Mais de 20 milhões de pessoas passam fome no Brasil. 120 milhões vivem num cenário de insegurança alimentar, ou seja, não sabem se irão ter como se alimentar no próximo dia. O desgoverno do presidente fascista Jair Bolsonaro tira qualquer perspectiva de saída da crise, e pelo contrário, age dificultando ainda mais a reprodução da vida do trabalhador e da trabalhadora. Diante desse cenário, é difícil ter esperança. A miséria por si só imobiliza e enche de fatalismo a opinião dos oprimidos. “A vida é assim mesmo”, “Pra gente não tem jeito. A gente nasce para sofrer”, são frases que ouvimos diariamente nas idas e vindas do trabalho de base.
O pessimismo seria uma constante se não fosse o encontro das arquiteturas de sobrevivência que encontramos nas comunidades. Ali se desenvolvem lutas subterrâneas que sustentam o verbo esperançar. O esperançar se alinhava com a resolução dos problemas concretos da comunidade. Na comunidade da Vila Juerana. Local que frequento faz três anos vejo no dia a dia essa costura.
O povoado da Vila Juerana se situa no distrito de Aritaguá, ao norte da zona urbana do Município de Ilhéus, estado da Bahia, na BA-001, trecho Ilhéus-Itacaré, Km 10. A população estimada é de aproximadamente 1000 habitantes. Situa-se à margem esquerda do Rio Almada, dentro de uma área de transição entre a restinga e a Mata Atlântica, pertencente à área de abrangência ou influência da Área de Proteção Ambiental (APA) da Lagoa Encantada. A vila é impactada diretamente pela Construção do Complexo Logístico Porto Sul.
Aqui na Juerana encontramos grupos que em muito fazem lembrar as CEBs, Comunidades Eclesiais de Base. Ou será que também são CEBs, mas com outros nomes? O fato é que esses grupos reinventam resistências e anunciam as boas novas aos pobres, aos desesperados e cultivam um sentimento de união entre aqueles que têm fé. É comum nesses grupos a organização de bingos, rifas, livros de ouro, mutirões, excursões para gerar recursos para ajudar na cirurgia do vizinho, para reformar a igreja, para comprar remédio para algum idoso. Cria-se um sentimento de unidade em torno da paróquia da comunidade. A missa enquanto atualização vibrante do evangelho acontece em vários lugares onde a fé é posta em serviço. Na celebração, o padre puxa as cantigas que são embaladas pelo mesmo pandeiro que mantém viva a cultura do reisado e do bumba-meu-boi.
São todos e todas trabalhadores e trabalhadoras, mestres de obras, pescadores e pescadoras, pequenos comerciantes, professoras e etc., que guardam um pouco do tempo da labuta para a comunhão do pão, são verdadeiramente companheiros e companheiras que cuidam da comunidade pensando na restauração da vida. Não é preciso romantizar essas arquiteturas de sobrevivência, são muito os desafios que internamente e externamente testam a capacidade de resposta desses grupos. A ideologia burguesa e as dificuldades financeiras permeiam a vivência comunitária. No entanto, é possível ver a força do evangelho cerzindo sonhos de um bem comum.
Ao terminar as atividades, o trabalho voluntário, a missa, a conversa de final de tarde, saímos com o sentimento de que a Vila Juerana é resistência e que não será fácil tirá-los do seu território. Estão dispostos a iniciar a construção do reino de Deus na Terra para que todos possam conviver com os bens comuns do trabalho e da natureza.
Artigo de opinião por Magno Luiz Garcia