25 anos após a morte de dom Matthias Schmidt, pastor e profeta no Semiárido da Bahia
No próximo dia 21 de maio, em Ruy Barbosa, se realizará um ato religioso com desdobramentos de compromisso socioambiental, motivadas por uma espiritualidade motivada pelo profetismo bíblico que tem seu ponto alto no Evangelho de Jesus Cristo. Ela resgata também raízes e atitudes ancestrais ligadas ao Bom Viver e à Terra sem Males, presentes na fé e culturas indígenas e afros da população desta região, que se misturaram com o catolicismo popular. Como pequenas sementes vivas, “moleculares”, pessoas e comunidades iniciam, hoje a fazer um êxodo que abandona, ecumenicamente, o canto sedutor das sereias capitalistas, lideradas pelos atuais protagonistas do golpe violento, institucional e insaciável, no Brasil de hoje mesmo se apresentando como uma mesquinha pinguela oportunista, chamada “temer”.
Respaldados pelas grandes corporações do capital mundializado e pelo veneno letal da mídia, os golpistas, chegaram ao absurdo de se permitir a falsidades paranoica de negar consistência à última greve geral do dia 28 de abril último que, num pais de 200 milhões de habitantes, que expressou um choque de vontade popular jamais visto antes, com estas proporções. Volta à mente, mais uma vez, como chave interpretativa a expressão cada vez mais citada, escrita até nos graffiti dos muros urbanos: “pensavam que nos haviam enterrado mas não sabiam que nós somos raízes”
A região de Ruy Barbosa, é uma das bacias do chamado polígono da seca do Nordeste. terra de migrações forçadas e maciças para São Paulo (no corte e industrialização da cana de açúcar), viu surgir, no início dos anos 80, várias iniciativas sociais, ligadas também às novas posturas das igrejas: Católica, Presbiteriana Unida (IPU), apoiadas pela CESE (Coordenadoria ecumênica de serviços) misturadas ecumenicamente e apoiadoras do Polo Sindical intermunicipal e intersindical com sede em Itaberaba envolvendo, com conflitos memoráveis e sangrentos, reivindicações crescentes de posseiros e camponeses e sem-terra. Iaçu, Itaberaba, Boa Vista do Tupim, Itaetê, Marcionílio Souza, Andaraí, Nova Redenção, Ipirá, Baixa Grande, Mundo Novo e Miguel Calmon, só para lembrar os maiores municípios, foram o cenário desse fermento novo que abraçava terras e territórios beneficiados pelas águas do Paraguaçu, rio extraordinário, hoje também ameaçado, que continua garantindo a subsistência a estas e outras povoações da Bahia. Configurou-se, nas últimas três décadas, um fermento e uma sacudida inimaginável nessa terra de coronéis autoritários e decadentes que promoviam somente sua “indústria da seca”. Desde os anos 80, estas regiões, junto com todo o semiárido baiano, apresentam sinais contracorrente.
Motivadoras destes sinais foram vários fatore, não últimas entidades “novas” com suas siglas e seus núcleos: CESE, CPT, CEDITER, CEBs, POLO SINDICAL, Pastoral da Criança, Pastoral dos Migrantes, Caritas…
O evento religioso que será celebrado em Ruy Barbosa, se apresenta com as feições de “Romaria da Terra e das águas”. Esta expressão, hoje, comum, surgiu também contracorrente e nasceu no Brasil, nesta mesma região que estamos sumariamente descrevendo, na metade dos anos 70 com sua “proto-romaria” ao Bom Jesus da Lapa, realizada em pau de arara, 41 anos atrás, com trezentos camponeses, feita de reza e de luta organizativa, incindíveis diante de situações desesperadoras. Uma articulação
diocesana de pastorais, em diálogo com outras comunidades, associações e aberta aos movimentos sociais de base, sente que esta é a hora de recomeçar um novo ciclo de lutas com todos os que querem, além da democracia nas decisões, um novo modelo de ação – reflexão – transformação – contemplando e avaliando os diferentes desafios que recebemos em herança destes últimos 40 anos.
Após o golpe, assistimos à volta do aumento vertiginoso de empobrecidas, desempregados e assassinados, com a terras e as águas concentradas e destruídas, como nos piores momentos das ditaduras passadas e da colônia escravagista. Vários grupos estão sentindo a exigência de recomeçar a construir um novo ciclo de lutas, individuando as “novas sementes” que possam garantir novas colheitas para as futuras gerações do campo e das cidades. Este é um momento histórico em que o espirito humano exige ousadia e criatividade para ir muito além do consumismo medíocre e comodista que é a única quimera efêmera que o sistema neoliberal apresenta.
Dentro destes horizontes, muitos, cristãos ou não, sentiram que era valioso fazer memória de um bispo que, contracorrente, conseguiu se transformar numa personalidade corporativa, dando tudo de si, com simplicidade e sem populismos fáceis e vaidosos, para interpretar e articular coletivamente nas CEBS (igrejas nas bases), o grito dos pobres, a voz e vez deles. Seu nome: Dom Matthias William Schmidt, bispo da diocese de Ruy Barbosa.
Veio para o Brasil, ainda jovem, como missionário beneditino, do Kansas dos Estados Unidos onde deixou um futuro brilhante como pesquisador e biólogo. Após um período no sul de Goiás, mergulhou no sertão da Bahia em 1976. Terminou sua vida tombando no chão poeirento de uma feira livre em Utinga – BA, derrubado por um enfarte agudo ao miocárdio, morrendo logo em seguida, na madrugada do dia 24 de maio de 1992. A cidade não tinha, até então, a presença de nenhum médico.
A memória do bispo Matthias, 25 anos depois, é ainda fonte de inspiração para os povos desta região. Como uma semente comprovada que se conserva para plantar ano após ano.
Em tempos de individualismos exacerbados, Matthias vivenciou as relações interpessoais com disponibilidade e respeito, para com todos e todas; em tempos de sentimentalismos religiosos superficiais, incentivou uma igreja feita de Comunidades (CEBs) conscientes e apaixonadas para enfrentar e contribuir com a solução dos problemas essenciais das maiorias: terra, água, casa emprego; solidarizou-se com as igrejas dos pobres nas Américas exploradas, denunciando o sistema da sua América do Norte; respeitou e acolheu a cultura e os direitos dos Índios e Negros; visitou e apoiou os migrantes nordestinos e exigiu que a terra baiana fosse deles para reforma agrária; valorizou a vida consagrada e promoveu sua inserção nos meios populares pobres; fez opção pessoal pela firmeza permanente não violenta para a transformação histórica das violências estruturais e cotidianas. Pagou pessoalmente o preço por estas opções; foi hostilizado e marginalizado. Uma pessoa delicada e mansa como ele, chegou a ver falsificada sua assinatura em panfletos falsos, que lhe atribuíam ideias violentas, e a receber, várias vezes, ameaças e atentados com bombas caseiras lançadas, de noite, contra sua residência…
O lema de dom Matthias como bispo foi só uma palavra: “Presente”. Imaginamos que o lema que ele nos sugeriria hoje, 25 anos depois de sua Páscoa, provavelmente seria:
“Presente com vocês, se vocês forem como sementes! ”
Luciano Bernardi (CPT BA)