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CPT BAHIA

Sustentabilidade para Inglês ver: Mineradora Inglesa, fechada por desrespeito às comunidades e leis ambientais, tenta retornar com discurso verde

Equipe CPT Centro Norte

O setor mineral vem travando uma ofensiva discursiva centrada em narrativas que se caracterizam pelo Greenwashing, ou lavagem verde. Na prática, se trata de uma estratégia das empresas mineradoras na tentativa de tentar limpar a imagem da mineração, suja sangue, de pó, lama e metal pesado. A lama que escorreu pelas montanhas de Mariana e Brumadinho – levando vidas, casas e um dos principais rios de Minas Gerais junto – ainda nem secou e o assédio sobre outros territórios se expande, por todo o país. Na Chapada Diamantina, Bahia, a invasão do capital mineral já ganha contornos trágicos. Além disso, os requerimentos de pesquisa e lavra mineira se espalham por todo o território, atingindo 2.430 processos minerários ativos, de propriedade de diversas empresas, nacionais e transnacionais, segundo pesquisas do GeografAR/UFBA (2024).

Fonte: Geografar/UFBA, 2024.

Nesse contexto, observa-se a ação da mineradora Brazil Iron que vem investindo, constantemente, em publicidade para tentar emplacar a ideia de um suposto “ferro verde” como justificativa para operar na região e tentar convencer a opinião pública. Com matérias compradas em jornais de expressão regional e local, a mineradora inglesa tenta distrair a atenção da população, enquanto deveria concentrar suas energias se defendendo do processo que enfrenta na justiça da Inglaterra (país de origem) pelas denúncias que envolvem soterramentos de nascentes e rios, grilagem de terras, prejuízos nas casas, como rachaduras, contaminação do ar das comunidades de Bocaina e Mocó, situadas no município de Piatã, Bahia.

Nascentes e rios na comunidade quilombola de Bocaina, e Mocó, foram impactados pela mineração da Brazil Iron, em Piatã, BA. Foto: Rodrigo Wanderley, 2020.

Em 2019, a comunidade da Bocaina e Mocó deu seu grito de desespero ao não suportar mais as violações de direito, bem como o barulho 24h por dia, as explosões e o pó residual que contaminava suas águas e plantações. A população vem se mobilizando, resistindo e enfrentando a ofensiva do capital mineral, para defender seus territórios de vida e reivindicar seus direitos pelas violências sofridas. Nesse momento, os comunitários se mostram apreensivos com os rumores de possível retorno e ampliação das atividades minerárias em toda a região.

A bacia do rio de Contas terá o mesmo destino da bacia do rio Doce?

A área que compreende os processos minerários em fase de pesquisa já autorizadas pela Agencia Nacional de Mineração (ANM), já soma quase 50 mil hectares no Território da Chapada Diamantina. As poligonais em fase de pesquisa e requerimento de lavra sobrepõem centenas de nascentes e afluentes do rio de Contas, tais como os rios Gritador, Ribeirão, Machado, Água Suja, Vereda Seca, além do próprio Contas. O processo de pesquisa mineral da Brazil Iron deu início nesta bacia hidrográfica em 2003 e teve seu auge em 2016, com 23 processos abertos em três municípios da Chapada Diamantina. Atualmente constam 41 processos ativos, concentrando 39% em Abaíra, 44% em Piatã e 17% em Jussiape. Além das pesquisas de ferro, a Brazil Iron soma 05 pesquisas de ouro, 05 de manganês e 05 de quartzito/quartzo. Cinco processos minerários já estão avançados nos tramites da fase de requerimento de lavra, com aval da ANM para seguir exploração. Diante disso, as comunidades sequer conhecem os Estudos de Impactos Ambientais (EIA) dessa exploração, caso venha acontecer, nem tampouco foram consultadas conforme prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Fonte: Geografar/UFBA, 2024.

Conforme o mapa acima, a empresa Brazil Iron em seu discurso apresenta o projeto como uma única grande província mineral. No entanto, as agências do Estado, o INEMA e a ANM, validam a fragmentação dos processos em várias pesquisas distintas, dessa forma os estudos (EIA e RIMA) omitem a verdadeira dimensão dos impactos dessa exploração. Esses diagnósticos fracionados fragilizam os relatórios e favorecem a empresa nas fases de licenciamento, já que relativizam e/ou minimizam o impacto real do empreendimento para a bacia hidrográfica do rio de Contas e para a Chapada Diamantina.

Sem uma análise mais aprofundada dos usos e destinação das águas da bacia hidrográfica, o Estado pode comprometer uma das maiores fontes de água limpa do estado para a produção energética do hidrogênio verde, a mesma energia que sustenta o lobby do projeto mineral brazileiro com ‘Z”. Dessa forma, a Chapada Diamantina é apontada pela Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) como o laboratório ideal para a mineração no Brazil. Aproveitando da sigla em inglês HBI (sigla inglesa para ferro briquetado a quente), a Brazil Iron Mineração fechou o ano com um projeto de produção de ‘ferro verde’ na região da Chapada Diamantina. O investimento prevê a instalação de uma mina, a construção de uma estrada de ferro de 120 km e de uma siderúrgica, paralelo ao caminho das águas do rio de Contas. Essa ofensiva mineral assusta e preocupa as comunidades que convivem nesse território que abriga riquezas materiais e imateriais, como apresenta o vídeo da Mongabay Brasil: Mineração ameaça produtores de café e cachaça na Chapada Diamantina, Bahia.

Rio de Contas, Jussiape, BA. Foto: Marcos Domício.

Com esse forte apelo do marketing verde, e baseado nas narrativas de sustentabilidade via ESG (Environmental, Social and Governance), o vice-presidente de Relações Internacionais da Brazil Iron, Emerson Souza, aponta que a chegada do empreendimento coloca a Bahia na vanguarda mundial da fabricação do produto, sem apontar o impacto desse investimento para as águas da Bahia. Serão retiradas 5 milhões de toneladas por ano, dobrando o valor na segunda fase. Importante frisar que todo o impacto nas comunidades da Bocaina e Mocó se deram ainda na fase de PESQUISA, em plena extração da mina, os impactos serão incalculáveis.

O projeto que abrange os municípios de Piatã, Abaíra e Jussiape tem como protagonista a Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb) e a CBPM, que presta consultoria para uma empresa transnacional. O órgão público baiano atua, junto a Federação das Indústrias, na preparação para a chegada do projeto, enquanto o INEMA continua num “sono profundo”, sem assumir suas responsabilidades quanto às questões hídricas e o impacto ambiental dessa “província mineral integrada”.

Futuro ameaçado: Comunidade do Rio de Contas, Piatã, BA. Foto: Rodrigo Wanderley.

Na matéria do jornal A tarde sobre investimentos em “ferro verde” na Chapada Diamantina, o presidente da Fieb, Carlos Henrique Passos, destaca que: “A produção do HBI aqui vai atender aos reclamos da sociedade e do planeta por produtos verdes”. Essa fala evidencia como o discurso da transição energética é imposto e como as estruturas públicas do Estado, principalmente o INEMA e CBPM, foram capturadas pelas transnacionais. Ademais, acende o alerta para refletir como a falta de uma análise do local para o global colocam em risco a soberania nacional.

O próprio presidente da CBPM, Henrique Carballal, aponta que o projeto é um processo vertical de sequestro de carbono e ressalta que “esse projeto passou por muitas fases, inclusive de estudos e pesquisas antes de ser aplicado.” Mas, segundo as comunidades, nenhuma dessas fases considerou a vida do povo e suas raízes históricas, as outras fontes socioeconômicas e o próprio acordo da Convenção 169, da OIT, que o Brasil é signatário.

O Estado à serviço do capital internacional

Muito além das questões técnicas defendidas pelo Estado, a questão mineral é socioantropológica. O Grupo de Pesquisa GeografAR identificou mais de 90 municípios com presença de conflitos da mineração, em 2024, na Bahia. São disputas que envolvem, principalmente, terra e água, mas também afetam, direta ou indiretamente, a saúde, a alimentação, a reprodução da vida, a sobrevivência das populações e de toda forma de vida.

Em visita a Piatã, o governador na época, Rui Costa, foi alertado sobre os problemas da Mineração na região. Foto: Rodrigo Wanderley, 2021.

Neste fim de semana, enquanto se realiza a grande Feira Baiana da Agricultura Familiar, realizada pelo governo do estado, fica a pergunta se teremos agricultura familiar sem a preservação das águas dos principais rios da Bahia?

Horácio Aráoz no livro “Mineração, genealogia do desastre” pontua que “a publicidade pró-mineração, dos governos e das empresas, inunda até a saturação o diversificado espaço semiótico de nossa época, com páginas inteiras de jornais e revistas, folhetos, programas na televisão e até emissoras de rádios próprias”.

Pesquisadores do GeografAR ressaltam que “são narrativas que reproduzem, insistentemente, o discurso do progresso e da sustentabilidade e difundem, estrategicamente, a ideia de uma dependência escatológica do ‘recurso mineral’ como última e única via de salvação para as mudanças climáticas que avançam. Agora, o fetiche da transição energética é a tônica que tem sustentado a primazia do setor mineral ‘sobre todas as coisas’, territórios, populações e lugares”.

O relatório “Ralos e gargalos das outorgas de água no Brasil”, apresenta uma análise sobre a captura das águas pelo agronegócio irrigado e pela mineração à luz das análises das outorgas de água. O estudo aponta como o setor mineral concorre para o processo de mercantilização e apropriação privada da água no Brasil. Nesse contexto, a problemática se amplia e aprofunda ao passo que os impactos sobre as águas são, imediatamente, sentidos pelos povos e ecossistemas.

Estudos do GeografAR documentam, desde os anos 2000, a enorme quantidade de notícias, reportagens e informes publicitários que tratam da mineração nos veículos de comunicação baianos. Foram catalogadas e analisadas 543 matérias produzidos na mídia jornalística em circulação na Bahia ao longo desse período. As análises evidenciam a ampla abordagem das narrativas e discursos favoráveis, provenientes do Estado e em prol do Setor Corporativo Mineral. Em contrapartida, demonstram como são invisibilizados os movimentos sociais, as populações tradicionais e os conflitos que enfrentam com as atividades minerárias.

Fonte: Hemeroteca do GeografAR (2024).

Quantos Brumadinhos e Marianas serão necessários para escancarar publicamente a violência do modelo mineral brasileiro? Um modelo gestado na ditadura militar e que não respeita territórios, vidas, rios ou quem quer que se coloque em seu caminho. A Bahia tem sido apontada pelo mercado e pelo Estado como “a bola da vez da mineração nacional” e, nesse contexto, a Chapada Diamantina como laboratório da mineração para transição energética.

Até quando a Bahia e o Brasil seguirão sendo os “ratinhos” da história? Até quando os territórios e direitos dos camponeses, povos e comunidades tradicionais seguirão sendo expropriados e violados? Até quando essa nação seguirá sendo explorada para alimentar o sistema mundo em nome de um pseudodesenvolvimento de base neocolonialista? Até quando os rios, as águas, a fauna, a flora, as populações… a natureza na sua integralidade seguirá sendo ameaçada exaurida, financeirizada e leiloada nas bolsas de valores do mundo corporativo mineral? Até quando a dependência será perpetuada como base da economia nacional? Até quando os territórios e as serras serão fraturados, as matas e as águas destruídos e contaminados, os solos e subsolos brasileiros exportados? Até quando, até quando… são muitas as questões, são poucas as respostas. Até quando?

Cava da mineradora Brazil Iron, próximo às Comunidade de Bocaina e Mocó, Piatã (BA). Foto: Valdirene Rocha (2024).
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