Bacias Hidrógraficas
A questão da água passou a fazer parte das preocupações e ações da CPT Bahia, com maior insistência, a partir das lutas pela água na região do semiárido, por volta dos anos 1980. A experiência da seca terrível de 1979-1983 – que vitimou 10 milhões de flagelados, com 3,5 milhões de mortos em consequência, segundo a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) – tornou a questão da água uma obrigação de todos do campo popular da região. E foi a partir de experimentações da CPT, com cisternas de cal e de alvenaria, e de parceiros e aliados que se espalharam as eficientes cisternas de placa de cimento pré-moldadas para captação de água de chuva do telhado das casas.
O sucesso delas levou ao Programa Um Milhão de Cisternas – P1MC, da Articulação do Semiárido com o governo federal, iniciado em 1997. Deste avançou-se, também pelos mesmos parceiros e aliados, a partir de um encontro em Juazeiro- BA, para o Programa P1+2 – Uma Terra e Duas Águas, proposto originalmente como alternativa à Transposição do Rio São Francisco para o então chamado Nordeste Setentrional. Seu objetivo era, além de promover captação de água para a produção, incluir a terra (reforma agrária) como solução efetiva para o “problema da seca” de sempre.
O I Congresso Nacional da CPT, acontecido em Bom Jesus da Lapa – BA, em 2001, tinha como tema “Terra, Água, Direitos: Eis o Tempo Jubilar”, em celebração ao jubileu do segundo milênio do advento de Jesus, sacramentava a Água como um dos eixos de atuação da CPT. Em 2002, o Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, da CPT, em vista da maior incidência, passa a destacar os conflitos de água, distintos dos de terra.
O congresso deu mais ânimo à CPT Bahia, que já vinha de envolvimento cada vez maior com as questões da água afeitas à questão da terra. As lutas crescentes do Rio São Francisco apareciam com cada vez maior frequência nos planos e relatórios da CPT Bahia. Ao ponto em que a Misereor, agência de cooperação da Igreja Católica da Alemanha, sua principal apoiadora, propôs discutir e criar um projeto específico para aquela bacia. Criou-se o Projeto São Francisco, em 2005, em parceria com o Conselho Pastoral dos Pescadores, para fomentar iniciativas de formação, articulação e mobilização das populações ribeirinhas e suas organizações em defesa do rio em toda a sua bacia, das nascentes em Minas Gerais, passando por Bahia e Pernambuco, até a foz entre Sergipe e Alagoas. O projeto foi encerrado em 2015, mas continua atuante a então criada Articulação Popular São Francisco Vivo, cujo lema é “São Francisco Vivo – Terra e Água, Rio e Povo”.
As demandas das comunidades camponesas, para além do semiárido, aumentavam também em torno das águas, mais ameaçadas. E foi ficando cada vez mais evidente, também com o avanço do conhecimento e da prática da Ecologia, que as Bacias Hidrográficas se impõem como a conformação territorial natural da vida. Esta segue o correr das águas nas Bacias, que por esta razão deveriam tornar-se as unidades de concepção, planejamento e atuação das comunidades humanas – para além da tão somente “gestão descentralizada e participativa” das águas por Regiões Hidrográficas e Comitês de Bacias, como estabelece a Lei Nacional de Recursos Hídricos (no 9433/97) –, de mais profunda interação com as outras formas de vida, todas dependentes uterina e umbilicalmente das águas. E quase sempre avessas às fronteiras artificiais inventadas historicamente pelos humanos, a poder de guerras e disputas políticas e econômicas. Neste mesmo contexto, avolumam-se as lutas, desde os povos ancestrais, pelo reconhecimento dos Direitos da Natureza, entre os quais os das Águas e dos Rios. Aí a perspectiva fundamental para reconstrução do nosso sistema de vida, mais biocentrado do que antropocêntrico, antes que o capitalismo e suas reciclagens cada vez mais frequentes e catastróficas nos destruam a tudo e todos/as.
Nossa luta nas bacias hidrográficas tem conseguido mobilizar melhor pessoas do campo e da cidade, em torno de questões como a poluição e falta de saneamento básico e ambiental, o desmatamento, os monocultivos, a mineração, os empreendimentos de energia, os crescentes domínios mercantis sobre as águas etc. E de iniciativas como a recuperação de nascentes e matas ciliares, conquista e preservação dos territórios dos povos e comunidades tradicionais e das áreas de assentamento, agrosilvicultura, economia solidária, resistência a projetos degradantes etc. Além da experiência da água como elemento sagrado em todas as religiões, a criar o ecumenismo inter-religioso, a congregar toda luta em defesa da Vida.
Neste sentido vai o trabalho da CPT Bahia por Bacias Hidrográficas, o mais possível. Das 13 destas, na Bahia, a CPT está presente e atuante em 06 – São Francisco, Vaza-Barris, Itapicuru, Paraguaçu, Rio de Contas e Pardo. Um trabalho que só tende a crescer.