos fazendeiros invasores de dentro de nossa Terra e que o governo do Estado pare de ser o estado genocida e assine a licença para atuação do governo federal porque a omissão do governo do estado é que tem sido o entrave e o motivo de mais mortes que aconteceram e que podem acontecer.” Além disso, reivindica que “as investigações sejam mais transparentes e que os fazendeiros mandantes dos crimes sejam presos e condenados”.
BRASIL É TERRA INDÍGENA! CHEGA DE OMISSÃO DO ESTADO NA DEFESA DOS POVOS ORIGINÁRIOS! DEMARCAÇÃO JÁ!
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*Helenna Castro é comunicadora popular; Ingrid Macedo, de nome indígena Juacema, pertence ao povo Pataxó, é artesã, comunicadora independente; Mateus Britto é historiador e comunicador popular. Os três integram o coletivo Brasil Vermelho.