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CPT BAHIA

Sem atentar para as “especificidades” de gênero, a Reforma da Previdência é desumana

As recentes transformações na política brasileira que acontecem desde a ruptura democrática decorrente do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff apontam para mudanças significativas para as mulheres. Expressões claras disso, podem ser constatadas tanto na Reforma Trabalhista, aprovada ainda pelo Governo de Michel Temer, quanto nas propostas em vigor para a Reforma da Previdência no atual Governo.

A PEC 06/2019, que propõe a Reforma da Previdência, ainda que mantenha a diferença entre a idade mínima para a aposentadoria de homens e mulheres (65 anos para os homens e 62 anos para as mulheres), estabelece em 20 anos o tempo mínimo de contribuição, indiscriminadamente.

Entretanto, esse período mínimo de contribuição estabelecida pela Reforma da Previdência tem um peso diferente quando se leva em consideração as relações de trabalho feminino e masculino na sociedade. A crescente entrada das mulheres no mercado de trabalho se dá em condições desiguais ao trabalho masculino, e além disso desconsidera a dimensão do trabalho “invisível” das mulheres, predominantemente associado à esfera doméstica.

As discrepâncias entre homens e mulheres ficam evidentes, por exemplo, quando observamos os dados sobre as jornadas de trabalho. Considerando a jornada de trabalho formal somada às tarefas domésticas e de cuidado de pessoas, as mulheres trabalham 3,1 horas a mais do que os homens. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua (PNAD/IBGE, 2017), as mulheres somam 53,3 horas semanais de trabalho, enquanto os homens somam 50,2 horas.

Além disso, exigir um mínimo de 20 anos de contribuição para a aposentadoria é desumano, sobretudo para as mulheres, tendo em vista que estas têm maiores dificuldades para inserção e permanência no mercado de trabalho formal; restando, preponderantemente para elas, a informalidade ou as formas precárias de contratação.

As mulheres, por exemplo, representam a maioria das pessoas contratadas em tempo parcial. Das 4 milhões de admissões ocorridas no primeiro trimestre de 2019, apenas 21.025 mil foram contratos em regime parcial de trabalho; destes, a maioria (55,8%) são mulheres.

Diante disso, não atentar para a associação entre a “invisibilização” do trabalho doméstico e as restrições quanto ao acesso das mulheres ao mercado de trabalho formal, torna esta proposta de Reforma previdenciária uma tragédia anunciada. É necessário, portanto, que nos mantenhamos atentos (mulheres e homens) aos rumos dessa proposta, pois esta não desemboca em uma questão especifica que atingirá as mulheres, mas sim a toda a sociedade.

Camilla de Almeida Silva – Colaboradora da CPT Bahia/Juazeiro, pesquisadora das relações de gênero e trabalho, e doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco.

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