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CPT BAHIA

Violência contra mulher, o opróbrio da sociedade contemporânea

A violência contra mulher é uma violação dos direitos humanos que fere o direito à vida, à saúde e à integridade física, ao mesmo tempo, descaracteriza e invisibiliza o papel desta na família e na sociedade. O artigo 7º da Lei Maria da Penha qualifica os diversos tipos de violência em: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial. Nota-se que esses tipos de abusos, normalmente, não acontecem de forma isoladas umas das outras e provoca vários agraves no ser feminino e no tecido social.

As mulheres, muitas vezes têm dificuldades de perceber que estão vivendo em situação de violência quando não ocorre de fato a agressão física, pois vários delitos sofridos são romantizados pelos seus agressores e pela sociedade. Desse modo, a gravidade da violência só vem à consciência quando ocorre a agressão física, e é nesse momento que algumas buscam ajuda. Contudo, a mulher que sofreu violência física, antes disso, pode ter sofrido outros tipos de agressões, tais como psicológica, patrimonial, moral e/ou até mesmo sexual.

Grande parte de vítimas de violência sexual só percebe que seus direitos estão sendo violados quando acontece o estupro, principalmente em um relacionamento formal. São forçadas a prática sexual que não desejam, configurando assim uma forma de violência. Todavia, numa sociedade machista, o senso comum é que esse tipo de agressão é considerado frescura feminina. Faz-se necessário, assim, cada vez mais o diálogo aberto entre homens e mulheres em todos os espaços sociais sobre a violência de gênero.

Muitas mulheres não têm lugar de fala e são controladas por seus agressores, por inúmeras razões que podem ir desde a dependência financeira até o medo do agravamento da violência chegando à prática do feminicídio. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública no primeiro semestre de 2022 foram registrados 699 feminicídios no Brasil, um crescimento de 10,8% comparado com os dados de 2019, ou seja, uma média de quatro mulheres mortas por dia, o maior número já registrado em um semestre. Esses dados demonstram o quanto é grave a situação da violência contra a mulher no Brasil e o quanto é importante a luta para enfrentamento dessa enfermidade social que atinge todos setores da sociedade.

Observa-se que a violência contra mulher acontece em todos os espaços sociais, especialmente no ambiente doméstico, onde deveria oferecer segurança e acolhimento. No entanto, é o espaço onde muitos agressores convivem com suas vítimas diariamente e não têm interferência externa de outras pessoas, visto que ainda encaramos como verdade o dito popular que diz “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. Além disso, em diversas situações a convivência familiar é romantizada e os vestígios de violência percebidos são ignoradas tanto pela vítima quanto pela sociedade.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2021 cerca de 17 milhões de mulheres afirmam ter sofrido alguma forma de violência durante a pandemia da covid-2019, destas 32,85% das entrevistadas não registraram queixa nos órgãos competentes. Durante a pandemia se agravou ainda mais a violência contra a mulher, devido a convivência com o agressor no isolamento social, confirmando assim, a necessidade e urgência de discutir essa temática no contexto familiar e nos diversos espaços sociais com fortalecimento das políticas públicas de combate e prevenção.

Nessa vertente, destaca-se que muitas vítimas preferem não registrar a violência sofrida, por não se sentir seguras e amparadas pelo Estado. Em muitas delegacias ainda faltam equipes preparadas e humanizadas para acolher as mulheres que sofreram algum tipo de violência. Mediante a isso, não podemos esquecer também, que as vítimas de violência de gênero chegam na delegacia para pedir socorro em situação de grande vulnerabilidade social e psicológica e precisam de um atendimento especializado. Contudo, muitas vezes são recebidas por homens brancos e machistas que a culpabilizam.

A vitimização da mulher que sofreu violência, normalmente, tem início no seio familiar, mas pode existir uma continuação dessa agressão pela estrutura do Estado que as atendem de forma que a exponha e vulnerabilize ainda mais a vítima, pois não está preocupada em prestar um atendimento adequado, bem como pela sociedade que, muitas vezes, descredibiliza e coloque em dúvida a violência e a acusa. Sem contar que a própria vítima pode desenvolver um sentimento de autoculpabilização, devido ao processo formativo social com bases no machismo e patriarcado no qual somos criadas. Quem nunca ouviu alguém dizer que tal mulher foi estuprada porque estava com roupa curta? Ou estava num lugar que não era apropriado? Ou apanhou do marido porque merecia?

Diante disso, o lugar de mulher é onde ela quiser estar com a roupa que desejar. E o Estado brasileiro precisa assegurar que a mulher saia à rua sem medo de ser estuprada e seus direitos sejam violados, bem como termine uma relação afetiva sem medo de ser morta pelo ex ou/e leve um tiro e sofra qualquer forma de violência.

Os dados sobre a violência de gênero mostram que as mulheres negras são as mais afetadas, conforme o Instituto Igarapé em 2020 a cada dez feminicídios no Brasil sete eram negras. A violência sexista e racista no Brasil vem se aprofundado cada dia mais no abismo social, atingindo com força as mulheres negras. Com isso, percebe-se que a Lei Maria da Penha tem sido um grande avanço para o país na proteção das mulheres, porém ainda tem sido mais eficaz para as brancas, enquanto as negras não tem tido o mesmo acolhimento. Acredita-se que isso se deve ao fato do racismo estrutural no Brasil, sendo que nas delegacias especiais, a grande maioria são compostas por brancos ou/e até mesmo homens. Além disso, existe um alto índice de mulheres negras que são mortas antes mesmo de denunciarem e contar com qualquer tipo de ajuda do Estado.

Entre os desafios para enfretamento da violência contra a mulher, destacam-se a importância do fortalecimento da luta por políticas públicas de proteção e combate, bem como garantia dos direitos básicos; a interseccionalidade do debate sobre a temática abordada nos diversos espaços e instituições do país; o desenvolvimento de ações emancipatórias que empodere socialmente, economicamente e politicamente as mulheres; a ampliação das delegacias especiais para facilitar o acesso das mulheres e oferecer um atendimento adequado e humanizado; a realização de campanhas continuadas para inibir a violência contra a mulher; a criação de movimentos de resistência que denunciam e combatem à violência contra as mulheres; oportunizar que as mulheres negras ocupem cargos públicos e estruturas de governança.

Por Angela Rodrigues Pereira, mulher negra, agente da Comissão Pastoral da Terra do Centro-Oeste da Bahia. Bacharela em Engenharia Sanitária e Ambiental. Tecnóloga em Administração de Pequenas e Médias Empresas. Especialista em Gestão de Pessoas.

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