“É impossível falar de uma única história sem falar sobre poder,” (Chimamanda Ngozi)
Aceitei com gosto o desafio dado pelas companheiras da CPT Bahia para escrever sobre o 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, data tão importante e significativa para as mulheres do Brasil e do mundo, ontem e hoje. Nas origens, muitas e duras lutas, a data acabou se tornando apenas festiva, de apelo comercial, incorporada ao sistema contra o qual se insurgiu. Mais recentemente, o sentido original vem sendo retomado, expressando também o avanço do feminismo que não separa a busca dos direitos sociais das/pelas mulheres das demandas da classe trabalhadora e do ideal socialista e ecossocialista.
Há muitas histórias e controversas a respeito da origem desta comemoração. No que não faltam intenções de minimizar e subjugar a autodeterminação e o protagonismo das mulheres, esvaziá-lo de seu forte conteúdo político. Já se sabe que a data não tem a ver com greves heroicas ou com as 125 mulheres operárias indefesas mortas num incêndio acidental ou criminoso em fábrica têxtil ocorrido em 25 de Março de 1911, nos Estados Unidos.
Já nos finais do século XIX e mais ainda no primeiro decênio do século XX, a partir da organização e iniciativa de mulheres socialistas, manifestações diversas por direitos das mulheres começaram a ocorrer em diversos países, expandindo-se pela Europa e EUA. Em 03 de maio de 1908, em Chicago, comemorou-se o primeiro “Woman’s Day”, com 1.500 participantes, em defesa da igualdade entre os sexos, a autonomia das mulheres e o direito de voto. Em 26 fevereiro de 1909, cerca de 15 mil mulheres marcharam nas ruas de Nova York por melhores condições de trabalho, contra jornadas de 16 horas e até sete dias de trabalho por semana. Neste mesmo ano o Partido Socialista estadunidense oficializou o “Woman’s Day”, que no início não tinha uma data fixa, a história registra várias datas. O de 27 de fevereiro 1910 foi organizado pelo Comitê Nacional de Mulheres, no centro de Nova York, com três mil mulheres, destacando o direito de voto. Dele participaram operárias têxteis que haviam terminado uma longa greve de três meses por melhores condições de trabalho.
Na II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, em 1910, em Copenhague, na Dinamarca, a líder socialista alemã Clara Zetkin e companheiras apresentaram a proposta de seguir o exemplo das mulheres socialistas norte americanas, instituindo oficialmente uma data anual para marcar a luta pelos direitos da mulher, um dia internacional das mulheres. Naquele ano a data foi celebrada por mais de um milhão em países da Europa. Pelos anos seguintes as comemorações se deram em datas diferentes em diferentes países, às vezes associadas ao 1º de Maio, Dia dos Trabalhadores. Durante a Primeira Guerra Mundial, as comemorações foram prejudicadas e quando ocorreram agregaram a luta contra a guerra e a fome.
Um destes protestos aconteceu no Dia Internacional das Mulheres, 23 de fevereiro de 1917, em Petrogrado, na Rússia e, junto a outras crescentes manifestações contra o regime czarista, inclusive a greve de 90.000 operários têxteis, maioria mulheres, inaugurou a Revolução Russa. Esta data no antigo calendário ortodoxo russo, corresponde a 8 de Março no calendário gregoriano, que é o que seguimos no Ocidente.
Na II Conferência Internacional das Mulheres Comunistas, em 1921, em Moscou, presidida por Clara Zetkin, foi estabelecido que o 8 de Março seria dali por diante o Dia Internacional da Mulher, para lembrar aquelas mulheres russas. Com o tempo, a data foi sendo esquecida, recuperada pelas lutas feministas a partir dos anos 1960. Em 1975, celebrado o Ano Internacional da Mulher, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu oficialmente o 8 de Março.
Por este percurso histórico, vê-se que a data é expressão e reforço do protagonismo e da autonomia das mulheres na busca árdua por direitos iguais em todas as dimensões da vida – econômica, política, cultural, familiar, sexual etc. O 8 de Março, assim como outras datas comemorativas, ao ser apropriado pela lógica capitalista, do lucro e do consumismo, tende a reduzir-se a um dia para dar flores, presentes e homenagens às mulheres, de maneira descolada da sua história – a luta política, econômica e social por direitos.
Para resgatar o real sentido e significado desta data, em pleno século XXI, precisamos reafirmar as lutas específicas das mulheres inserindo-as na luta mais ampla, pela transformação geral da sociedade. Daí ser necessário olhar para traz e entender toda esta trajetória de luta das mulheres, trabalhadoras, operárias, camponesas, feministas, socialistas, e aprender com elas. Ao recompor um pedaço desta história, desafiamo-nos todos, mulheres e homens, em reconhecer o feminismo como um elo indispensável da luta das mulheres e da luta socialista, uma mesma luta.
Assim como nossas companheiras socialistas históricas, vamos nos encorajar e retomar as ruas para combater a violência de gênero, o feminicídio, as perdas de direitos sociais, a reforma da previdência social, os retrocessos nas políticas públicas de saúde, educação, segurança e meio-ambiente, a precarização do trabalho, o neoconservadorismo moralista, o ultraliberalismo. São todas demandas que afetam de modo especial as mulheres, portanto, lutas fadadas ao insucesso sem o protagonismo feminino – é o que data quer lembrar e enfatizar.
Independentemente de partido político, de categoria profissional, classe social, raça/etnia, idade, orientação sexual, religião, regionalidade, o 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher, é um dia para unir forças, dar visibilidade às nossas diversas lutas diárias, pequenas e grandes, por direitos iguais e respeito às diferenças de gênero e todas as outras.
A hora, no Brasil e no mundo, é grave, pelo avanço da ultradireita. Sirvam-nos de exemplo as lutas históricas das mulheres expressas no 8 de Março, que souberam responder aos desafios de seu tempo. Urge fortalecer as diversas lutas existentes, no campo e na cidade, nas redes sociais, em casa e nas ruas, manter as mãos unidas e marchar em busca de nossos sonhos e ideais de dignidade, igualdade e justiça. Vamos fazer nossa parte, chamando os nossos companheiros a se somarem a nós. 08 de Março, ontem e hoje, dia de luta!
Beth Siqueira – Engenheira Agrônoma, especialista em Associativismo, mestra em Estudos Interdisciplinares em Mulheres, Gênero e Feminismo (PPGNEIM/UFBA), assessora de gênero do Projeto Pró-Semiárido, da Cia. de Desenvolvimento e Ação Regional / Governo da Bahia.
Referências bibliográficas
BBC News. A origem operária do 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher. Março de 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43324887.
FRENCIA, Cintia & GAIDO, Daniel. As origens operárias e socialistas do Dia Internacional da Mulher. Março de 2017. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/as-origens-operarias-e-socialistas-do-dia-internacional-da-mulher/.
MODELLI, Lais. Nada de incêndio na fábrica! Esta é a verdadeira história do 8 de março. Março de 2017. Disponível em: https://azmina.com.br/reportagens/esqueca-o-incendio-na-fabrica-esta-e-a-verdadeira-historia-do-8-de-marco/.