Gislene Moreira – Professora da UNEB
A Bahia lidera a produção de energia eólica no país com 295 fazendas de vento em operação no estado e Outras 230 estão em construção ou com as obras já em vias de iniciar. Mais 636 empreendimentos tiveram seus pedidos de outorga (DRO) registrados junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Qual o impacto de todos esses empreendimentos?
Se for na economia, a resposta é rápida. Segundo dados da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, o setor já movimentou mais de R$ 40 bilhões e podem chegar aos R$ 100 bi até 2030 como parte da nova corrida de grandes cooporações pelos negócios verdes no sertão.
O rastro desse modelo neoextrativista pode ser pode ser acompanhado pelo site da Empresa de Pesquisa Energética e revela que os empreendimentos acompanham a Cadeia do Espinhaço. O perigo é que a grande maioria das novas fazendas estão sendo instaladas nas serras produtoras de água no semiárido nordestino e pouco se discute são os impactos cumulativos desses empreendimentos.
Fazendas de Vento no semiárido baiano segue rota das serras produtoras de água
Não há dados no INEMA sobre como o conjunto destes megaprojetos vai comprometer a capacidade de recarga hídrica, nem quais medidas de proteção e mitigação dos efeitos no frágil equilíbrio desses ecossistemas que respondem como os óasis do sertão. Muitos desses empreendimentos foram fracionados como de pequeno ou médio impacto, e liberados sem necessidade de licenciamento ambiental. A medida acaba de ser suspensa e considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e poderia ser usada para a sociedade reivindicar a revisão dessas liberações.
Mais complexo ainda é a ação irreversível deste modelo sobre os povos tradicionais do semiárido. Não há dados sequer sobre a quantidade de moradores e comunidades quilombolas e de fundo e fecho de pasto que estão sendo afetados pelos empreendimentos, por exemplo. Em nenhuma dessas localidades foi assegurado o direito às Consultas Prévias, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário.
Um único empreendimento, o complexo Novo Horizonte da Pan American Energy, impactou em 06 municípios e 52 comunidades. Para além da instalação das torres, há localidades afetadas pelas linhas de transmissão e pelas estradas para chegar às fazendas. Em Malhadas, Areia e Palmital, todas em Piatã, os transtornos pelas obras de construção produziram nuvens de poeira tão grandes que prejudicou a saúde dos moradores, a produção de hortaliças e café, a criação de gado, e agora denunciam a rachadura das casas e a morte de um garoto soterrado em consequência das más condições da estrada. Nenhuma medida foi tomada até o momento.
Há ainda denúncias sobre a legalidade dos contratos, muitos deles assinados sem que os moradores afetados tenham conhecimento dos impactos reais sobre seus terrenos. Em localidades como Morro do Chapéu, estima-se que quase 1/3 das terras dos municípios está em mãos de grandes corporações.
Entre as empresas identificadas em atuação direta no setor no estado, 11 são multinacionais, o que pode colocar o controle das zonas mais importantes para a produção hídrica do seminárido baiano nas mãos de estrangeiros em tempos de aumento das temperaturas mundiais e alertas de desertificação do sertão.
E não é só isso. Há uma relação direta entre o negócio das energias renováveis e o aumento da mineração no Estado. Para construção e instalação de uma torre eólica, por exemplo, são necessárias 3 toneladas de alumínio, 4,7 e cobre, 335 toneladas de aço e 1,200 toneladas de concreto, o que aumenta consideravelmente a demanda por minerais considerados estratégicos, como o ferro.
A comunidade quilombola do Goes, em Novo Horizonte, sente na pele essa pressão da suposta “transição ecológica”. Há dois anos eles estão na rota de um empreendimento de energia eólica, outro solar, e ainda tiveram a mina artesanal de cristais tomada por um conflito de terras. A demanda internacional pelo quartzo cresceu em função da necessidade das placas solares, que tem 70% da sua composição feita pelo mineral.
Segundo os anúncios das empresas, toda essa intensa produção energética se justifica para abastecer os domicílios. No entanto, 2/3 do consumo energético no Brasil é para o setor industrial e de transportes. Na prática, a Bahia continua entre os estados afetados pela pobreza energética, em que municípios diretamente atingidos pelos empreendimentos, como Sento Sé . Segundo o Censo 2022 do IBGE, mais de 17% dos domicílios baianos declararam que utilizam lenha ou carvão para cozinhar.